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Por Steven Erlanger, The New York Times — Bruxelas

Em agosto, em Praga, o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, disse sem rodeios: "O centro da Europa está se movendo para o Leste." A invasão da Ucrânia pela Rússia foi um choque para a complacente ordem europeia, tanto para a União Europeia (UE) quanto para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). E destacou e aumentou a influência dos países da Europa Central e Oriental.

A Polônia e os países bálticos impulsionaram o argumento moral para apoiar a Ucrânia, preenchendo um quase vácuo no início da guerra, quando os líderes tradicionais da Europa, França e Alemanha, pareciam paralisados. Mas a guerra também trouxe uma nova urgência e energia para o alargamento da UE aos Bálcãs Ocidentais e mais além, com ofertas de candidatura para a Ucrânia e a Moldávia.

A pressão vocal da Europa Oriental e Central foi crucial para as decisões desta semana, após meses de disputas e resistência, de dar tanques ocidentais à Ucrânia. Na quarta-feira, Scholz anunciou que seu país forneceria alguns de seus tanques Leopard 2 e permitiria que outros países enviassem os deles, e o presidente Joe Biden disse que enviaria tanques Abrams, o que deu a Scholz a cobertura política que ele desejava.

A guerra também está acelerando o que Scholz deu a entender: que o equilíbrio de poder na Europa também está mudando, juntamente com seu centro, para longe da "Velha Europa", que valorizava e cultivava seus laços com Moscou, para os membros mais novos do Leste e Norte, com suas memórias cruas da ocupação soviética e sua relutância em ceder pedaços de sua restabelecida soberania a Bruxelas.

— Scholz está certo — disse Timothy Garton Ash, um historiador de Europa do St. Antony's College, em Oxford. — As vozes dos europeus centrais e orientais estão sendo mais ouvidas e levadas mais a sério nos conselhos da Europa, e há uma grande agenda de ampliação do Leste sobre a mesa.

Com uma grande guerra dentro de suas fronteiras, a Europa está mais voltada para o poder agora do que antes, disse ele.

— Portanto, ter uma Europa Central e Oriental que leva a segurança a sério tem um impacto.

A Polônia tem um Exército em rápida expansão — o governo disse no ano passado que planejava dobrar o tamanho das Forças Armadas do país — e encomendou uma grande quantidade de novas armas sofisticadas, tornando-se um jogador mais importante tanto na UE quanto na Otan. O país foi o principal lobista para tentar persuadir a relutante Berlim a enviar tanques alemães para a Ucrânia e autorizar outros países a fazê-lo.

— O poder mudou-se para o Leste e a Ucrânia consolidará essa tendência — disse Jana Puglierin, diretora de Berlim do Conselho Europeu de Relações Exteriores.

Pode-se extrapolar demais da guerra na Ucrânia, disse ela, "mas você vê o padrão claro na liderança moral".

Os países da Europa Central e Oriental, disse Puglierin, veem-se como "os combatentes da liberdade na UE e defendendo seus valores, enfrentando a ditadura". Eles se sentem justificados em suas advertências de longa data sobre o neoimperialismo da Rússia, seu presidente, Vladimir Putin, e a dependência da Europa da energia russa — em contraste com o que veem como ingenuidade da Europa Ocidental sobre diplomacia e comércio com a Rússia.

Agindo cedo para fornecer apoio militar à Ucrânia e receber refugiados, esses países ajudaram a moldar a narrativa para a Europa, enquanto "em Berlim e Paris também havia um vácuo, negociando com Putin até o fim e surpresos com a invasão", disse Puglierin.

— Os países do Leste se moveram rapidamente e tiveram muito mais credibilidade, e nós ficamos sem palavras e congelados.

A Alemanha e a França também tiveram de enfrentar o fracasso de sua política tradicional de segurança europeia com a Rússia, não contra ela. O presidente Emmanuel Macron, da França, persiste na esperança de fazer parte de futuras negociações de paz entre a Rússia e a Ucrânia, chegando a falar em dar garantias de segurança à Rússia, o que enfureceu muitos na Europa, não apenas no Leste.

A guerra também fez com que a aspiração de Macron por uma defesa europeia "autônoma" parecesse vazia, dado o papel acentuadamente reforçado da Otan e dos Estados Unidos no ano passado.

— Os países do Leste não são grandes fãs da defesa da UE. Eles querem os Estados Unidos e a Otan — disse Puglierin.

A Alemanha também quer fortalecer o relacionamento transatlântico e depende de Washington, mesmo quando tenta reconstruir seu próprio Exército insignificante.

— Portanto, a França perderá alguns aliados e ficará em menor número — disse ela.

Enfraquecida dentro da Europa, pelo menos por enquanto, a França também será menos influente em uma Otan mais ativa e agressiva. A aliança depende mais das armas e da liderança americana do que antes da guerra, não menos, e espera-se que se expanda em breve com a adesão da Suécia e da Finlândia.

O novo governo da Alemanha, liderado por Scholz, não estava preparado para a guerra, muito menos para um súbito corte de energia e comércio russos. Com a crescente preocupação com a dependência semelhante da China, a Alemanha enfrenta a necessidade de reformular sua economia voltada para a exportação, construída com gás russo barato e comércio irrestrito com a China.

Em longo prazo, "a perspectiva de uma Europa maior e mais oriental será uma fonte de grande força para a economia alemã", disse Garton Ash, com a Ucrânia representando um vasto potencial de desenvolvimento.

Ainda assim, a França e a Alemanha estão em desvantagem na Europa no futuro próximo, pelo menos.

Luuk van Middelaar, historiador da UE, observa que, desde o início da guerra, tanto a Polônia quanto a Hungria foram tratadas com mais gentileza por Bruxelas na luta contínua com eles pelo Estado de direito.

— Política e moralmente, a Polônia está fora de perigo por causa do papel que desempenha como um Estado de linha de frente, entregando armas e aceitando refugiados — disse ele.

O poder do "casal" franco-alemão está diminuindo há algum tempo. Van Middelaar fez uma comparação entre a guerra na Ucrânia e outro choque tectônico na Europa, a queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha.

François Mitterrand e Helmut Kohl, os líderes francês e alemão naquela época, tiveram conflitos ferozes sobre a reunificação, mas trabalharam juntos por anos. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, Scholz, que estava no cargo há menos de três meses, e Macron mal se conheciam.

— Não havia relação de trabalho ou intimidade profissional que são necessárias nesses momentos — disse van Middelaar, pontuando que então tem havido "muita suspeita interna" e "desconforto subjacente sobre como lidar com esse novo continente onde a Rússia é um inimigo e a Alemanha precisa repensar seu modelo econômico e político".

Isso criou um vazio na liderança que os países da Europa Central e Oriental tentaram agressivamente preencher.

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