O livro "D'après une histoire vraie" (2015) de Delphine Vigan trabalha em dois registos, um de agrado popular, outro dedicado aos críticos e estudiosoO livro "D'après une histoire vraie" (2015) de Delphine Vigan trabalha em dois registos, um de agrado popular, outro dedicado aos críticos e estudiosos da literatura. No primeiro, temos a história colada a "Misery" de Stephen King, em que uma leitora aborda a escritora, introduzindo-se na sua intimidade, para conseguir levar a escritora a escrever o que ela pretende. No segundo, temos a angústia literária da relação entre a ficção e realidade de onde emana a questão da pureza da verdade. Os diálogos entre a leitora e a escritora são muitíssimo bem escritos, capazes de desvelar a psicologia de ambas nos mais pequenos detalhes. O suspense e o mistério entretém-nos, enquanto a filosofia da literatura nos vai sendo servida, em pequenas doses, ao longo de todo o livro.
Se se sente uma ligeira repetição na discussão entre a ficção e a realidade/verdade, essa serve essencialmente para nos fazer perceber que o assunto tem não só multiplas camadas mas múltiplas ramificações. O problema não está apenas no lado do escritor, a sociedade pede a televisão realidade, pede os filmes e os crimes basesados em histórias reais, a sociedade parece cansada do mero artifício narrativo. Mas será esse parecer efetivo? Estamos mesmo cansados da ficção? Porquê esta necessidade do verdadeiro, do real? Uma espécie de sideração que o próprio marketing tem procurado oferecer colando selos de "autenticidade" nos produtos — "since 1895" — como se o tempo pudesse dar maiores garantias de produto "verdadeiro".
Confesso que senti todo o livro com maior impacto porque esta questão que me vinha assombrando há alguns anos surgiu, durante esta leitura, no meio de uma conversa no Goodreads com o Glenn, a propósito do livro "As Benevolentes" (2006) de Jonathan Littell em que eu dizia:
"Já pensei em ler este livro várias vezes, mas sempre que me preparo para o fazer, releio algumas coisas sobre o autor e pergunto-me: faz sentido que alguém sem qualquer ligação ao que aconteceu, bem como uma personagem completamente ficcionada, sejam apresentados num relato tão forte como o descrito? Até que ponto é verdadeiro? Isto é relevante porque estamos a falar de um acontecimento histórico, e se o que tem para oferecer não é história, é apenas horror, estou muito cético quanto ao que se pode retirar da sua leitura."
Daqui passei em revista outros livros com os quais senti problemas próximos, lembrando particularmente aqueles que foram publicados como livros de memórias tendo depois sido descobertos como fraudulentos como "A Million Little Pieces" de James Frey, que comprei mas não consegui ler, ou "Painted Bird" de Jerzy Kosinski que comecei a ler mas não consegui continuar. Por outro lado, penso "Papillon" de Henri Charrière que passou pelo mesmo, mas que eu desconhecia, e por isso sempre vi o filme como ficção, adorando-o enquanto tal, não lhe exigindo nada mais.
Haverá diferenças. Um livro apresentado como autobiografia, como memórias, que se revela não ser real, entra diretamente no território da fraude, e essa fraude pode por vezes ter implicações muito complicadas, nomeadamente nas vidas de todos aqueles ali visados.
Mas um livro apresentado como ficção, não deve nada a ninguém. Então porque deve a ficção ser baseada no real? E mesmo aqui temos nuances. Glenn dava o exemplo de "Guerra e Paz", o livro que Tolstoy escreveu sem nunca ter estado na guerra, mas baseado em factos relatados por outros. E no entanto, podemos ter ficção sem qualquer contacto com eventos reais, criados, emanados, da experiência de vida do autor a partir do que constrói a teia munida das suas preferências e gostos.
E no entanto, porque lia ao mesmo tempo "Misericórdia" (2022) de Lídia Jorge, perguntava-me a minha mulher, "mas o que é que ela sabe sobre a experiência de viver num lar?", enquanto eu replicava que quando se vai para um lar já não se detem controlo de todas as competências cognitivas necessárias à escrita de memórias. Li, sempre pensando no acesso privilegiado que Lídia Jorge teve via sua mãe, mas questionando o que teria sido inventado pela própria Lídia.
Uma reflexão muito superficial sobre questões existenciais, materialistas e capitalistas. Dá a entender, e talvez seja mesmo assim, que até à escrita Uma reflexão muito superficial sobre questões existenciais, materialistas e capitalistas. Dá a entender, e talvez seja mesmo assim, que até à escrita deste livro a autora nunca pensou nestes problemas, nas contradições que definem muito de todos aqueles que atingem elevada qualidade de vida, mantendo ideais comunitários que não põem em prática. Foi esta inconsciência, menos do que a contradição, que deu força ao rótulo da chamada "esquerda caviar" e que fica aqui completamente emplastrada no livro de Eula Biss....more
"Invention and Innovation: A Brief History of Hype and Failure" (2023) é o mais recente trabalho de Vaclav Smil (1943, Professor Emérito da Faculdade "Invention and Innovation: A Brief History of Hype and Failure" (2023) é o mais recente trabalho de Vaclav Smil (1943, Professor Emérito da Faculdade de Ambiente da Universidade de Manitoba, Canada), depois do brilhante “How the World Really Works: The Science Behind How We Got Here and Where We're Going" (2022). Neste novo livro, Smil trabalha um conjunto de tecnologias falhadas — Gasolina com Chumbo, DDT, Fusão Nuclear, Aviação Supersónica, Hyperloop, etc. — que permitem depois suportar toda uma argumentação no último capítulo a propósito do insuflamento das conquistas da invenção humana das últimas décadas. Quero, no entanto, frisar que por vezes o discurso de Smil se torna um pouco negro, parecendo quase apresentar-se contra a própria inovação, algo que sabemos não ser sua intenção, mas que acaba ficando latente. Smil procura com esta obra remar contra a corrente do endeusamento da inovação atual, oferecendo um lastro histórico e fundamentado da invenção humana e seus impactos, mas ao fazê-lo roça por vezes o quase descrédito dessa mesma invenção que tanto preza. Desde logo, um dos maiores problemas é que não pode existir inovação, menos ainda radical, sem muito falhanço, é uma condição obrigatória. Pelo que apontar promessas falhadas, não pode ser visto como algo completamente negativo, já que por cada falhanço é dado mais um passo no avanço no conhecimento. Ainda assim, temos de reconhecer que quando a repetição desse falhanço deixa de trazer novidade é necessário seguir em frente, e Smil aponta várias áreas onde isso não tem acontecido.
Assim, duas das conclusões que mais me impactaram foram o facto dos exageros à volta da inovação poderem estar ligados ao crescimento da Comunicação de Ciência dos últimos 20 anos, que na sua ânsia por apresentar resultados, ganhar créditos para os grupos de investigação, laboratórios e universidades, tem insuflado resultados, que depois acabam sendo exacerbados pelos média. A segunda é que a inovação das últimas décadas está longe de ser tão avassaladora como se apregoa, existindo a necessidade de reconhecer a história prévia das tecnologias, nomeadamente a do final do século XIX e início do século XX, que é por nós hoje completamente ignorada.
A ideia central é muito importante, mas o livro falha em toda a linha, pelo menos na sua comunicação para com quem não é da área. A ideia é resumida nA ideia central é muito importante, mas o livro falha em toda a linha, pelo menos na sua comunicação para com quem não é da área. A ideia é resumida nesta simples frase, expandida no primeiro capítulo, que é aquele que vale mesmo a pena ler:
"Biology is undergoing a quiet but profound transformation. Several aspects of the standard picture of how life works—the idea of the genome as a blueprint, of genes as instructions for building an organism, of proteins as precisely tailored molecular machines, of cells as entities with fixed identities, and more—have been exposed as incomplete, misleading, or wrong."
Contudo, discutir toda a nossa biologia sem fazer um esforço mínimo por explicar o que está a discutir é como chover no molhado. A questão não tem que ver com complexidade. A biologia não é mais complexa que a astrofísica, e no entanto todos nós percebemos o que Carl Sagan tem para dizer. O problema aqui é a total inabilidade do autor para construir pontes entre o conhecimento específico da biologia e o da realidade concreta.
Se realmente havia aqui interesse em comunicar esta ideia para um público mais vasto, e considero que devia haver, tendo em conta as enormes implicações do que está aqui a ser descrito, o autor falha em toda a linha. Demonstra uma incapacidade atroz na construção de metáforas que pudessem traduzir o que se passa no domínio da biologia.
O primeiro capítulo é aquele que compensa a leitura, porque através de vários casos simples Ball deita por terra a ideia de que tudo vem inscrito nos genes. Não admira que ao longo da última década tenhamos visto o declínio do enfoque nos mesmos. Contudo, as ideias centrais acabaram passando para os média e contaminaram o imaginário das pessoas. A sociedade acredita piamente nos genes como base daquilo que somos, indo ao ponto de acreditar que somos marcados e inalteráveis por causa dos mesmos. É preciso desconstruir estes mitos, mas tal não vai acontecer com livros como este. Uma oportunidade perdida....more
Existem vários livros sobre a história das tecnologias de informação e comunicação, mas existem muito poucos sobre a história da Interação Humano-CompExistem vários livros sobre a história das tecnologias de informação e comunicação, mas existem muito poucos sobre a história da Interação Humano-Computador, e menos ainda sobre a sua vertente de design. “User Friendly. How the Hidden Rules of Design Are Changing the Way We Live, Work and Play” (2019) junta-se assim a "Make It New: A History of Silicon Valley Design" (2015) de Barry Katz. Ao contrário de “Make It New”, escrito por um académico, “User Friendly” é escrito por dois designers, Cliff Kuang também jornalista, e Robert Fabricant, antigo vice-presidente da célebre Frog Design. Os dois livros complementam-se muito bem, não só por conjugar o olhar da academia e da indústria, mas porque não se limitam a seguir as mesmas linhas ou marcadores.
Li dois livros seguidos sobre a febre da IA Generativa — o primeiro “Creativity Code” (2019), escrito por Marcus du Sautoy como resposta ao impacto doLi dois livros seguidos sobre a febre da IA Generativa — o primeiro “Creativity Code” (2019), escrito por Marcus du Sautoy como resposta ao impacto do GPT-1, e “Brave New Words” (2024), escrito por Sal Khan, o guru que criou a Khan Academy, como resposta ao impacto do GPT-4 — e confesso ter ficado boquiaberto, não com os feitos do GPT, mas com o deslumbramento dos autores, principalmente no segundo caso, com o livro a funcionar como uma declaração de fé na IA Generativa, suportada diretamente pela Open AI e Bill Gates. Se acalentava dúvidas quanto ao efetivo impacto da IA Generativa fora do domínio criativo, o fervor apresentado por estes livros tornou bastante claro para mim que o rei vai nu.
"The Four Realms of Existence: A New Theory of Being Human" (2023) não passa de um amontoado de ideias do autor, misturadas com ideias de outros autor"The Four Realms of Existence: A New Theory of Being Human" (2023) não passa de um amontoado de ideias do autor, misturadas com ideias de outros autores, sobre as quais LeDoux foi refletindo enquanto estava preso em casa durante a pandemia COVID-19. Falta-lhe uma ideia, uma estrutura capaz de construir e entregar essa nova ideia, falta muita edição e reescrita.
LeDoux limita-se a juntar tudo num novo envelope a que dá o nome de Quatro Reinos da Existência divididos entre Biológico, Neurobiológico, Cognitivo e Consciente. Não se percebe o que são esses reinos, nem porquê estes quarto e não apenas 3, nomeadamente na relação entre o cognitivo e o consciente, mas não só. Mais à frente resolve pegar no modelo sistema dual da cognição, definido por Daniel Kahneman, para o repropor como sistema trial, acrescentando-lhe os reinos Neurobiológico e Consciente ao cognitivo, deixando de fora o biológico!
Mas tudo isto não me chocaria, dado todo o trabalho prévio de LeDoux, o enorme reconhecimento que granjeou ao longo de décadas de investigação. O que me chocou foi ver no meio de toda esta proposta a manutenção da ideia estapafúrdia de que os animais não possuem emoções.
Assumir que tudo aquilo que definimos como emoção nos animais é mera projeção antropomórfica é arredar todo o racional evolucionário da equação. Ou seja, os animais, nomeadamente mamíferos, não são de uma linhagem biológica estranha à nossa, não vieram de outro planeta. Por isso brincam, guerreiam, caminham, correm, bocejam, pensam e planeiam. Dizer que não sentem emoção porque não podem expressar, em palavras, o que sentem é refutar a base da formação da vida na Terra.
There's nothing new here. On the other hand, writing a whole book just about the theory of predictive models of perception is not very interesting, reThere's nothing new here. On the other hand, writing a whole book just about the theory of predictive models of perception is not very interesting, reminding me of another book doing a bit of the same "A Thousand Brains: A New Theory of Intelligence" (2021) by Jeff Hawkins
Sapolsky decided, after the brilliant "Behave" (2017), to join Sam Harris, another neuroscientist, in defending the non-existence of Free Will, but whSapolsky decided, after the brilliant "Behave" (2017), to join Sam Harris, another neuroscientist, in defending the non-existence of Free Will, but what he actually did was return to his origins as a convinced behaviourist and follow in the footsteps of BF Skinner. Read "Walden Two" (1948). None of this comes as a surprise because there were already hints of this conviction in "Behave", but here Sapolsky simply drops the mask. It's a shame that, unlike Harris, Sapolsky dares to write an entire book on the subject without having carried out any study of the two thousand years of philosophical discussion on the subject, but even more shocking is that he does so in 2023, ignoring more than 70 years of cognitive psychology. The book, which has been five years in the making, ends up being even worse because it is divided into a first part discussing the most up-to-date knowledge of neuroscience which, according to Sapolsky, supports the idea, but then opens up a whole second part of socio-political-philosophical discussion for which the author clearly lacks expertise.
I'd give it 4 stars for the discussion of the first part, even though I don't agree, for everything it made me think, but then the second part is very bad, and shouldn't have been published in the same book, which ends up with 2 stars.
O livro “A Theory of Everyone: Who We Are, How We Got Here, and Where We’re Going” (2023) de Michael Muthukrishna é um sucessor de um conjunto de livrO livro “A Theory of Everyone: Who We Are, How We Got Here, and Where We’re Going” (2023) de Michael Muthukrishna é um sucessor de um conjunto de livros que usam a ciência para construir e apresentar uma visão global do ser humano neste planeta — tais como “Sapiens” (2011) de Y. N. Harari, “Guns, Germs and Steel” (1997) de Jared Diamond, e “Cosmos” (1980) de Carl Sagan —, indo mais longe, porque recorre ao conhecimento mais atual da ciência, mas mantendo as fragilidades naturais da generalização de sistemas complexos. Como tal, deve ser lido como uma narrativa em busca de uma visão agregadora de valor e significado, sabendo que a natureza não é planeada, mas improvisada. Ou seja, apesar da enorme credibilidade da argumentação apresentada por este autor, e pelos anteriores, é sempre necessário manter o véu da dúvida ativo.
Estas narrativas são imensamente atrativas para os nossos cérebros que estão desenhados para a construção de padrões e atribuição de significados. Tudo para nós tem de ter uma explicação, tudo tem de ter uma razão, tudo tem de ter um sentido. Pelo que estas grandes teorizações acabam não se distinguindo muito daquelas que originam as grandes religiões. Contudo, a realidade que habitamos não é fruto de planificação, antes pelo contrário, é fruto do acaso e do encontro entre milhões e milhões de microssistemas profundamente variáveis, o que torna a construção de teorias gerais uma impossibilidade prática. Mantendo este pressuposto, não posso deixar de dizer que a proposta de Michael Muthukrishna é amplamente sustentada com dados, argumentada de modo acessível, e por isso altamente recomendada.
I expected more from "Of Sound Mind: How Our Brain Constructs a Meaningful Sonic World" (2021) from a book written by a neuroscientist specializing inI expected more from "Of Sound Mind: How Our Brain Constructs a Meaningful Sonic World" (2021) from a book written by a neuroscientist specializing in auditory processing, Nina Kraus. I was hoping to delve more deeply into how we hear, make sense of sound, and how it affects us. Kraus gives an account of these points but does so in a rather superficial way. The tone chosen for the science talk ends up being somewhat inane, with too much of the talk being about assumptions, rehashing ideas from the past that science has now shown to be not as correct as we thought. Science is made of constant uncertainties, but in the case of such widely studied subjects, we expect that current knowledge is followed and not that which is more poetic in scope. Still, the first part is worth a quick read, while the second part, fragmented in its impacts on multiple distinct areas, may be of interest to those who work in each of these areas.
Carlo Rovelli é o Carl Sagan do século XXI. Nenhum outro divulgador de ciência consegue fazer o que ambos fazem: relatar informação científica impregnCarlo Rovelli é o Carl Sagan do século XXI. Nenhum outro divulgador de ciência consegue fazer o que ambos fazem: relatar informação científica impregnada de emocionalidade. É preciso uma paixão imensa pelo que se faz e se quer expressar para chegar aqui, e do muito que tenho lido, Sagan e Rovelli são inigualáveis.
No final da introdução, de "The Human Predicament: A Candid Guide to Life's Biggest Questions" (2017), tive de fazer uma pausa, porque o meu estado deNo final da introdução, de "The Human Predicament: A Candid Guide to Life's Biggest Questions" (2017), tive de fazer uma pausa, porque o meu estado de humor mudou, senti a vertigem da depressão a aproximar-se. Dei-lhe o benefício da dúvida, acabando por ler o resto, não porque o tema mudou, mas porque o discurso se alterou, focando-se mais na desconstrução de argumentos e dialética. David Benatar é reconhecido como filósofo do pessimismo pelas suas posições niilistas, nomeadamente antinatalistas. Não é nada de novo, sempre existiram apesar de com pouco sucesso, porque como diz Benatar, as pessoas preferem as ilusões das prateleiras da autoajuda. Na verdade, antes de Benatar já me tinha enamorado por Schopenhauer, mas Benatar é distinto, desde logo porque escreve noutro tempo, com acesso a muita mais ciência sobre as nossas condições biológicas e cósmicas. Ainda assim, padece do mesmo mal de um outro pessimista, Emil Cioran, a excessiva repetição, o martelar de razões no suporte das suas certezas.
Neste seu terceiro livro, Benatar enfrenta a grande questão do porque estamos aqui. Qual é o nosso predicado? Segundo Benatar, não é nenhum. Desde a condição individual à cósmica, passando pela familiar e social, nada significa nada em condições absolutas. A nossa vida não passa de um contínuo de sofrimento para chegar a nada. Foi aqui que comecei a colocar Benatar no pedestal oposto a Carl Sagan, um otimista nato, capaz de ver o melhor do ser humano em todas as suas condições, incluindo cósmicas. Se o coloquei no pedestal oposto, foi porque lhe reconheci valor nalgumas das suas ideias, não porque as desprezei.
Oliver Bown surveys the intersections between creativity and AI over the last 20 years, pointing to multiple projects, books and articles published inOliver Bown surveys the intersections between creativity and AI over the last 20 years, pointing to multiple projects, books and articles published in computational creativity, namely in the International Conference on Computational Creativity.
It is a work focusing on the developments in the area which have gained enormous recognition with the advances introduced by the large language model GPT-3, making of Generative AI a common term.
However, since it was published at the beginning of 2021, it overlooks what has been achieved in the creative exploration of GPT-3, namely ChatGPT, Dall-E and Midjourney, which emerged in 2022.
“AI 2041” (2021) apresenta uma estrutura deliciosa. Sendo um livro de não-ficção sobre IA, usa pequenos contos de ficção para ajudar o leitor a compre“AI 2041” (2021) apresenta uma estrutura deliciosa. Sendo um livro de não-ficção sobre IA, usa pequenos contos de ficção para ajudar o leitor a compreender, por via de situações reais e concretas, o alcance de conceitos e tecnologias de carácter abstrato. Kai-Fu Lee é uma referência na Ásia, por ter sido presidente da Google China, mas antes disso trabalhou nos EUA para a Apple, a SGI, e a Microsoft. Na academia formou-se na Columbia, e doutorou-se na Carnegie Mellon, em 1988, com uma tese em IA. Para este livro, convidou Chen Qiufan, autor chinês, premiado e reconhecido por um estilo de ficção científica realista. Juntos criaram um livro que junta o melhor da ficção com a não-ficção. Cada um dos 10 capítulos aborda um impacto futuro da IA, sendo cada tópico primeiro ilustrado por um conto, situado em 2041, de Chen Qiufan, depois seguido por uma análise académica de Kai-Fu Lee, que dá conta da tecnologia atual e da expetativa de desenvolvimento até 2041. Deste modo, Lee e Qiufan criaram uma nova e poderosa abordagem que deveria ser vista como um modelo a seguir pela comunicação de ciência.
"Story Machines: How Computers Have Become Creative Writers" foi publicado em julho 2022, mas os seus autores, Mike Sharples e Rafael Perez, académico"Story Machines: How Computers Have Become Creative Writers" foi publicado em julho 2022, mas os seus autores, Mike Sharples e Rafael Perez, académicos na área da aprendizagem e criatividade IA, dizem-nos que o livro começou a ser preparado em 2001, por isso não se espere aqui um tratado sobre o enorme potencial aberto pelos sistemas GPT, que apesar de serem abordados representam apenas uma pequena parte da discussão.
"How the World Really Works: The Science Behind How We Got Here and Where We're Going" saiu este ano e tem sido imensamente discutido pela crítica, o "How the World Really Works: The Science Behind How We Got Here and Where We're Going" saiu este ano e tem sido imensamente discutido pela crítica, o que não diria dever-se, apesar de também, a Bill Gates, mas essencialmente ao longo percurso científico de Vaclav Smil (78 anos) a discutir estas matérias o que lhe confere um grau de autoridade e confiança muito elevados. No imediato, e apesar do livro se focar na questão ambiental, nomeadamente no aquecimento global, compararia este a "Factfullness" (2018) de Hans Rosling, pelo modo como desfia números e factos sobre a energia que sustenta o nosso modo de vida, desconstruindo teias de histórias que têm vindo a moldar a nossa visão do mundo.
Começando pela frase com que se apresenta, "I am neither a pessimist nor an optimist; I am a scientist trying to explain how the world really works", naturalmente que o trabalho que aqui faz não agradará a muitos, diria mesmo, a uma boa parte dos ativistas que têm trabalhado para alertar para as questões climáticas. Smil coloca na balança os números do planeta em que vivemos, as matérias primas, a energia, as pessoas e as suas necessidades, e olha para a História, e para aquilo de que é feita a nossa espécie. O resultado não é uma equação simples, muito menos fácil de transformar. O problema levantado é a dura realidade, não apenas do planeta, mas da espécie que somos, colocando frente a frente, aquilo que teoricamente desejamos que seja a nossa realidade e aquilo que na realidade somos. Assim, para o lado ativista das questões ambientais este discurso, apesar de reconhecido na sua base científica como factual, é acusado de maquiavélico, porque dá argumentos ao outro lado, os da negação das alterações climáticas. Mas a questão de fundo é que não podemos olhar para a questão como tendo dois lados, de crentes e não crentes, temos de olhar para a espécie, e perceber de que é feita, e compreender que a mudança é a ação mais difícil para qualquer ser-humano. Temos de olhar para o planeta como um todo, mas não podemos olhar para todos os países como iguais. Não podemos desejar um mundo em que uma parte de nós tem smartphones no bolso, e a outra parte deve ficar à porta a aguardar a sua vez, porque entretanto nós para criar todo este bem-estar consumimos os recursos do planeta que também era deles.
Podemos atacar Smil, dizendo que este coloca o dedo na ferida mas não oferece soluções, o que em parte é verdade, mas isso não torna o seu trabalho menos importante. O caminho para a mudança faz-se pela tomada de consciência do problema nas suas múltiplas dimensões, e esse só pode ser feito com honestidade e verdade. Gritos e drama tendem a criar aversão, e quando misturados com argumentos erróneos criam descrédito.
Existem vários pontos que podemos retirar desta leitura, a primeira, que já vinha em "Factufullness" é que o crescimento populacional vai começar a decrescer em breve, e isso vai ser fundamental na transformação da nossa presença no planeta. A segunda, é que a ideia de uma economia totalmente global cria mais problemas do que resolve como se viu durante a pandemia, e que a sua diminuição pode ser outro enorme contributo para diminuição da nossa pegada. Nada disto põe em questão tudo o que está a ser feito, e tem de ser continuado, no sentido de melhorar e otimizar os recursos que usamos.
O título “The Tyranny of Metrics” do professor Jerry Z. Muller é indissociável do título “The Tyranny of Merit” do imensamente mais conhecido pro3.5/5
O título “The Tyranny of Metrics” do professor Jerry Z. Muller é indissociável do título “The Tyranny of Merit” do imensamente mais conhecido professor Michael J. Sandel. Mas em defesa de Muller, o seu livro é de 2018, e o de Sandel de 2020. Mas a aproximação não se fica pelos títulos, vai ao fundo dos dois tópicos eleitos: mérito e métricas. Não as colocando lado a lado, mas antes em lados opostos, diga-se lados políticos. Porque se o “mérito” é o santo graal da esquerda, o motor da crença messiânica de que todos podemos ser tudo e fazer tudo desde que nos esforcemos. As métricas são o Santo Graal da direita, em que tudo tem de ser medido para que tudo possa ser transparente, porque só quando ajustado pela medida objetiva se pode eliminar qualquer vestígio de viés humano.
O título original — "A History of Water" — não faz muito sentido, porque não explicando do que trata, também não aproxima o leitor do sentimento 4.5/5
O título original — "A History of Water" — não faz muito sentido, porque não explicando do que trata, também não aproxima o leitor do sentimento geral da obra. Ainda que se possa dizer que a obra se foca em dois viajantes — Luís de Camões (1524 - 1580) e Damião de Góis (1502-1574) — da era dourada das descobertas marítimas portuguesas. Mas o sentimento é claramente melhor captado pelo título português — "A Torre dos Segredos" —, que não só evoca o relato das particularidades das vidas desses viajantes, mas denota antes a presença central da Torre do Tombo, a torre onde, desde 1378, a história de Portugal foi sendo escrita.