Vida

Livro conta a história das princesas da última dinastia russa

Livro conta a história das princesas da última dinastia russa

"As irmãs Romanov", da historiadora Helen Rappaport, é uma biografia da vida doméstica da família do último tsar da Rússia

RUAN DE SOUSA GABRIEL
12/02/2016 - 08h01 - Atualizado 12/02/2016 11h05

Era uma vez uma linda princesa alemã que se casou por amor com o imperador da Rússia, o tsar Nicolau II. O nome dela era Alexandra. Ela tinha límpidos olhos azuis, cabelos avermelhados e uma avó, Vitória, que reinava sobre um vasto império onde o sol nunca se punha. No dia de seu casamento, Alexandra trajava um deslumbrante vestido de brocado branco e prateado que faria inveja a Lady Di e Kate Middleton. Um manto tecido de ouro e uma coroa cravejada de brilhantes completavam as vestes matrimoniais. Alexandra e Nicky viviam felizes num palácio nos arredores de São Petersburgo e presentearam seus súditos com cinco filhos. Alexei, o caçula, príncipe-herdeiro e “esperança da Rússia”, e quatro meninas: Olga, Tatiana, Maria e Anastácia, a mais famosa e bagunceira. O cotidiano de luxos e orações das princesinhas acabou no verão de 1918, quando toda a família imperial foi sacrificada pelos revolucionários bolcheviques. Ele foi reconstituído, nos mínimos detalhes, pela historiadora britânica Helen Rappaport em As irmãs Romanov: a vida das filhas do último tsar (Objetiva, 544 páginas, R$ 69,90), que acaba de chegar as livrarias brasileiras.

A tsarina e as grã-duquesas (Foto: Reprodução)

Ao longo de muitas páginas, Rappaport se esforça para dar personalidades distintas às grã-duquesas, que sempre foram tratadas como princesinhas estereotipadas por livros de história e produções hollywoodianas. Olga era curiosa, altruísta, sensível e suspirava por soldados de bigode. Tatiana herdara a beleza e a discrição da mãe e serviu como enfermeira durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Maria, a queridinha do papai, era tímida, desajustada e generosa. Anastácia era rebelde, desobediente, geniosa e sincera. No gelado exílio siberiano, que antecedeu o fim dos Romanov, era Anastácia quem fazia a tsarina rir. As meninas têm de lutar com a mãe pela atenção do leitor. Alexandra tem vocação para protagonista.

>> União soviética foi pioneira nos direitos das mulheres, diz historiadora

O triste fim dos Romanov, uma das famílias reais mais fotografadas da história, sempre interessou à indústria cultural. Há mais de 20 filmes sobre a última dinastia russa. São documentários, dramalhões e animações produzidos na Rússia, nos Estados Unidos, no Reino Unido, na França e na Alemanha. O primeiro filme gravado na Rússia foi a coroação de Nicolau II, em 1896.  As lendas sobre a suposta sobrevivência de uma das princesas renderam muitos roteiros ao longo do século XX. Ingrid Bergman ganhou um Oscar por interpretar um protótipo de grã-duquesa em Anastácia, a princesa esquecida, de 1956. Em 1997, a Fox lançou Anastasia, uma animação em que populares maldizem a revolução num musical na neve e um personagem reclama da preferência do novo governo pela cor vermelha. Os Romanov também são personagens de Simpathy for the devil, uma canção dos Rolling Stones em que o diabo assume a responsabilidade pela derrocada do absolutismo russo. “Eu já vi muitas representações Romanov em filmes e documentários, mas, honestamente, pouquíssimos são fiéis à história real”, afirma Rappaport, que costuma receber cartas e e-mails de teóricos da conspiração que acreditam na sobrevivência de membros do clã Romanov, ainda que exames de DNA tenham provado que não sobrou nenhum. “Todo mundo adora uma história de triunfo sobre a adversidade. É o que explica essa insistência em crer que houve sobreviventes”, afirma a historiadora, que também escreveu Os últimos dias dos Romanov (fora de catálogo).

Mas como um livro baseado em rigorosa pesquisa histórica pode competir com toda a ficção que envolve a última dinastia russa? Rappaport oferece uma biografia doméstica, em que a agitação proletária de São Petersburgo raramente é ouvida além dos muros do palácio. “Eu quis explorar os bastidores da história da família imperial russa. Escrever sobre a vida doméstica e as relações familiares dos Romanov me interessou muito mais do que escrever sobre política”, afirma a historiadora, que já escreveu sobre Lênin e, em breve, publicará um livro sobre a Revolução Russa. As irmãs Romanov é repleto de descrições do cotidiano e dos dramas da nobreza. É tanta riqueza (e também tanta tristeza), que há um quê de ...E o vento levou no livro. A descrição do luxuoso patrimônio da família real, reduzido a ponto turístico pelo Estado operário, podia ser um lamento digno de Scarlett O’Hara, um suspiro por uma civilização que não existe mais. Apesar do rigor histórico do livro, dos momentos sombrios e do final trágico, muito da história dos Romanov ainda parece um conto de fadas.

>> Contos do russo Tolstói ganham edição no Brasil

A epígrafe do livro foi tirada da Bíblia, da carta do apóstolo Paulo aos coríntios: “Agora, portanto, permanecem fé, esperança, caridade, essas três coisas. A maior delas, porém, é a caridade”. Ao longo de As irmãs Romanov, o que permanece é a fé. “Durante minha pesquisa, uma das coisas que mais me impressionou foi como a profunda fé religiosa daquela família permitiu que eles permanecessem unidos”, afirma. “Entender as crenças dos Romanov é essencial para entender como eles reagiram à revolução, ao exílio e por que aceitaram, resignados, seu destino”. Quando se casou, Alexandra substituiu sua fé protestante pela religião ortodoxa. Os monarcas se refugiaram no misticismo russo em busca da cura de Alexei, que era hemofílico. Foi assim que o manipulador Raspústin entrou na vida da família real e acabou influenciando o tsarismo.

>> O último clássico russo a ganhar uma edição brasileira

Raspútin faz amizade com as grã-duquesas, o que lhe garante um lugar destacado no livro, o que não acontece com Lênin, Trotsky ou os bolcheviques. Rappaport recria a atmosfera de isolamento que cobria o palácio e a deslumbrante inacessibilidade da família real, que não era simpática a monarquias constitucionais nem a movimentos de trabalhadores. “É um movimento de desordeiros... rapazes e garotas correndo e gritando que não tem pão; só para provocar”, escreveu a tsarina ao marido às vésperas da revolução. Ela era contrária à abertura do regime, pois não queria que Alexei subisse ao trono com poderes limitados, como acontecia aos primos ingleses. “As reformas que Nicolau e Alexandra não realizaram poderiam ter evitado o assassinato de seus filhos, mas eles confiaram demais em Raspútin”, afirma Rappaport. “Aquelas cinco crianças foram vítimas inocentes e seus pais têm um grau de culpabilidade nessa história. Eles não podem ser transformados em santos”. Em 2000, depois alcançarem o estrelado na pele de atores hollywoodianos e nos devaneios de teóricos da conspiração, os Romanov foram canonizados pela Igreja Ortodoxa Russa.








especiais