• Maria Clara Vieira
Atualizado em
O que deixa seu filho tímido?  (Foto: Raquel Espírito Santo / Editora Globo)

O que deixa seu filho tímido? (Foto: Raquel Espírito Santo / Editora Globo)

Que pai ou mãe não idealiza um bebê sorridente e brincalhão, que seja simpático e conquiste as pessoas ao fazer gracinhas? Antes de começar a sonhar, saiba que nem todas as crianças são assim.

Diversos estudos já mostraram que de 15% a 20% delas apresentam "inibição comportamental" – que popularmente é chamada de timidez. Ou seja, existe a chance de você precisar lidar com as especificidades de um filho mais retraído que os demais. É isso o que a advogada Renata Peixoto, 37 anos, está aprendendo aos poucos. “Por mais que eu peça, a minha filha não cumprimenta as pessoas e não fala com ninguém em eventos sociais”, conta a mãe de Isabela, 4, e Heitor, 3 meses. “Ainda que ela queira muito interagir, não costuma puxar assunto com as crianças que não conhece. Se a chamam para brincar, a Isabela não vai. Percebo que ela tem vontade, mas fica agarrada em mim”.

A timidez é isso mesmo: se caracteriza principalmente pelo isolamento e pela falta de interação em ambientes novos ou com pessoas pouco conhecidas, como costuma acontecer em festas. “A maioria dos pais reconhece que o filho é tímido porque a criança age com medo ou reticência e permanece em silêncio quando perto de indivíduos de fora da família”, explica em entrevista à CRESCER o psicólogo e pesquisador sobre o assunto, John Malouff, da Universidade de New England (Austrália).“Dentro de casa, essa mesma criança geralmente é calma, viva e faladora”, completa ele, que passou pela experiência com a própria filha. Pais e mães de crianças tímidas já sabem o que vão enfrentar quando saem de casa como filho: ele fica cabisbaixo, evita olhar nos olhos e não fala com ninguém, por mais que a pessoa puxe papo. “Geralmente, a timidez vem acompanhada da dificuldade de comunicação porque há uma recusa da oralidade, o principal contato que nos liga aos outros”, explica Luciana Barros de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp).

Na tentativa de compreender o comportamento dos filhos, inevitavelmente os adultos recorrem às próprias lembranças de infância, mas nem sempre as respostas que se busca são encontradas ali. Renata que o diga. “Quando eu era criança, não me comportava como a minha filha Isabela. Eu dançava, brincava, tentava fazer amizades, não tinha problema nenhum com isso”, lembra ela. Acontece o mesmo em muitas famílias. 

Boa parte das crianças, porém, têm temperamento distinto dos pais. Por causa disso, alguns deles se preocupam com as dificuldades que os filhos enfrentarão no colégio, faculdade ou emprego, caso eles continuem fechados demais. Um livro que trata do assunto acaba de chegar ao Brasil. O Poder dos Quietos para Jovens (leia mais no quadro abaixo) promete ajudar, com dicas práticas, aqueles que têm problemas para interagir, e dá um recado: o mais importante, caso você tenha uma criança assim, é respeito.

Entender como ela se sente e se esforçar para aceitá-la são tarefas imprescindíveis para uma convivência familiar prazerosa e para o bom desenvolvimento infantil. Evite comparar seu filho com outras crianças ou com você mesmo. Lembre-se de que cada indivíduo é único e especial à sua maneira – e nada de ficar cobrando desenvoltura cedo demais. O seu filho prefere brincar sozinho na praia, enquanto as outras crianças já viraram melhores amigas? Não há motivo para alarde!

"A criança mais introvertida se sente invadida e tem pouca tolerância aos ambientes de festa e aos grandes encontros com barulho e pessoas jogando conversa fora. Muitas vezes, os pais sentem que tem algo de errado com ela e ficam questionando: ‘O que essa criança tem? Por que ela é assim? "

Roberto Rosas Fernandes, professor de Psicologia da PUC-SP e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica

Um livro sobre eles


A obra O Poder dos Quietos para Jovens (Editora Sextante, R$ 30) acaba de ser traduzido para o português. Em seu primeiro livro, O Poder dos Quietos, a autora americana Susan Cain entrou para a lista dos mais vendidos do New York Times e mudou a forma como a sociedade enxerga os introvertidos. Agora, no novo título, ela dedica seus ensinamentos aos jovens.  A seguir, confira dicas de Susan:

AMBIENTES LOTADOS e barulhentos são desgastantes para introvertidos. Respeite isso e permita que seu filho tenha momentos tranquilos para recarregar as baterias.

POR MAIS QUE PREFIRA OUVIR a falar, explique à criança que a comunicação é essencial. Estimule o compartilhamento de ideias. Pergunte como ela se sente e como encara certas situações.

SEU FILHO NÃO TEM DE IMPRESSIONAR amigos, professores ou familiares em eventos sociais, aceite isso.

OK TER POUCOS AMIGOS, mas incentive seu filho a conhecer novas pessoas. Em vez de cobrar que a criança tenha vários colegas, valorize e ensine-o a cultivar as amizades que já conquistou.

INTROVERTIDOS GOSTAM de focar suas energias em uma atividade que realmente apreciam. Ajude a criança a encontrar algo que seja prazeroso a ela.

Timidez ou introversão?

Sua filha sempre esconde o rosto quando falam com ela? (Foto: Editora Globo / Raquel Espírito Santo)

Sua filha sempre esconde o rosto quando falam com ela? (Foto: Editora Globo / Raquel Espírito Santo)

Sim, elas são diferentes! A timidez envolve ansiedade, medo e inibição diante de situações sociais em lugares novos e com pessoas desconhecidas. O tímido fica com o semblante fechado, a cabeça baixa, o corpo rígido. Já a introversão é um modo de ser em que o mundo interior fascina mais do que o exterior – é aquele indivíduo que prefere ler um livro ou ver um filme em vez de ir para uma festa, por exemplo. Os introvertidos são reservados, gostam de calmaria, apreciam o silêncio e se sentem “sugados” quando passam longos períodos interagindo com muita gente – mas eles não são necessariamente tímidos.

O que fazer para ajudar...

SEJA O INTERLOCUTOR, caso ele tenha dificuldade para fazer amizade com novas crianças, por exemplo. Acompanhe-o inicialmente para facilitar a comunicação. Depois de apresentá-lo e propor uma brincadeira, deixe que interaja por conta própria.

CONTE À CRIANÇA sobre as vezes em que você também sentiu um frio na barriga ao se expor, e relate, de forma lúdica, como conseguiu superar o desafio.

EXPLIQUE COMO ela irá se beneficiar ao agir de maneira mais extrovertida – fazendo mais amigos, divertindo-se, conhecendo novas brincadeiras...

PERMITA QUE ELA INTERAJA com desconhecidos: vale deixá-la fazer o pedido em uma padaria, ou perguntar uma informação a um vendedor de uma loja,
por exemplo. 

ACEITE QUE A CRIANÇA não precisa estar sempre acompanhada de outras para brincar. Ela também pode se divertir sozinha de vez em quando, lendo um livro, desenhando ou criando um faz de conta – e tudo bem!

Extrovertido demais

Seu filho é extrovertido e adora aparecer? (Foto: Editora Globo / Raquel Espírito Santo)

Seu filho é extrovertido e adora aparecer? (Foto: Editora Globo / Raquel Espírito Santo)

Na sua casa a grande questão não é o excesso de silêncio e sim a falta dele? Seu filho puxa conversa até com quem não deveria e adora aparecer? Fique atento. Os especialistas alertam que todo excesso é prejudicial – incluindo a extroversão. A criança precisa compreender que nem tudo o que pensamos ou vivemos deve ser dito para todos. É fundamental construir, aos poucos, a noção de filtro daquilo que será falado e do que será guardado para si. E, claro, policie suas ações, sem exagerar na própria exposição.

Mundo interior


Fernandes explica que, quando o adulto finalmente entende a natureza dessa criança, sente alívio. “Ele percebe que o filho não nasceu com ‘defeito’ e que não é ‘problemático’. É apenas um temperamento mais voltado para dentro. É o mundo interior que seduz essa criança, e não o exterior”, afirma.

Isso não significa, porém, que você deva deixar de frequentar eventos sociais. A dica é saber dosar. Se ele não quiser ir a uma festinha de aniversário no fim de semana, tudo bem – mas combine que na próxima é importante ir para brincar com os amigos. Ou, então, explique que
é necessário comparecer, nem que seja só por uma hora, para dar parabéns ao aniversariante.

Outro cuidado fundamental com qualquer criança é evitar rótulos. Por mais que você note um traço muito forte da personalidade dela, não fique batendo na mesma tecla, repetindo que ela é desse ou daquele jeito. Também nunca use tom jocoso ou crítico para se referir a características da personalidade dela, porque isso pode reforçar uma ideia desfavorável. “A criança reflete o ambiente em que vive e aquilo que é falado. Muitas vezes, ela se esconde sob o rótulo que foi colocado por um adulto. Nós somos o que pensamos que somos”,explica Luciana, da ABPp.

Renata, a mãe de Isabela, concorda. “A família do pai dela fica dizendo que minha filha é tímida.Eles falam tanto isso que, às vezes, ela mesma fala: ‘Eu sou tímida’. Isabela nem sabe direito o que é timidez, mas já se vê assim”, relata.O ideal, nesses casos, é chamar os adultos para uma conversa amigável, explicando que o ato de rotular cria um estigma sobre a criança.

Observe também se você não está sendo superprotetor. Fazer tudo por ela a todo instante, sem permitir que a criança viva experiências novas e desafiadoras, pode contribuir para que fique mais fechada para o mundo. É isso o que sugere um estudo da Universidade de Western Ontario (Canadá). Os pesquisadores avaliaram crianças tímidas em dois momentos da vida: primeiro com 3 anos e algum tempo depois, aos 6. Eles concluíram que aquelas que têm pais que exageram na proteção tendem a apresentar comportamento tímido por mais tempo.

Depoimento

“Minha filha foi uma bebê muito sorridente e brincalhona. Ela ia no colo de todos e ria com as pessoas. Quando completou 2 anos, começaram as primeiras mudanças de comportamento. Com os familiares mais próximos e com quem ela convive diariamente, ela continua a mesma. Porém, fora dessa zona de conforto, ela se fecha, não sai de perto de mim e do pai e chega a se esconder entre nossas pernas. Alguns entendem a timidez, mas sinto que muitos constroem uma imagem dela como uma menina chata, algo que ela não é. Quando a Maria Júlia está em um ambiente diferente, fica nervosa, não fala nada e pede para ir embora. Muitas vezes, não sei como agir. Respiro fundo e tento mostrar que ela está segura. Em festinhas infantis, quando ela não quer brincar, eu e o pai começamos a chamar os amiguinhos, e aos poucos ela se solta. Não vou criar neuras. Às vezes, me preocupo, mas sei que é uma fase.”   

CAMILA MELO, PROFESSORA, 27, MÃE DE MARIA JÚLIA, 2 ANOS E 8 MESES

É fase

Sua filha se esconde atrás de você quando falam com ela? (Foto: Editora Globo / Raquel Espírito Santo)

Sua filha se esconde atrás de você quando falam com ela? (Foto: Editora Globo / Raquel Espírito Santo)

Apesar de a timidez não ser notada em todas as crianças, ela faz parte do desenvolvimento
infantil, sendo comum até os 5 ou 6 anos. Costuma estar relacionada a algum medo social ou do ambiente, e pode se manifestar desde os primeiros anos ou no início da vida escolar, quando ela sai do ambiente familiar.Trata-se de uma defesa em relação ao que é desconhecido, segundo os especialistas – algo que precisa ser respeitado.“De forma geral, o mundo é feito de pessoas mais extrovertidas e outras mais introvertidas.Isso não é um problema em si”, tranquiliza o psicólogo Fernandes. Não dá para obrigar ninguém a ser mais reservado e vice-versa.

Forçar a criança a beijar e abraçar outra pessoa, portanto, não é recomendado. Mas ensinar a dar ‘oi’e ‘bom dia’, sim. Afinal, é questão de educação. Está difícil fazer valer essa regra na sua família? Comece dando o exemplo, inclusive no ambiente doméstico, explica a psicopedagoga Luciana. Fora de casa, lembre-o de cumprimentar o porteiro da escola, os amigos, a professora, e assim por diante. “Não acontece instantaneamente, mas o comportamento será assimilado e se tornará um hábito aos poucos”, diz.

É fundamental os pais quebrarem os próprios preconceitos e saberem que a timidez ou a introspecção do filho não o tornarão um derrotado. As pessoas mais quietas têm diferentes talentos e se dão bem na vida pessoal e profissional. Há grandes personalidades que realizaram feitos notáveis, alcançaram êxito e fama mesmo sendo mais “na deles”. É o caso de Albert Einstein, Mahatma Gandhi, Lady Gaga, Elton John, Barack Obama, Emma Watson, Reynaldo Gianecchini, Mauricio de Sousa – só para citar alguns exemplos.

Os especialistas também elencam uma série de aspectos positivos que dão orgulho aos pais dos mais reservados. Quer ver? Essas pessoas tendem a ser boas ouvintes, pacíficas e cautelosas, além de refletir bastante antes de agir ou falar. “As crianças tímidas também se metem em menos encrencas do que outras, especialmente na escola. E geralmente são mais leais como amigos”, diz o pesquisador Malouff.

Isabela é prova disso. A mãe confessa que gostaria que ela fosse mais desinibida ao cumprimentar os demais, porém, se alegra com o jeito doce da menina.“ Em casa, ela conversa, brinca, adora o irmãozinho e é carinhosa. É uma ótima criança”, diz. Pode ser que seja uma fase ou que ela continue tímida ao crescer – mas Renata pode ter certeza desde já: está tudo bem.

Depoimento

“A minha primeira filha nunca me deu trabalho. Achei que teria outro bebê simpático, mas o mais novo, Arthur, é oposto da irmã. Todo mundo espera uma criança risonha (e as pessoas até cobram isso dos pais), só que meu filho não é assim. Principalmente com estranhos. O Arthur não gosta que ninguém mexa com ele. Por conta disso, já ouvi mulheres comentando na rua: ‘Nossa, olha a cara desse bebê’. E conhecidos já me disseram: ‘Ele tem um gênio ruim, deve ser igual ao seu’. Para piorar, até mesmo alguns familiares já o rotularam, mas eu tento não fazer o mesmo. Quando Arthur está em casa, porém, é outra criança: sorri, brinca, abraça... Ter um filho que não gosta tanto de interagir com pessoas desconhecidas é desafiador para nós enquanto pais, porque temos que aprender a lidar com uma personalidade muito diferente da nossa. Mas esse é o jeito dele,  cabe a nós respeitá-lo.”  

AMARIANA AKABOCHI, CONFEITEIRA, 31, MÃE DE MARIA JULIA, 12, E ARTHUR, 1 ANO E 3 MESES

Quando é problema (mesmo)

Passar por um período de timidez é natural e faz parte do desenvolvimento. Mas, atenção: se o comportamento se perpetua além dos 7 anos, é frequente e interfere na aprendizagem ou nas amizades, procure a ajuda de um psicólogo. O excesso de timidez costuma ser relacionado a baixa autoestima e insegurança. O profissional pode identificar a origem do problema e mostrar à família quais necessidades da criança precisam de mais cuidado. Fazer o acompanhamento desses casos evita problemas futuros. Um estudo da Universidade de Vanderbilt (EUA) mostrou que a identificação precoce de casos extremos de timidez pode reduzir a prevalência de transtorno de ansiedade ao longo da vida.

...E o que não fazer

NUNCA JULGUE ou caçoe dos temores da criança, mesmo que pareçam bobagem para você. Acolha a ansiedade dela sempre.

NÃO EXAGERE na dose dos limites, regras e disciplina em casa. Tudo isso é fundamental, mas ambientes extremamente rigorosos inibem a criança e fazem com que ela perca a espontaneidade.

NÃO EXPONHA atitudes e condutas de seu filho publicamente, especialmente as dificuldades dele. Isso pode colaborar com a timidez.

EVITE COBRAR DEMAIS um comportamento extrovertido que não é natural da criança. Cada um tem o seu jeito, não custa lembrar.

NÃO ROTULE e não reforce aspectos negativos dele – como o fato de não cumprimentar todas as pessoas. Pare de ficar repetindo que ele é tímido e que nunca irá mudar, até porque pode ser apenas uma fase.

NÃO FORCE seu filho a participar de aulas extras ou esportes que ele simplesmente não sente prazer. Insistir demais nisso pode deixá-lo incomodado, fazendo com que se recolha para se defender.

selo app crescer (Foto: Crescer)