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Por Vera Araújo — Rio de Janeiro

Uma casa de muro alto destoa das demais em uma rua de terra batida e esburacada. Com concertina eletrificada em toda a sua extensão e câmeras no portão, vive o ex-PM Leandro Marques da Costa, de 55 anos. Bebezão ou Miúdo, como é conhecido, já foi réu da chacina de Vigário Geral. No dia 29 do próximo mês, os homicídios de 21 moradores da comunidade completará 30 anos. Leandro, que foi expulso da PM, passou mais de 20 anos foragido. Como o crime prescreveu, ele não foi julgado, não cumpriu pena.

Sua prisão foi decretada em 22 de setembro de 1993, portanto, quase um mês depois da chacina. Na primeira audiência na Justiça, em meados do ano seguinte, o ex-PM foi parar no Hospital Central da Polícia Militar (HCPM), no Estácio, na Zona Central da cidade, a pretexto de ter passado mal. Aproveitando-se de um descuido da vigilância, em 02 de setembro de 1994, ele fugiu.

Corpulento, pesando aproximadamente 150 quilos e medindo quase 2 metros de altura, Leandro conseguiu se esconder por duas décadas. Ele só reapareceu em 2017, quando o juiz Jorge Luiz Le Cocq D’Oliveira reconheceu em sentença a extinção da punibilidade do então réu, dois anos antes. A contagem do prazo de prescrição iniciou-se em 25 de maio de 1995, quando foi pronunciado, ou seja, a Justiça decidiu que ele iria a júri popular.

Como o crime ocorreu em 1993, e ele não foi localizado, a lei em vigor à época previa que seria dada continuidade ao processo, mesmo sem a presença dele. No jargão jurídico, à revelia do réu.

O magistrado registrou em sua sentença: “Assim, livra-se o réu requerente de ser julgado por fatos que causaram tanta vergonha ao Brasil e indignação em todo o mundo”.

Durante o período em que esteve foragido, esgotaram-se as tentativas de localizá-lo, como descrito no processo. No entanto, ao ser procurado pelo GLOBO há uma semana, Leandro disse, em áudio repassado por seu advogado Leandro Ferreira, que ele não saiu do Rio: “Eu fiquei trabalhando, não me evadi da minha cidade, nem do meu local”.

Logo após se apresentar à Justiça, em 2017, Leandro iniciou o pré-operatório pelo SUS, no Hospital Federal do Andaraí, para a realização de uma cirurgia bariátrica. Seu advogado informou nos autos que ele era taxista. Mas daí veio uma surpresa. Ainda havia uma ação penal contra ele, por outros cinco homicídios e um roubo majorado, em Parada de Lucas. Os desembargadores da 6ª Câmara Criminal entenderam que os crimes não haviam prescrito. No entanto, eles julgaram que as provas contra ele eram frágeis e entenderam que ele não iria a júri.

Em resposta ao GLOBO, Leandro disse que não se pronunciaria sobre o processo: “Até porque, não participei de nada, assim entendeu a Justiça. Tanto é que, antes da prescrição, eu pedi para me apresentar e responder à ação penal. E a Justiça, sabendo que eu não tinha participação, me negou o direito de responder ao processo. Entendeu (a Justiça) que eu sou inocente.”

Enquanto esteve foragido, havia notícias de que Leandro integrava a milícia de Rio das Pedras, em Jacarepaguá, na Zona Oeste. Outra informação que circulou ao longo desses 20 anos dava conta de que ele integrava a guerra entre milicianos e traficantes na Praça Seca, também em Jacarepaguá. Até escondido em áreas rurais nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo foi dito, mas nunca tais fatos foram comprovados. Pela primeira vez que prestou esclarecimentos à imprensa, ele negou veementemente tais informações a seu respeito.

Bebezão, Miúdo ou Xuxa. Leandro já tinha o apelido, segundo as investigações dos 21 homicídios de Vigário, mas uma testemunha chegou a dizer que ele usava uma eruca loira e uma balaclava para dificultar sua identificação. Segundo o desembargador José Muiños Piñeiro, que foi promotor do caso, o fato de ele ter perdido os dois apetrechos foi o estopim para a matança de oito pessoas da mesma família de evangélicos.

Os números das chacinas de Vigário Geral e Candelária no Rio — Foto: Editoria de arte
Os números das chacinas de Vigário Geral e Candelária no Rio — Foto: Editoria de arte

Leandro jura inocência: “Continuo cuidando da minha saúde. Ser julgado, todos nós seremos, todos nós um dia seremos julgados perante a Deus”.

Para Piñeiro, o prazo de prescrição para um crime como homicídio baixo:

— Sempre achei 20 anos para a prescrição de um crime de homicídio muito baixo. Isso é o que o legislador define como impunidade legal. Um crime contra a vida teria que ser imprescritível. Como você irá explicar para uma família que perdeu um ente querido que uma pessoa não foi punida porque o crime prescreveu porque o acusado fugiu esse tempo todo?

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