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Inglesa publica livro sobre como domou o luto treinando um falcão

Inglesa publica livro sobre como domou o luto treinando um falcão

Antes de escrever sobre a morte do pai, Helen Macdonald resolveu treinar uma ave de rapina – e descobriu que domar as palavras é tão difícil quanto domesticar falcões

RUAN DE SOUSA GABRIEL
17/06/2016 - 14h36 - Atualizado 17/06/2016 20h57

Quando seu pai morreu, Helen Macdonald foi à livraria e voltou para casa com pilhas de livros de autoajuda. Helen é pesquisadora da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e, como boa acadêmica, suspeitava que as respostas estavam nos livros. Encontrou consolo nas obras de autores enlutados e melancólicos que transformaram a dor em literatura, como O ano de pensamento mágico, da americana Joan Didion, e A anatomia de uma dor, do inglês C.S. Lewis. A própria Helen acabou escrevendo um livro sobre luto. Mas, antes, ela resolveu treinar um falcão. Ou melhor: um açor, uma sanguinária ave de rapina.

A escritora inglesa Helen Macdonald (Foto: Alamy Stock Photo)


 

F de Falcão (Foto: ÉPOCA)

Helen vem à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que ocorrerá entre 29 de junho e 3 de julho, para lançar a edição brasileira de F de falcão (Intrínseca, 288 páginas, R$ 44,90). O livro narra, numa mistura de gêneros literários, como a falcoaria ajudou Helen a lidar com a perda do pai, que morreu de um ataque cardíaco em 2007. Alisdair Macdonald era um conhecido fotojornalista. Foi ele quem tirou aquele famoso retrato em que, recém-casados, Charles e Diana aparecem se beijando na sacada. Depois que ele morreu, Helen passou a sonhar com falcões. Aves de rapina sempre a atraíram. Na infância, ela dormia com os braços dobrados para trás, como se fossem asas, e seu deus era Hórus, a divindade egípcia com cabeça de falcão. Na escola, enquanto as crianças repetiam o pai-nosso ela rezava “Querido Hórus...”. Aos 13 anos, ela se iniciou na arte da falcoaria e começou a transformar falcões nascidos em cativeiro em caçadores destemidos.

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Depois da morte do pai, Helen dirigiu até a Escócia para comprar, por £ 800, uma fêmea de açor que ela batizou de Mabel – “amável”, na tradução do latim. Segundo uma antiga superstição falcoeira, a fúria de um falcão é inversamente proporcional à fofura de seu nome. Um falcão chamado Matador provavelmente será manso como um pintinho. Mabel era o nome apropriado para um açor assassino. Nos meses que se seguiram, a ave selvagem se tornou uma metáfora alada para a dor que Helen sentia. Enquanto domava Mabel, ela aprendia a lidar com a fúria dos próprios sentimentos. “Mabel era tudo o que eu queria ser: solitária, tranquila, forte e livre de emoções humanas. De certo modo, eu me identificava com ela”, diz.

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Em alguns capítulos, F de falcão se parece com um daqueles manuais de falcoaria que Helen devorava quando criança. Noutros, a autora se transforma na biógrafa de T.H. White (1906-1964), autor de livros sobre o lendário rei Arthur. Foi White quem fixou a figura de Merlin como o mago de chapéu pontudo e bordado com estrelas. White também se atreveu a treinar falcões – e fracassou. Em 1951, ele publicou The goshawk (O açor, em português), no qual narra sua tentativa de domar uma ave de rapina. Helen leu o livro aos 8 anos de idade e detestou. Ele usara métodos medievais para treinar a ave, o que causou sofrimento a ambos. Mas o que White realmente queria domar não era a selvageria do açor, mas seus instintos homossexuais e sadomasoquistas. “Nós dois víamos nossos falcões como espelhos de nós mesmos”, diz a escritora.

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Helen começou a escrever o livro cinco anos depois da morte do pai. E a literatura se mostrou uma tarefa tão desafiadora quanto a falcoaria. As palavras também são difíceis de domar. “Às vezes, eu não conseguia escrever aquilo que queria e, outras vezes, eu me pegava escrevendo coisas que jamais pensei que estariam no livro”, afirma. F de falcão se tornou um livro como aqueles que se empilhavam na casa de Helen depois da morte de seu pai. “É difícil e assustador falar sobre nossas experiências com o luto. Os livros ajudam porque nos lembram que todos enfrentam essa experiência solitária e dolorosa.” Quando pôs o ponto final em F de falcão, Helen sentiu náuseas e tontura. Precisou se sentar e respirar fundo. “Escrever foi uma maneira de dizer adeus não só a meu pai, mas também à pessoa que eu era.” Foi naquele momento que percebeu quanto a literatura a ajudara a elaborar o luto – e aquele livro estava pronto para alçar voo.








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