Cultura
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Por Dirce Waltrick do Amarante, Especial para O GLOBO — Rio de Janeiro

Capa de "Tênebra" (Fósforo) — Foto: Divulgação
Capa de "Tênebra" (Fósforo) — Foto: Divulgação

"Tênebra". Organizadores: Júlio França e Oscar Nestarez. Editora: Fósforo. Páginas: 522. Preço: R$ 89,90. Cotação: ótimo.

Organizado por Júlio França e Oscar Nestarez, “Tênebra” reúne 27 contos brasileiros de horror, publicados entre 1839 e 1899, assinados por diversos autores, alguns deles clássicos. Entre os clássicos estão Machado de Assis, Olavo Bilac, Joaquim Manuel de Macedo, Júlia Lopes de Almeida e Aluísio Azevedo. Cabe notar, contudo, que nenhum deles se tornou célebre graças às suas narrativas de horror. Ocorre que, no Brasil, como afirmam os organizadores do volume, não houve uma produção sistemática de “literatura do medo”, e o que se produziu sofreu um apagamento da crítica e da historiografia. O mesmo, vale destacar, acontece com a literatura nonsense, que, por aqui, teve como pioneiro o gaúcho Qorpo-Santo, que foi contemporâneo de Lewis Carroll e Edward Lear, os pais do nonsense vitoriano.

A resposta a esse apagamento, lê-se no prefácio de “Tênebra”, não é simples, ele seria fruto de uma complexa relação de fatores: “Em primeiro lugar, a crítica e a historiografia literárias brasileiras sempre demonstraram preferência por obras realistas que versassem diretamente sobre as questões sociais e políticas de maior relevo, bem como por aquelas que abordassem a discussão sobre o que é o Brasil e quem somos nós, os brasileiros. Nossa literatura, desde o romantismo, passando pelo modernismo, foi encampada pelo projeto de construção da identidade nacional, e, como efeito colateral dessa proposta, sufocaram-se as poéticas que não seguissem explicitamente tal programa.” Parece que as coisas não mudaram muito desde então.

Preferência pelo realismo

A literatura do medo chegou e tem chegado ao Brasil por meio de tradução. Nos séculos passados, como afirmam França e Nestarez, costumava-se pensar que era “mais barato traduzir obras estrangeiras do que incentivar uma produção nacional”. No conto “Jacinto”, de Bruno Seabra, um autor agora redescoberto, o narrador parece corroborar essa ideia, pois, ao recordar as histórias de sua ama, conclui que, “se ela dispusesse de uma educação literária à dose de espírito fantástico que possuía, o Brasil podia a esta hora gabar-se de ter sido o berço de uma escritora rival de Ann Radcliffe”.

Hoje, aparentemente, essa constatação ainda se aplica ao nosso panorama literário, uma vez que seguimos prestigiando a literatura realista escrita por brasileiros e buscando fora outros tipos de narrativas, como as do ramo fantástico, que os leitores brasileiros consomem avidamente.

Uma luz tênue, entretanto, parece ter-se acendido nas trevas e lançado luz sobre narrativas de horror de autores brasileiros, os quais, desde a última década, pelo menos, começaram a figurar em diferentes antologias de contos góticos. Esse é caso da coletânea “Os melhores contos de medo, horror e morte”, organizada por Flávio Moreira da Costa, que incluiu, ao lado de autores estrangeiros, nomes como Humberto de Campos, Inglês de Sousa, Flávio Moreira da Costa e Machado de Assis. Vale lembrar que, nela, Machado de Assis assina um conto diferente daquele que se lê em “Tênebra”, o que leva a crer que o autor de “Memórias póstumas” deixou uma produção de interesse no campo do terror e do fantástico.

Comprovando a riqueza dessa literatura, Cristhiano Aguiar lançou neste ano “Gótico nordestino”, uma compilação de contos de sua autoria que apresentam elementos góticos e folclóricos. Aliás, muitas histórias não só do nosso folclore, mas também da mitologia universal dialogam estreitamente com o gótico. De modo que essa literatura sempre existiu em todos os lugares. Mas, como lembra H. P Lovecraft, ela não é para todos os leitores, pois exige deles “uma certa dose de imaginação e uma capacidade de desligamento da vida do dia a dia”.

Os antologistas Júlio França e Oscar Nestarez acreditam que “a ficção gótica dá continuidade a uma prática primordial do ser humano: usar a faculdade da imaginação para produzir narrativas que nos ajudem a lidar com nosso assombro diante do mundo que nos cerca”. Em algumas narrativas de “Tênebra”, é no ambiente doméstico que se dá o horror, ganhando atualidade principalmente as tramas que falam da violência contra a mulher.

Os contos da antologia se fundam no tripé que sustenta a literatura gótica: o locus horribilis, que destaca a ambientação sufocante na qual se passa história; a ênfase na “presença fantasmagórica do passado”; e, por fim, a “personagem monstruosa”. Aqui e ali, é impossível não lembrar dos clássicos filmes de Hitchcock.

Dirce Waltrick do Amarante é autora, entre outros, de “Metáforas da tradução” (Iluminuras)

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