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Bibliotecas

Pierre Ruprecht, da SP Leituras, fala sobre o fechamento de bibliotecas públicas no Brasil

Pierre Ruprecht

A matéria da jornalista Thais Carrança, da BBC News em São Paulo, publicada em 16 de julho de 2022 toca numa ferida real e aborda um assunto extremamente importante. A despeito da falta de dados atualizados na maior parte do país, é fato que o número de bibliotecas públicas tem diminuído sensivelmente. Parte desta diminuição pode ser atribuída à pandemia, mas estruturalmente o problema é anterior: a combinação de uma crise econômica desde 2015 com a inexistência de uma política pública nacional efetiva (e em muitos casos estadual e municipal – uma vez que quase a totalidade das bibliotecas públicas são de governança dos municípios).

Onde a matéria leva a uma conclusão duvidosa, contudo, é quando afirma em destaque que SP e MG foram os estados que mais fecharam bibliotecas. 

Adriana Ferrari, vice-presidente da Febab toca no nervo ao dizer, no corpo da matéria, que há fragilidade nos dados disponibilizados pelo Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, porque não há efetivamente uma coleta direta de dados: no sistema são registrados dados fornecidos pelos sistemas estaduais, sendo que alguns estados têm coleta mais eficaz (e dentre eles São Paulo e Minas) que outros, que têm sistemas mais frágeis.

O sistema de São Paulo, por exemplo, coleta anualmente informações, a partir de questionários respondidos voluntariamente pelas bibliotecas locais (bibliotecas que não respondem o questionário podem estar ativas, mas não são computadas como tal). Minas Gerais, segundo a matéria, atualiza a cada quatro anos. Provavelmente há sistemas estaduais que coletem menos frequentemente, e segundo critérios muito diferentes. É muito diferente coletar informações através de questionários voluntários ou de levantamento por meio, por exemplo, dos decretos que instituem ou encerram bibliotecas. Sabe-se da existência de bibliotecas que “existem por decreto”, mas que na prática não estão ativas, às vezes por muitos anos. Portanto, a comparação Estado a Estado não pode ser feita com base nos dados fornecidos pelo SNBP porque, antes de qualquer consideração, os critérios de coleta não são estabelecidos de modo uniforme, e nem em períodos uniformes, e o Sistema Nacional simplesmente agrega informações dadas pelos sistemas estaduais a partir de coletas com critérios muito diferentes entre si. Provavelmente SP esteja sendo penalizado justamente porque mantem, desde há muitos anos, dados anuais atualizados de bibliotecas públicas efetivamente ativas. 

(Lembremos que o SisEB (o Sistema de Bibliotecas Públicas do Estado de São Paulo), é o mais ativo do país, com muitas ações de capacitação realizadas em todo o Estado que, juntas, atendem inclusive público de praticamente todas as unidades da Federação. Ainda tem alguma atividade de compra de acervo para as bibliotecas públicas, realiza o programa Viagem Literária todos os anos, atendendo de 50 a 100 municípios, dependendo do ano, publica o Notas de Biblioteca, realiza desde 2008 o Seminário Internacional de Bibliotecas Públicas e Comunitárias (o Biblioteca Viva), apoia entidades que desenvolvem projetos piloto de extensão bibliotecária (como ações de leitura em prisões, bibliotecas comunitárias, ações de leitura em asilos, contraturnos escolares, etc.etc. que possam ser replicados por bibliotecas locais). Além disso acaba de incorporar uma Biblioteca Digital (a BibliON) para trabalhar em conjunto e complementar a oferta de serviços das bibliotecas públicas municipais e das bibliotecas comunitárias no Estado.)

Quanto ao principal, os motivos da queda no número de bibliotecas: no caso das Bibliotecas Públicas no Brasil, (que são em sua quase totalidade de governança municipal), há um evidente descaso do governo federal com as mesmas, e muitas vezes o mesmo se dá no nível municipal e estadual. Basta verificar que um enorme contingente de bibliotecas públicas sequer conta em seus municípios com orçamento para atualização continua de acervos(como se bibliotecas públicas devessem viver de doações de acervos usados) ou para gestão e desenvolvimento de seus serviços, ou ainda programas de compra federais nos moldes da compra dos livros escolares. Bibliotecas públicas assim abandonadas, de fato perdem relevância para a população e tendem a fechar. 

Por outro lado, bibliotecas públicas apoiadas por seus gestores em todas as esferas, e que de fato se inserem em seus territórios servindo como plataformas de encontro, como “praças públicas” para troca de conhecimento, cultura e entretenimento e que tenham a possibilidade de integrar serviços físicos e digitais, e funcionar  como espaços de apoio ao desenvolvimento das comunidades que atendem, tendem a aumentar seu alcance. E isto é verdade aqui e em todo o mundo. 

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