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Por Marcos Rozen

O Renault Twingo comemora 30 anos neste 2023, e já pode ser considerado um neoclássico no universo dos carros antigos. A marca francesa inclusive apresentou um conceito que dará origem à uma nova geração que chega em 2026 com a promessa de ser um carro elétrico acessível.

Da proposta original de três décadas atrás, é possível destacar muitas coisas, como o estilo alegre e fora do comum e o excelente espaço interno. Mas certamente jamais se pensará nele como um bom veículo para uma expedição em terras desconhecidas.

Um jornalista francês chamado Jean Dulon, entretanto, discorda dessa afirmação. Em 1994, ele usou um Twingo sem qualquer preparação especial — além de um estranho quebra-mato (também conhecido aqui por mata-cachorro) — para dar, literalmente, uma volta na Austrália.

Twingo usado em expedição na Austrália tinha volante do lado esquerdo — Foto: Divulgação
Twingo usado em expedição na Austrália tinha volante do lado esquerdo — Foto: Divulgação

O detalhe é que, diferentemente dos automóveis australianos, o Twingo tinha volante do lado tradicional, o esquerdo — aliás, a primeira geração do Renault não chegou a ser produzida com volante do lado direito, mesmo tendo fãs por toda a Inglaterra. Ou seja: seria como pegar um Land Rover britânico e querer circular pelo Brasil com ele.

Mas Dulon não se abalou com essa pequena minúcia, e rodou nada menos de 25 mil quilômetros (sendo 8 mil km em estradas de terra) por toda a Austrália a bordo do pequeno monovolume, em três meses. Enfrentou condições bastante inóspitas no interior do país, como trechos desérticos, muito cascalho e poeira e postos de gasolina distantes centenas de quilômetros uns dos outros.

Renault Twingo de 1994 em expedição na Austrália — Foto: Divulgação
Renault Twingo de 1994 em expedição na Austrália — Foto: Divulgação

Durante a viagem o jornalista conheceu uma Austrália bem diferente da litorânea, a área mais desenvolvida, populosa e turística daquele país. A população nativa que reside no interior vive uma realidade bem diferente, que Dulon pôde conhecer de perto. E o carrinho, é claro, foi sempre o centro das atenções.

Capítulo à parte foram os cangurus, que chegaram a acompanhar o Twingo, saltitando velozmente ao seu lado, por alguns instantes nas andanças pelo interior do país. A aventura, por sinal, foi toda documentada em vídeo.

Renault Twingo rodou 25 mil km pela Austrália — Foto: Divulgação
Renault Twingo rodou 25 mil km pela Austrália — Foto: Divulgação

O roteiro da expedição incluiu travessia de alguns rios e trechos de cascalho e pedras, até que a corajosa dupla conseguiu alcançar o ponto mais setentrional (ou seja, mais ao norte) do continente australiano, o Cabo York, uma das últimas áreas selvagens remanescentes na Terra. O Twingo, inclusive, entrou para a história como o primeiro veículo com tração apenas em duas rodas a chegar lá.

Pouco antes do fim da viagem, o jornalista francês conheceu dois renomados artistas locais, John Moriarty e Frank Lee. Moriarty é um designer de origem aborígene que difunde sua arte natal de diversas formas, desde quadros até a criação de logotipos e projetos artísticos em geral. Lee é um talentoso pintor que usa a técnica da aerografia. Juntos eles ficaram mundialmente conhecidos ao criar pinturas exclusivas para os aviões da Qantas, companhia aérea australiana.

Dulon pediu então aos dois que fizessem uma pintura especial no Twingo, algo que, nas palavras dele, faria com que o carro “nunca se esquecesse da Austrália”. Assim foi feito, e o modelo tornou-se duplamente único: primeiro pela façanha de percorrer a Austrália e, depois, pela aparência exclusiva, assinada pela famosa dupla de artistas.

Dupla de artistas fez pintura especial no Renault Twingo  — Foto: Divulgação
Dupla de artistas fez pintura especial no Renault Twingo — Foto: Divulgação

O jornalista gostou tanto do resultado e afeiçoou-se ao carrinho de tal forma que o levou de volta à França, onde continuou a usá-lo normalmente. Até que, em 2016, quando o Twingo já tinha 250 mil km rodados, o Museu Nacional da Austrália, instalado em Camberra, perguntou a Dulon se ele não gostaria de vendê-lo.

E hoje o “Twingo Aborígene” faz parte da exposição permanente Talking Blak to History, desenvolvida para tratar dos primeiros povos australianos. Segundo o museu, a mostra “revela sentimentos diversos sobre as conexões com o país e a perda e a tristeza provocadas pela colonização. Conta histórias de sobrevivência e resistência, e de superação da dor por meio da reconciliação e da revelação da verdade”.

Antes de se mudar definitivamente para a Austrália, porém, o Twingo ganhou ainda mais fama na França ao protagonizar um comercial de TV da Renault. Nele o narrador dizia: “O Twingo é como um bumerangue: mesmo indo longe, ele sempre consegue voltar”.

Twingo hoje é peça de museu na Austrália — Foto: Divulgação
Twingo hoje é peça de museu na Austrália — Foto: Divulgação

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