• Marcelo Tas
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Pai Laboratório (Foto: Ilustração: Tiago Gouvea)

Na saída da escola, jovens mães digitam furiosamente em seus celulares. Também soltam o verbo, resolvem pepinos domésticos, profissionais e ainda compartilham novas técnicas de ginástica localizada. Representam com desenvoltura o papel histórico de liderança da nova mulher na sociedade e também a reencenação de um mito antigo: a mãe perfeita. A cena é nítida como filme 3D. Soa o sinal, chegam os filhos e elas mudam o tom de voz da aspereza motosserra com que lidavam com os problemas para uma suavidade de sininhos nepaleses:


– E então, amorzinho, como foi a aula de hoje?

Não critico o carinho e a atenção das mulheres, ambos ingredientes fundamentais na educação das crianças. Apenas levanto uma lebre: quem resolveu condenar as mães à perfeição?
Mães perfeitas atrapalham a vida dos filhos. Explico: desde o umbigo, as mães são convocadas pela natureza a cercar os filhos de proteção para que nada de mal lhes aconteça. Isso funciona bem até os 6 meses de vida... OK, até uns 3 anos. Depois, a blindagem da mãe, principalmente a da mãe perfeita, começa a atrapalhar. Conheço filhos que não sabem o que é batalhar para conquistar as coisas. Diante de uma mísera necessidade do filhinho ter que se virar com sua própria vida, como num filme do Batman, surge a supermãe para cuidar antecipadamente de tudo!

Estou exagerando? Nas minhas férias, testemunhei uma mãe saltar na frente de uma torrada para impedir que o filho experimentasse o gosto de uma sardela como se estivesse o salvando de um atropelamento.

– Tem aliche, não coma. Eu sei, você não vai gostar!

Detalhe: o filho dela, a quem eu apenas oferecia a deliciosa iguaria, já completou 18 anos. Não é uma exceção. Conheço muitos filhos, e até homens grandes, que consultam suas mães, ou esposas, para saber por meio delas do que eles gostam.

– Amor, eu gosto de macarrão ao pesto? Devo ir de calça ou bermuda? Mãe, eu gosto de verde ou de azul?

O momento precioso de adquirir um novo conhecimento, seja aprender a andar, escolher a faculdade ou descobrir um novo sabor requer um salto no desconhecido. E aí está uma ideia que a mãe perfeita, se pudesse, riscaria do dicionário: o desconhecido. A missão dela na Terra é testar, filtrar, retirar as impurezas do mundo para permitir o contato do filhinho apenas com o mundo perfeito escolhido por ela. Só que o mundo escolhido por ela, nem sempre, é o que o filho quer ou necessita para se desenvolver como pessoa.

Qualquer frustração – algo natural, corriqueiro e até necessário para o crescimento pessoal – vira um monstro gigantesco a ser combatido ou evitado. Filho de mãe perfeita não conhece frustração. Foi poupado a vida toda do contato com qualquer contrariedade pela blindagem eficiente da mãe xerife. Daí, cedo ou tarde, vem a cobrança implacável da realidade. Afinal, o mundo real não é exatamente um ursinho de pelúcia.

P.S.: Desculpas às mamães que perguntam onde estão os papais perfeitos nessa história. É só substituir “mamãe” por “papai” que o efeito é o mesmo.

*Este texto faz parte da coluna Pai Laboratório da edição 231 (Fevereiro de 2013) da revista CRESCER

Marcelo Tas (Foto: Daniela Toviansky)

MARCELO TAS é jornalista e comunicador de TV. Tem três filhos: Luc, 23 anos, Miguel, 11, e Clarice, 7. É âncora do “CQC” e autor do Blog do Tas. Aceita com gratidão críticas e sugestões sobre essa coluna no e-mail: [email protected]