Sol acorda 5h20 da manhã, prepara dezenas de quentinhas e vai do bairro de Piedade, Zona Norte do Rio, ao Centro para vendê-las. Chama atenção da freguesia com paródias de músicas famosas (“Eu só quero é ser feliz, esse frango com quiabo é o melhor que eu já fiz”). Mas, quando volta para casa, solta a voz no coral da igreja evangélica. Ela não pode vacilar: é mãe de duas filhas (uma delas já na faculdade de Direito), e o marido perdeu o emprego na pandemia e hoje faz bicos como entregador de aplicativos.
- 'BBB' 23: conheça as regras e as novidades do reality
- Sidney Magal fala sobre melhor forma de se definir: 'Sou um cantor brasileiro, latino, que solta a franga'
Essa mulher, interpretada por Sheron Menezzes, é a síntese de milhões de outras brasileiras e protagoniza “Vai na fé”, novela de Rosane Svartman que estreia hoje na faixa das 19h da TV Globo. Depois de uma elogiada “Bom sucesso”, em 2019, com Grazi Massafera no papel de uma mãe solo, Rosane continua inspirada pelo desejo de transformar números em histórias:
— Sempre desperta a minha curiosidade olhar para uma estatística: quem são as pessoas por trás dos números? — diz a autora. — Na época de “Bom sucesso”, havia uma pesquisa do IBGE sobre o aumento do número de mulheres chefes de família, com dupla jornada. Agora, a gente vai lendo que 99% dos brasileiros dizem ter fé e 90%, uma religião. Minha curiosidade especificamente é entender quem são as pessoas e, com isso, trazer os pequenos recortes da vida.
‘Igual à minha tia’
Há 25 anos no ofício de atriz, Sheron Menezzes, de 39, vive sua primeira protagonista de novela com Sol e acredita no poder de identificação da personagem.
— Sol é cativante, alto-astral, mas o que mais me chama atenção é ser extremamente real. As pessoas vão assistir e dizer: “Eu a conheço, é igual à minha tia, à minha vizinha”. Igual à maioria das mulheres brasileiras que levantam e vão tocar o dia, cuidar da casa, ajudar a mãe e no sustento — diz a atriz, que dos 25 anos de carreira passou 21 deles na TV Globo.
Rosane destaca que “Vai na fé” tem também alguns outros temas que frequentam a casa de milhões de pessoas. Um deles é a convivência multigeracional sob o mesmo teto, representada pela avó Marlene (Elisa Lucinda), a própria Sol e o marido Carlão (Che Moais) e as filhas deles, Duda (Manu Estevão) e Jenifer (Bella Campos). Essa última vai conduzir um dos assuntos importantes da novela: é a primeira da família a entrar para o ensino superior, com uma bolsa de estudos, e sofrer o choque de ser uma menina de classe média baixa numa faculdade de ricos.
— A Jenifer vai estudar numa instituição privada, uma das maiores de Direito do Brasil. Nesse espaço, poderemos conversar sobre privilégio, meritocracia e até justiça — diz Rosane, que tem uma sala de roteiro diversa composta por mais cinco pessoas. — A novela sempre tem um pouco de escapismo, de fantasia, mas também nos ajuda a refletir sobre a realidade.
Longe da ralação do núcleo principal está a vida boa de Lui Lorenzo (o ator José Loreto), uma espécie de Sidney Magal da era TikTok. Cantor pop de sucesso, Lorenzo, inclusive, foi a atração musical da festa promovida pela TV Globo para os atores e a imprensa.
O artista se conecta com Sol quando ela é convidada para trabalhar como dançarina na equipe dele. Isso a leva de volta para o sonho de adolescente, quando era rainha dos bailes funk, para desespero de sua mãe.
— O personagem é meio sexy, meio engraçado, e o Loreto trouxe isso da preparação que ele fez para o filme sobre o Magal (o ator acabou ficando de fora da produção)— diz Rosane.
Quem acompanhou as outras duas novelas da autora e espera as famosas dicas culturais no meio do folhetim não vai ficar na mão. Se, em “Totalmente demais”, havia referências a filmes e em “Bom sucesso” a livros, agora é a vez do teatro e da televisão.
— A personagem da Renata Sorrah, a Wilma, já foi atriz e tem uma visão muito nostálgica da carreira. Então, ela está sempre citando trechos de peças e novelas.