Cultura
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Por Bolívar Torres

Fernando Pessoa morreu em 1935 deixando uma obra “a ser armada”, como define um de seus maiores especialistas na atualidade, o colombiano Jeronimo Pizarro. Ainda que não fosse exatamente um desconhecido em seu tempo, o português publicou pouco em vida. O Pessoa que chega até nós é um Pessoa coletivo — um autor mediado pelos estudiosos que continuam organizando e reorganizando os seus livros póstumos.

Isso explica critérios tão diferentes entre cada edição, como é possível conferir nos mais recentes lançamentos do autor no Brasil. Pela Companhia das Letras, saem a poesia completa de dois de seus heterônimos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis. Já a Todavia lança a reunião de poemas “Mensagem” e “Livro do desassossego”, ambos com organização de Pizarro.

— Pessoa não deixou livros, mas milhares de livros possíveis, e o editor de Pessoa acaba por ser um sonhador de mil e um livros possíveis — diz Pizarro. — O que me surpreende ainda é que muitos livros publicados depois de 1985 e 2005 nunca chegaram ao Brasil. Sendo Pessoa tão importante no país, não se entende bem que não cheguem as edições de inéditos nem as edições críticas.

30 mil páginas

Há quem brinque que Pessoa seja “o único autor morto que publica mais do que os vivos”. A grande maioria de textos editados postumamente tem origem nas mais de 30 mil folhas datilografadas ou manuscritas que o autor guardava em um baú. O desafio de transformar esse material em livro começa já na caligrafia, que em alguns momentos chega a ser indecifrável. Cada palavra pode ser “um mundo”, de acordo com Pizarro. Multiplicam-se casos de interpretações quase fantásticas. Em uma edição de textos inéditos publicada em 1993, há um trecho em que Pessoa revelaria ter pertencido à Ordem Templária de Portugal. Já na leitura de Pizarro, o autor afirma o oposto: nunca foi templário.

— Lembro-me de ter corrigido há pouco um poema do qual gosto muito — conta o estudioso. — Trata-se de um poema que não tem título e começa assim: “Dizem?/ Esquecem. /Não dizem? /Dissessem”. Por lapso, a última palavra editada, desde 1942, ou antes, foi “Disseram”. Mas esta palavra não rima com “Dizem”, e novos testemunhos provam que Pessoa escreveu “Dissessem”.

O que hoje chamamos de “Livro do desassossego” é uma reunião de fragmentos que o autor nunca organizou oficialmente. Por isso, sua forma final gera tanto debate e variações. O título só foi publicado em 1982, após quatro décadas sendo montado e pesquisado. A polêmica começa no número de semi-heterônimos (como Pessoa chamava todos os outros heterônimos fora da tríade principal, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis) que assinam a obra.

Estrutura indefinida

Em uma edição da Global lançada em 2015, Teresa Rita Lopes definiu como seus autores Vicente Guedes, Barão de Teive e Bernardo Soares. Conhecida por suas ideias firmes sobre a obra pessoana, a respeitada pesquisadora (e uma das mentoras de Pizarro) defende que a sua edição “O livro do desassossego” é a versão que o autor tinha em mente. Ela já declarou, em uma entrevista na imprensa portuguesa, que Pessoa “anda por aí todo deturpado” e que sua missão era salvá-lo “do vandalismo da edição crítica”.

Ao contrário de Lopes, outros especialistas acreditam que o próprio Pessoa não tinha uma ideia muito consistente de como organizar o livro.

— As dificuldades de editar “O livro do desassossego” são muitas — diz Richard Zenith, que organizou uma edição da obra para Companhia em 2011 e também é autor de uma recém-lançada biografia de Pessoa. — Não sabemos quais fragmentos Pessoa teria incluído. Se Pessoa tivesse, à força, terminado o livro, teria cortado muitos trechos. Seria um livro menor, mais redondo, mais polido, com menos gana e menos interessante.

Página manuscrita de "O livro do desassossego" — Foto: Divulgação
Página manuscrita de "O livro do desassossego" — Foto: Divulgação

A versão de Pizarro que sai pela Todavia tem novidades significativas. Enquanto muitas edições estruturam a obra por temas, a do colombiano define uma ordem cronológica. Com Fernando Pessoa estabelecido como autor (mas sem apagar os nomes de Guedes e Soares), o livro é dividido em dois corpus: um mais simbolista, que vai de 1913 a 1918; e outra, de 1928 a 1934, que traz uma relação mais concreta com a cidade de Lisboa.

— Defendo a cronologia não como solução absoluta, mas apenas como uma que permite evitar um subjetivismo infinito, o de cada editor cada tantos anos, e como uma que contribui para estudar a construção da obra e a relação temporal dela com outras produções pessoanas — explica Pizarro.

Lançamentos

‘Poesia completa de Alberto Caeiro’ . Autor: Fernando Pessoa. Editora: Companhia das Letras. Org: Richard Zenith e Fernanda Cabral Martins. Pág: 282. Preço: R$ 59,90.

‘Livro do desassossego’. Autor: Fernando Pessoa. Editora: Todavia. Organização: Jeronimo Pizarro. Páginas: 528. Preço: R$ 79,90.

‘Mensagem’ . Autor: Fernando Pessoa. Editora: Todavia. Organização: Jeronimo Pizarro. Páginas: 128. Preço: R$ 54,90.

‘Poesia completa de Ricardo Reis’ . Autor: Fernando Pessoa. Editora: Cia das Letras. Organização: Manuela Parreira da Silva. Páginas: 256. Preço: R$ 59,90.

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