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Izadora Fernandes

A força da poesia de Minas em Barcelona

Poetas Mineiros em Barcelona

    Da esquerda para direita: Ricardo Aleixo, Nivea Sabino, Mariana de Matos, Leo                Gonçalves, Renato Negrão, Ana Martins Marques e Ana Elisa Ribeiro

(Por Izadora Fernandes) 

A poesia carrega em si a capacidade de nos fazer relacionar de outras formas com temas cotidianos. Um mapa, uma fotografia, um bilhete de ônibus, qualquer objeto que seja tema de um poema será visto de outra maneira quando o leitor/público (atento) o observar. Talvez seja isso o que se espera ao adentrar um espaço destinado às práticas poéticas: Extrapolar os limites do que sabemos. E, no entanto, há algo mais. Há o contexto de vida dos homens e mulheres que escrevem poesia. Não falo da esfera do talento, aptidão ou qualquer adjetivo que queira resumir o ato de escrever poesia, me interessa observar como a história de vida de um autor ou autora pode ser tão impactante quando somada à sua escrita. Sendo esse autor ou autora um sobrevivente do Brasil de agora, a conversa fica ainda mais estimulante. Que fique claro, quando os chamo de sobreviventes me refiro à prática de querer ou precisar se sustentar a partir do ofício da escrita no Brasil, um país nada generoso com seus escritores ou com qualquer pessoa vinculada ao fazer artístico, desde sempre e bem pior nos últimos quatro anos.

Foi numa mescla de história pessoal e versos inspirados que decorreram os três dias dedicados à poesia de Minas Gerais e da Catalunha, na Casa América Catalunya, em Barcelona. E foi diante de um público admirado tanto pela delicadeza, quanto pelo atravessamento, tanto pela composição, quanto pelo improviso, tanto pela diversidade, quanto pelo pertencimento, que os poetas falaram de si, contaram sobre suas origens, sobre seus antepassados, sobre o bairro onde moram; e também falaram sobre timidez, humor, cabelos brancos na idade madura e outros tantos e diversos temas. Falaram do passado e do presente, e juntos desejaram um futuro (coisa que um grito final, no último dia do evento, sintetizou). Talvez seja essa uma característica do agora; contar sobre os tijolos usados na construção. Mas seria uma característica mundial? Ou seria uma característica do artista brasileiro, que faz uso da explanação pessoal para se contrapor a um sistema político violento que se opõe de maneira nada sutil a seu ofício?  Fico com a segunda porque me parece bem óbvia a impossibilidade de não se revelar sendo um escritor, um poeta, um artista brasileiro. Ainda que, se permanecêssemos ali por três dias, numa sequência vigorosa de leitura e fala poética, a poesia decerto teria desempenhado seu papel com esmero e teria contado ao público catalão sobre o Brasil de hoje. No entanto, para aqueles autores e autoras, o corpo, a fala, o gesto, também são parte dessa construção. Suas histórias de vida, suas mazelas, seus prêmios, seus livros, tudo é parte desse arranjo: Poetas, poesia, Brasil.

 A outra pergunta que faço é: Teriam os poetas que se despir da mesma forma, caso o evento tivesse ocorrido em território nacional? Acredito que sim, que tudo seria igual, exceto pelo espanto da plateia estrangeira que não tem a menor ideia do que seja viver no Brasil, o roteiro teria chance de ser exatamente o mesmo. Porque é inevitável não se colocar na linha de frente quando se está numa guerra. O que quero dizer é que precisamos do poema, mas também do despir-se de quem o escreve. E, nesse caso, as histórias pessoais quando bem contadas somam e dão um fino acabamento ao que se quer mostrar, nos aproxima do outro e nos gera empatia. O reconhecimento de si através daquele que está no palco, que está na mesa de conversa, é algo de uma dimensão poderosa, e os poetas sabem disso. Estiveram atentos, foram generosos, entenderam que é preciso esmiuçar o país para além de esmiuçar o poema, e assim o fizeram.

O opressor se mostra o tempo todo, não está para brincadeira, ainda que pareça brincar. Aos poetas cabe soltar a fala e resistir ao opressor.

Dado o momento triste e caótico que vive o Brasil, já é um feito da maior importância atravessar um oceano e mostrar a poesia de um determinado estado brasileiro, a plenos pulmões, nesse início de 2022. Quando esse evento alcança um público considerável, emociona e propõe reflexões, digamos, menos autocentradas, a um público de outro continente, torna-se muito maior do que se propunha originalmente. Com a presença de sete poetas mineiros e três catalães, o evento contou com seis mesas de conversas e um sarau performático no último dia, este executado com maestria, de forma totalmente heterogênea pelo grupo participante. De Minas Gerais: Ana Elisa Ribeiro, Ana Martins Marques, Leo Gonçalves, Mariana de Matos, Nívea Sabino, Renato Negrão e Ricardo Aleixo. Da Catalunha: Victor Sunyol, Ester Xargay e Miriam Cano.  

 

(Izadora Fernandes é produtora cultural, leitora, e desde 2016 desenvolve projetos literários pautados por temas relativos à diversidade e representatividade. Ao lado de Renato Negrão, foi curadora do projeto Confluências Poéticas, realizado em Barcelona, em abril de 2022, com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte.)

 

 

 

 

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