BRASÍLIA - Em uma quinta-feira à noite, 21 de novembro de 2019, o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, e um grupo de assessores embarcaram num voo comercial de Brasília para Petrolina (PE), onde se hospedaram num hotel em frente ao Rio São Francisco.
No dia seguinte, a comitiva participou de uma audiência com o prefeito Miguel Coelho, filho do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e almoçou num restaurante especializado em bode assado.
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Depois disso, seguiu num comboio com cerca de dez carros, sendo um veículo blindado transportando Guimarães, para a inauguração de uma superintendência regional do banco estatal. Além de Bezerra e o prefeito, estava presente no evento o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), outro filho do senador.
Após a cerimônia, houve uma confraternização num restaurante na orla, com música ao vivo.
— É a quarta vez que venho a Petrolina, e a Caixa será cada vez mais forte aqui — prometeu Guimarães num discurso inflamado.
Essa expedição foi uma das 97 viagens realizadas por Pedro Guimarães quase toda semana nos últimos 28 meses. Nesse período, ele visitou 147 municípios e percorreu 220 mil quilômetros nas 27 unidades da federação.
Essas caravanas fazem parte do projeto Caixa Mais Brasil, cujo objetivo é aproximar a direção do banco de dirigentes, empresários e outros agentes locais.
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A meta é alcançar 166 visitas até o fim de 2022 — e faz brilhar não só os olhos de muitos políticos como também os de Jair Bolsonaro.
Um dos aliados mais próximos do presidente e figura frequente nas lives semanais no Palácio da Alvorada — já participou de 22 —, Guimarães conheceu Bolsonaro em março de 2017.
Confiança cultivada
Naquele ano, o então presidenciável faria uma viagem internacional para conversar com investidores. Guimarães, que era sócio do Banco Brasil Plural, foi apresentado a Bolsonaro por um conhecido em comum do mercado financeiro.
O economista ajudou na interlocução com os representantes do mercado na viagem e até na tradução.
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Durante a transição de governo, em 2018, o economista foi indicado para assumir a Caixa pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes.
No início, Bolsonaro torceu o nariz pelo fato de Guimarães ser genro de Leo Pinheiro, ex-executivo da OAS que foi preso na Operação Lava-Jato, mas chegou à conclusão de que o currículo do banqueiro justificava a aposta.
E deu certo. A relação entre os dois se estreitou de tal forma que passaram a ter contatos frequentes. Bolsonaro ficou encantado com a iniciativa do executivo de botar o pé na estrada e ter contato presencial com os clientes da Caixa — que, em alguns casos, falam com o presidente da República por meio de videochamadas feitas do celular de Guimarães.
As expedições pelo país afora também agradaram a diversos parlamentares. A programação das viagens costuma incluir apresentações típicas e manifestações folclóricas. A empreitada contempla redutos eleitorais de parlamentares aliados.
Aliados nos eventos
Prefeitos e governadores alinhados ao governo são convidados para os eventos. Um dos critérios para a escolha dos municípios visitados é a existência de alguma obra de programas do governo como o Casa Verde e Amarela, além de projetos sociais patrocinados pela Caixa, embora em muitos casos o banco seja apenas o agente financiador.
Além disso, é comum a inauguração de agências para atender à base do presidente Bolsonaro no Congresso.
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Em uma das viagens, ele atendeu a um pedido para inaugurar uma superintendência em Campina Grande (PB), base eleitoral do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), líder da maioria, e da irmã dele, a senadora Daniella Ribeiro (PP-PB).
A parlamentar contou que foi ela mesma que pediu a Guimarães para abrir uma superintendência no município, um pleito dos moradores há mais de 12 anos:
— Acho ele muito humano, fala com todo mundo, com o zelador, com a menina de serviços gerais, vai lá, dá um abraço. Até brinquei com ele: você está fazendo política, quer tomar o meu lugar?
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Um dos integrantes da comitiva a Petrolina, o senador Fernando Bezerra preferiu não dar entrevista e se manifestou por nota: “Atencioso e comprometido, Pedro Guimarães realiza gestão arrojada, ao empregar a estratégia social da Caixa Econômica como motor do desenvolvimento das regiões mais carentes do Brasil”.
Outro aliado do governo, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), tem a mesma avaliação. Ele acompanhou uma inauguração de superintendência ao lado da diretoria do banco no fim de 2019, em Imperatriz (MA).
— Acho que Pedro Guimarães está revelando uma gestão muito eficaz. Ele tem uma atuação política importante à medida em que se aproxima das pessoas nas viagens — afirmou Rocha.
Despesas com viagens
As despesas com as viagens não aparecem em nenhum dos balanços divulgados pela Caixa. Em entrevista ao GLOBO, o presidente do banco afirmou que o custo de cada expedição varia entre R$ 40 mil e R$ 50 mil.
Caso os cálculos do executivo estejam corretos, o programa custou, até agora, ao menos R$ 3,8 milhões.
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Estimativas de empresas que prestam serviço para o banco afirmam reservadamente, no entanto, que essa despesa pode ser até o dobro. Na avaliação de Guimarães, o gasto é justificado, se comparada a outras ações do banco:
— Isso deve ser 0,1% do que se gastava para fazer patrocínio de um clube de futebol.
Ele ressalta que a Caixa é o “banco da matemática” e que as decisões só são tomadas se houver vantagem financeira para a instituição.
Da lama ao forró
Mas algumas das viagens custeadas pela Caixa serviram não só como palanque para aliados de Bolsonaro, mas também para uma projeção do próprio Guimarães.
Nessas andanças pelo Brasil, o executivo foi fotografado e filmado abraçado a populares, rodeado de crianças, plantando árvores, enlameando-se no mangue e dançando quadrilha junina.
As imagens e as gravações são compartilhadas nas redes sociais da Caixa e para uma lista de contatos.
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Logo quando Guimarães abriu uma conta no Instagram — na última terça-feira — somou mais de 40 mil seguidores em 24 horas. Na primeira postagem, definiu assim o que pretende fazer no espaço: “mostrar um pouco de quem eu sou: o brasileiro Pedro Guimarães que acredita e trabalha por este país”.
Alguns integrantes da equipe econômica desconfiam da pretensão política do banqueiro. Acham que ele sonha em se candidatar ou assumir um ministério como o Desenvolvimento Regional num eventual segundo mandato de Bolsonaro.
Quando é questionado sobre a intenção de se tornar político, o executivo nega, dizendo:
— Não. Sou 100% técnico.