“Fui ao médico, essa coisa toda”, disse um calmo Axl Rose ao público do show de sua banda, o Guns N’ Roses, no sábado passado, no Tottenham Hotspur Stadium, em Londres.
— Vou começar a mudar um pouco a parte vocal das músicas, espero que vocês não se incomodem — explicou Axl.
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Há alguns anos o estridente cantor, que completou 60 anos em fevereiro, sofre com oscilações em suas performances ao vivo — que, convenhamos, não são fáceis: em boa parte das canções da banda fundada em Los Angeles nos anos 1980, Axl berra, e os shows frequentemente têm três horas de duração. Nas últimas vindas ao Rio, ele foi louvado pela voz em boa forma em 2016, no Engenhão, e execrado pela falta dela no Rock in Rio do ano seguinte. Depois da “confissão” em Londres, o Guns cancelou o show que faria em Glasgow, na Escócia, na última terça-feira, por razões inicialmente descritas como “doença e aconselhamento médico” e mais tarde confirmadas pelo próprio cantor nas redes sociais: “Estou seguindo as ordens do médico, descansando, trabalhando com um preparador vocal e resolvendo os problemas no som”, disse ele, depois de se desculpar pelo show cancelado. A banda, a princípio, retoma a turnê (que chega ao Rock in Rio no dia 8 de setembro) na noite de hoje, em Munique, na Alemanha.
No mundo do rock, além de Axl Rose, Robert Plant (do Led Zeppelin, hoje com 73 anos, e que há décadas não canta mais o standard “Stairway to heaven”, além de ter mudado arranjos e tons de músicas antigas) e Bruce Dickinson (do Iron Maiden, de 63, outrora apelidado Sirene de Ataque Aéreo e sobrevivente de um câncer na língua) são dois dos cantores que tiveram que adaptar as performances ao vivo às limitações impostas pela idade. Na MPB dos festejados oitentões, Gilberto Gil e Milton Nascimento também já admitiram suas mudanças. Em entrevista ao programa “Roda viva”, da Rede Brasil, em maio, Gil falou da cirurgia que fez para restaurar uma corda vocal.
— Hélio Oiticica, lá em 1969, chamava a atenção para a importância dos meus gritos, dizia que era revolucionário — contou ele, bem-humorado. — Então passei a carreira inteira gritando, usando a voz como um instrumento bruto, e isso acabou me custando uma corda vocal.
‘Tudo despenca’
Nos shows atuais — como os que faz com a família na Europa atualmente —, Gil poupa a voz e usa os vocais da descendência para se apoiar em determinados trechos das músicas.
Doutora em performance vocal pela Universidade de Michigan e instrutora de boa parte dos cantores e atores de musicais brasileiros, a soprano Mirna Rubim lembra que o envelhecimento é inexorável, na voz como no corpo.
— Tudo despenca — resume ela, de Portugal, onde vive, botando a culpa na gravidade. — A flacidez muscular e a perda de água são comuns quando a pessoa vai ficando mais velha. Os músculos, como os das cordas vocais, não respondem tão bem, a gente fica sem resistência, e a saída é ir abaixando os tons das músicas, para alcançar as notas e ficar em uma região confortável, sem forçar.
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Talvez este tenha sido o pecado de Axl Rose: cantar “Civil war”, “Welcome to the jungle”, “It’s so easy” e outros sucessos do Guns N’ Roses sempre berrando como um alucinado, no limite da voz. Além, claro, de não cuidar da saúde com o esmero de um Ney Matogrosso, que, às vésperas dos 81 anos, alcança as notas com a mesma facilidade com que conversa, baixinho, sem esforço.
— Ney e Caetano são exemplos de cantores com a voz em boa forma, mesmo na idade deles — avalia Fernanda Abreu, de 60 anos, que por enquanto não sofreu com qualquer decadência vocal. — Na verdade, tem músicas que canto no show meio tom acima do que gravei, como “Jorge da Capadócia”. A subida no tom aumenta o impacto da canção ao vivo.
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Além de não ter vivido uma vida de Axl Rose — que, verdade seja dita, não é conhecido por loucuras com drogas, apenas um certo apreço pelo álcool —, Fernanda Abreu tem uma vantagem dentro da própria família.
— Sou uma privilegiada por ter o meu irmão por perto — lembra ela, referindo-se a Felipe Abreu, cantor e instrutor vocal dos mais requisitados. — Desde que comecei a cantar, na Blitz, há 40 anos, eu sempre recorri a ele, que me passa exercícios e dá dicas de como usar a voz. Também tive a sorte de começar cantando em corais, o que ajuda muito a gente a perceber a própria voz e as dos outros.
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Fernanda, assim como Marisa Monte e a maioria dos cantores com juízo, tem como critério o conforto na hora de cantar uma música, ao vivo ou no estúdio. O mesmo não se pode dizer de cantores como Edu Falaschi, conhecido por sua passagem pelo Angra e pela posterior carreira solo.
— No tipo de música que eu faço, você canta no limite o tempo todo — diz o cantor de 50 anos, que classifica seu gênero como power metal, aquele rock pesado melódico, de toques vocais operísticos. — Em alguns aspectos, acho que é até mais difícil do que a ópera, porque você tem que passar por vários gêneros, cantar agudo, grave, empostado.
Falaschi, que ainda tem todas as cordas vocais, apesar de quase 30 anos de metal, sofreu com outro problema comum aos cantores: o refluxo.
— É comum em quem usa muito o diafragma — diz ele. — Acabei desenvolvendo uma hérnia de hiato, o controle do ácido que vem do estômago fica mais frouxo, é um horror. E não tem uma cura definitiva, você tem que manter sob controle.
Basicamente, dormir bem, comer pouco, não fumar nem pensar em outras travessuras. Ou seja, um estilo de vida bem pouco rock’n’roll.
— Os cantores de rock, sertanejo e axé são geralmente os que mais forçam — atesta a vocal coach Mirna Rubim. — Mas é possível aumentar a longevidade da voz, com exercícios, alongamento e juízo.
Viu, Axl? Cuide-se, que 8 de setembro está aí mesmo.