Rio
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Por e — Rio de Janeiro

No segundo andar de uma ocupação no centro do Rio, Raiane da Silva, de 22 anos, vive com sua mãe e os dois filhos — um menino de 2 anos e uma menina de quatro meses. No local, tecidos são usados como divisórias, a iluminação é precária e não há janelas. Mãe solo e desempregada, assim como a mãe, ela está inscrita no Bolsa Família. Com os R$ 600 que recebe, e algumas doações, ela tenta fazer o mês caber no orçamento. Uma tarefa cada mais difícil.

Raiane Santos da Silva, de 22 anos — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Raiane Santos da Silva, de 22 anos — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

— Isso não sustenta um mês inteiro. Nos cinco primeiros dias eu ainda consigo comprar ovo e linguiça, mas depois de 15 dias a vida fica muito difícil. Tem dias que não temos o que fazer — conta a jovem. — Não tenho formação, estudei até a 6ª série (atual 7º ano). Então, é difícil conseguir um emprego estável e com uma remuneração que seja boa. Consigo uma coisa ali e outra aqui, mas nada que passe segurança. Eu não queria estar aqui. Isso não é lugar para educar uma criança saudável, ainda mais duas, como eu tenho.

Ocorrência maior na Zona Norte

Raiane é apenas uma das cerca de 500 mil pessoas que convivem diariamente com a fome no Rio. Mulheres negras, com baixa escolaridade e no trabalho informal, como ela, são as principais vítimas. As ocorrências são mais frequentes entre as que vivem em áreas vulneráveis da Zona Norte, como os bairros da Penha, Madureira, Complexos do Alemão, da Maré e o Jacarezinho. Ao todo, são mais de dois milhões vivendo com algum nível de insegurança alimentar na cidade, seja esse leve, moderado ou grave.

Distribuição da insegurança alimentar — Foto: Editoria de Arte
Distribuição da insegurança alimentar — Foto: Editoria de Arte

Estes dados fazem parte do 1º Inquérito de Insegurança Alimentar do Município do Rio de Janeiro, elaborado pela Frente Parlamentar contra a Fome e a Miséria, da Câmara Municipal, em parceria com o Instituto de Nutrição Josué de Castro, da UFRJ. O objetivo do estudo, divulgado com exclusividade pelo GLOBO, é mostrar quem são as pessoas em insegurança alimentar no Rio, além de apontar o que pode ser feito, em caráter emergencial, para protegê-las.

O estudo foi idealizado em 2021, no contexto da pandemia de Covid-19, mas devido a questões burocráticas, levou cerca de dois anos para ser iniciado. A metodologia aplicada usou a divisão da cidade nas Áreas de Planejamento, que vão de 1 a 5; duas mil pessoas, de diferentes bairros e que responderam pela família, foram entrevistadas entre novembro de 2023 e fevereiro deste ano. Dados do último censo do IBGE e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) foram usados para comparação.

Para identificar a fome no Rio, a pesquisa usou como referência a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), que utiliza quatro critérios para definir a situação de vulnerabilidade das famílias: segurança alimentar; insegurança alimentar leve, moderada ou grave. Entre as inseguranças, a primeira é descrita como uma piora na qualidade dos alimentos consumidos; a segunda se refere a uma redução na quantidade ingerida por adultos; enquanto a terceira (a grave) representa uma redução geral no consumo entre todos os integrantes da família, incluindo crianças — é a fome propriamente dita. Neste último caso, entram as pessoas que vivem com apenas uma refeição ao dia ou passam um dia inteiro sem comer.

Apesar da maior parte da população carioca estar em segurança alimentar (67,1%), quase 500 mil vivem em insegurança grave (7,9%). Esse percentual é mais alto que os dados nacionais (4,1%), e mais que o dobro do índice estadual (3,1%), contabilizados pelo IBGE. Além disso, é praticamente quatro vezes maior que o índice de seis anos atrás, que era de 2%.

— A pesquisa mostrou que o problema da fome no município abrange questões estruturais. Em maioria, as pessoas mais afetadas por ela são as sem estudo, como as analfabetas e as que concluíram apenas a educação básica, e que, consequentemente, não conseguem trabalho e não têm renda — diz o vereador Dr. Marcos Paulo (PT), presidente da Frente Parlamentar contra a Fome e a Miséria.A Área de Planejamento 3, composta por bairros da Zona Norte, com exceção da Tijuca, é a com maior índice de pessoas em insegurança alimentar: 490 mil vivem na leve, 259 mil, na moderada, e 210 mil, na grave.

Moradora da Vila Cruzeiro, na Zona Norte, Tânia Maia da Silva, de 58 anos, não passa fome, mas faz parte dos mais de 500 mil (8,1%) que vivem em insegurança alimentar moderada. Além de não escolher o que vai comer, ela frequenta, ao menos uma vez na semana, o descarte do Ceasa, em Irajá, também na Zona Norte, lugar onde abastece a geladeira há 15 anos.

— Tudo o que eu e a minha família comemos é dali. Acordo cedo, pego meu carrinho de feira e vou de ônibus até o Ceasa. Volto para casa com sacolas de comida. Depois, é o trabalho de lavar tudo, colocar de molho no cloro e guardar o que estiver em bom estado para o preparo das refeições — diz ela, que tem três filhos (17, 20 e 23 anos) e cuida de cerca de 300 animais abandonados na comunidade.

Programas sociais

Para Rosana Salles, coordenadora do levantamento e representante do Instituto de Nutrição Josué de Castro/UFRJ, é fundamental que os gestores municipais analisem se os programas e as políticas sociais que existem são suficientes para a mudar o quadro da fome no Rio.

— É possível fazer mais? Essa é uma pergunta importante a ser feita. Na pesquisa, tivemos o cuidado de mapear os equipamentos e políticas voltados para o combate a fome, e percebemos que existe pouca adesão e distribuição na cidade. Os restaurantes populares, por exemplo, são três. Apenas um está na Zona Norte — afirma. — Precisamos entender como está a população, quem sente fome no Rio. O estudo é eficaz em mostrar que o público mais vulnerável é aquele formado por mulheres negras. E enquanto não houver políticas efetivas para atender as necessidades delas, a insegurança alimentar vai persistir.

Segundo a Prefeitura do Rio, a Secretaria municipal de Trabalho e Renda, a Secretaria municipal de Assistência Social e a Secretaria de Políticas e Promoção da Mulher atuam para combater a fome e as desigualdades na cidade. Esta última, por exemplo, “já capacitou mais de 200 mil mulheres desde 2021, nos cursos que preparam para o mercado de trabalho e empreendedorismo”. Além disso, “mais de 3,5 milhões de refeições já foram distribuídas gratuitamente nos territórios mais vulneráveis da cidade, por meio do programa Prato Feito Carioca, criado em 2022”.

Leia o posicionamento da Prefeitura do Rio na íntegra:

O combate à fome e à insegurança alimentar é uma prioridade para a Prefeitura do Rio e mais de 3,5 milhões de refeições já foram distribuídas gratuitamente nos territórios mais vulneráveis da cidade, por meio do programa Prato Feito Carioca, criado em 2022. Já são 20 unidades das Cozinhas Comunitárias Cariocas e outras 35 novas unidades estão sendo montadas até o fim do ano pela Secretaria Municipal de Trabalho e Renda (SMTE). Os três restaurantes populares fornecem em média de 3.900 almoços diários, a R$ 2 cada um, e cerca de 1.150 cafés da manhã, a R$ 0,50 cada um.

A Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) informa que atualmente cerca de 1.500 pessoas estão sendo assistidas e mais de 500 fazem parte do acolhimento noturno nos abrigos. Por dia, são servidas em torno de 12 mil refeições gratuitas. Nesta quinta, 29/05, a SMAS, em parceria com a Comlurb (Companhia de Limpeza Urbana) e a rede de supermercados Zona Sul, vai lançar o primeiro Banco de Alimento da cidade. Os supermercados Zona Sul doarão o excedente de alimentos (frutas, legumes e verduras) não comercializados em suas lojas, mas em ótimas condições nutricionais de consumo.

Sobre as ações para as mulheres em situação de vulnerabilidade, a Secretaria de Políticas e Promoção da Mulher já capacitou mais de 200 mil mulheres desde 2021, nos cursos que preparam para o mercado de trabalho e empreendedorismo. Além de cursos e oficinas para capacitação, essas unidades oferecem orientação jurídica, atendimento psicológico e serviço social. Há previsão de abertura de novas inscrições para cursos de capacitação até agosto deste ano.

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