O comando do Exército de Israel classificou como um "erro grave", nesta quarta-feira, o bombardeio contra um comboio de trabalhadores humanitários que deixou sete mortos na Faixa de Gaza. Autoridades voltaram a prometer uma investigação sobre o caso, um dia após o primeiro-ministro e o presidente do país assumirem a responsabilidade pelo ataque e se desculparem publicamente, em meio a pressão internacional.
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O chefe das Forças Armadas de Israel, o general Herzi Halevi, reconheceu, nesta quarta-feira, que o bombardeio do comboio foi “um erro grave”, na mais recente admissão de culpa pelo incidente. Halevi citou um erro de identificação e condições complexas no terreno.
— Foi um erro que ocorreu após um erro de identificação durante a noite, durante uma guerra, em condições muito complexas. Isto não deveria ter acontecido — acrescentou Halevi.
A organização World Central Kitchen (WCK), do chef hispano-americano José Andrés, para a qual trabalhavam as vítimas do atentado, anunciou a suspensão de suas atividades no território palestino, apesar dos pedidos de desculpas e manifestações de autoridades israelenses.
— Infelizmente, ontem, ocorreu um incidente trágico, as nossas forças atingiram involuntariamente pessoas inocentes na Faixa de Gaza — declarou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, na terça-feira. — São coisas que acontecem numa guerra (…), estamos em contato com os governos e faremos todo o possível para evitar que volte a acontecer.
O presidente de Israel, Isaac Herzog, conversou com José Andrés e “expressou sua profunda tristeza e sinceras desculpas pela trágica morte da equipe WCK”, afirmou a Presidência israelense, em comunicado.
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A WCK revelou a identidade dos sete trabalhadores, que estão sendo tratados como heróis. São eles o palestino Saifeddine Issam Ayad Abutaha, de 25 anos; O australiano Lalzawmi (Zomi) Frankcom, 43; o polonês Damian Sobol, 35; o americano-canadense Jacob Flickinger, 33; e os britânicos John Chapman, 57, James (Jim) Henderson, 33, e James Kirby, 47.
'Completamente inaceitável'
O mea culpa do general Halevi marca uma mudança de tom por parte dos militares de Israel, que durante toda a guerra rejeitaram em grande parte as críticas às suas ações, argumentando que estavam fazendo o necessário para derrotar o Hamas. Aconteceu no momento em que muitos dos aliados mais próximos de Israel expressaram indignação e exigiram explicações para o ataque.
O presidente dos EUA, Joe Biden, disse estar “indignado e com o coração partido” pelas mortes dos trabalhadores humanitários. Em um comunicado, ele escreveu que "Incidentes como o de ontem simplesmente não deveriam acontecer". A Casa Branca disse estar “indignada” e indicou que enviaria “uma mensagem clara a Israel de que os trabalhadores humanitários devem ser protegidos”. O secretário de Estado, Antony Blinken, disse que os EUA exigiram uma investigação “rápida e imparcial” sobre o ocorrido.
O governo britânico convocou o embaixador israelense para expressar a sua “condenação inequívoca” ao sucedido. Na Polônia, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Andrzej Szejna, disse que Israel deveria “compensar” as famílias das vítimas.
David Cameron, o secretário dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, classificou as mortes dos trabalhadores como “completamente inaceitáveis”, afirmando em um comunicado que “Israel deve explicar urgentemente como isto aconteceu e fazer grandes mudanças para garantir a segurança dos trabalhadores humanitários”.
Diante das críticas, Halevi prometeu que um órgão independente investigaria os assassinatos e que os militares aprenderiam com as conclusões e compartilhariam as descobertas com a World Central Kitchen.
— Israel está em guerra com o Hamas, não com o povo de Gaza — disse Halevi. — Lamentamos o dano não intencional aos membros do WCK. Compartilhamos a dor das famílias, bem como de toda a organização World Central Kitchen, do fundo de nossos corações.
Conflito regional
O conflito também alimenta tensões regionais. O Irã alertou Israel e Estados Unidos, na terça-feira, que responderá ao ataque que matou 11 pessoas no dia anterior, incluindo sete membros de sua Guarda Revolucionária na Síria.
Na Faixa de Gaza, Israel anunciou, na segunda-feira, a retirada de suas tropas do hospital al-Shifa, após uma operação de duas semanas em que afirma ter matado cerca de 200 homens do Hamas e da Jihad Islâmica.
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Um porta-voz da agência de defesa civil de Gaza relatou 300 mortes na operação israelense.
— Os tanques passaram por cima dos corpos — disse uma testemunha que preferiu não se identificar.
Em paralelo, negociações mediadas pelo Catar, Egito e Estados Unidos para um cessar-fogo não tiveram sucesso, com os dois lados acusando-se mutuamente do impasse. Um alto funcionário do Hamas lançou dúvidas sobre a possibilidade de progresso devido às grandes diferenças entre os dois lados.
O objetivo de um cessar-fogo é permitir a libertação de reféns israelenses e mais ajuda humanitária para Gaza. Procura também evitar um ataque terrestre israelense à cidade de Rafah, no extremo sul de Gaza, onde estão aglomeradas 1,5 milhão de pessoas, a grande maioria deslocadas pela guerra.
O conflito causou danos estimados em cerca de US$ 18,5 bilhões (cerca de R$ 93,7 bilhões).
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