Publicidade

Quem escreve

Futuro

Promessas de Prometeu

O futuro está escrito no DNA e não nas estrelas

“Nosso destino está nos nossos genes e não nas estrelas”, disse James Watson, co-descobridor do DNA humano com Francis Crick, em 1953. Porém Watson não teria como prever a escala em que a ciência estaria no século seguinte em busca de quebrar fronteiras, e responder a tantas questões, novas e velhas. Seria de nos perguntarmos, sobretudo após o desenvolvimento de grandes projetos em genoma e descobertas científicas, a partir dos quais nos foi prometido não apenas cura, mas caminhos radicais para entendermos onde estamos, e para onde vamos, o que nos espera neste futuro próximo.

Diante da pandemia da Covid19, e das outras que sabidamente virão, e de par com o recrudescimento de doenças como sarampo, tuberculose, e da perversa manutenção de doenças milenares como a hanseníase, como olhamos hoje o surgimento da varíola dos macacos (monkeypox)? Enfermidade de há muito conhecida, originada de roedores africanos, causadora de surtos, inclusive em 2003 em onze estados norte-americanos, a partir de então ficou restrita ao continente africano. Com o surto de 2022, com alguns milhares de casos em vários países, um novo cenário se revela. Que fatores seriam os responsáveis por essa reemergência?

A virologista Clarissa Damaso em editorial na revista The Lancet Américas recentemente publicado, nos diz que, como pano de fundo propiciador para explicar o fenômeno biológico atual, poderíamos associar a descontinuação da vacinação para varíola, ao surgimento de outras doenças zoonóticas, (como a Covid-19) fruto da invasão do homem em habitats de floresta, e ainda a superpopulação de algumas áreas urbanas.

Em Hesíodo (750 AC), na inesgotável mitologia grega, aprendemos o mito de Prometeu, que junto a Epimeteu seu irmão, receberam a incumbência de criar seres vivos e o homem. Ao finalizar a criação de animais e dando a cada um as características necessárias à sobrevivência, só sobraria o barro para a tarefa de criar o homem. Matéria frágil, sem chance frente às demais espécies. Para sobreviver teria que obter o fogo. Prometeu roubou o fogo dos deuses e o deu ao homem, portanto assegurando a desejada superioridade. Conhecemos a fúria de Zeus e seu castigo, acorrentando Prometeu ao rochedo no Cáucaso onde uma águia vinha diariamente lhe comer o fígado, que se regenerava. Por muitos anos, até a chegada de Hércules, que o liberta das correntes. Seria assim o sentimento de dúvida que nos traz o presente momento: temos o fogo, e como faremos para administrar seu uso correto e justo em prol do bem comum?

As últimas décadas foram seguramente as mais extraordinárias para a ciência, concentrando o que não se deu durante séculos. A linguagem científica está incorporada à cultura. Difícil passar um dia em que não falemos de termos como “nosso DNA, seleção natural, pesquisas”. Diante de tantas novas questões e crônicas angústias, há que se entender o mito de Prometeu, como o demarcador de tempo que marca o nascimento da humanidade e de sua capacidade de se apropriar de conhecimento. Como o fez nosso ancestral Homo erectus, no pleistoceno, há cerca de 500 mil anos, dominado a tecnologia do fogo no período paleolítico. Ao migrar da África para a Europa e Ásia, o homem sai da caverna para a conquista do planeta. Autodetermina-se em seu destino e se liberta da chancela dos deuses, para criar, criticar, abstrair, e para dominar complexos modelos de cognição, conforme nos demonstra a neurociência, por exemplo.

Diante do que estamos vivendo, o que seria de fato o prelúdio de um novo amanhecer que não a espera de uma longa noite e o nascer do sol, sob um novo dia? Prometeu está livre, não carecemos de Hércules, somos o barro com o sopro da vida, coração e cérebro para criar, e se enternecer. Nem a biologia ou a sociologia poderão ter a última palavra sobre nada; só a nossa consciência e a capacidade de olhar o outro.

Leia também