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Mortes por Covid-19

Documento questionando mortes por Covid citado por Bolsonaro lembra outras teorias conspiratórias

Getúlio Vargas na inauguração do prédio do MEC em 1945, quando era ditador do Estado Novo

A decisão de um servidor bolsonarista que incluiu no sistema do Tribunal de Contas da União um documento falso, com o objetivo de lhe aferir legitimidade, tem dois precedentes históricos importantes na extrema direita. Um, internacional, o outro nacional. No caso atual, o auditor distorceu números numa planilha para fazer parecer que o TCU questionava o número real de mortes por Covid no país. O presidente Jair Bolsonaro citou o documento na segunda-feira. O truque foi rapidamente percebido e logo desmontado, e o servidor deve ser ouvido na CPI da Covid-19. Nos dois outros casos no passado, as consequências foram muito piores.

O primeiro exemplo é internacional, um livreto publicado pela primeira vez em 1902 com o título "Os Protocolos dos Sábios do Sião". A Rússia, na virada do século, era o regime mais fechado da Europa, e o tzar ainda reinava como monarca absolutista. Era também onde vivia a maior população judaica do continente, que tinha ambições de autogestão. Nesta comunidade o nível de educação era alto e havia muita entrada de ideias liberais e marxistas. No resto do país, alto e antiquíssimo era o antissemitismo.

Os "Protocolos", um documento inteiramente falsificado, se apresentava como as atas secretas de um congresso judaico que fazia parecer que eram judeus que estavam no comando do capitalismo mundial e, portanto, no sofrimento de uma imensa população paupérrima. Hoje, boa parte dos indícios aponta o comandante do Serviço Secreto Russo em Paris como principal suspeito de ser o autor. Usado como prova legal de conspiração, serviu de subterfúgio à polícia tzarista e, depois, ao nazifascismo europeu. A essência da história ecoa tanto que até hoje ainda ressoa em teorias conspiratórias da extrema-direita, como a que coloca o investidor George Soros — um liberal — como um dos principais inimigos do populismo autoritário.

O segundo exemplo é brasileiro — o Plano Cohen. Este tem autoria conhecida e confessa, era o capitão Olympio Mourão Filho, número dois do Serviço de Informações do Exército em 1937. O texto se fazia parecer com um plano de revolução comunista no Brasil e, como nome sugere, tinha fortes cores antissemitas.

Mourão era integralista — o fascismo brasileiro. Mas quem se aproveitou do texto foi o Ministério da Guerra que, plenamente ciente de ser falso, o usou como pretexto para ajudar Getúlio Vargas a se tornar ditador no Golpe do Estado Novo. Como o tzar, os integralistas tinham também por inimigos declarados, simultaneamente, comunistas e liberais. E, como no caso dos Protocolos, o Plano Cohen também encontra ecos na extrema-direita brasileira até hoje, convencida de que há risco duma revolução comunista.

Mourão Filho, já feito general, foi o primeiro a colocar tropas nas ruas no golpe militar de 1964. Em ambos os casos, de dentro do governo, tentou-se dar legitimidade a documentos usando os ritos da burocracia oficial. Eram, estes documentos, sabidamente falsos. Mas o objetivo era fazer com que parecesse verdade — a mentira, com cara de verdade, traz ganho político.

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