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HÁ 5 ANOS

Alan Kurdi: A história por trás da foto que fez o mundo despertar para a crise dos refugiados

Socorrista turco próximo ao corpo do menino Alan Kurdi, em Bodrum

Ainda estava escuro quando a família do pequeno Alan Kurdi embarcou na cidade de Bodrum, na Turquia, nas primeiras horas daquela quarta-feira. A criança de 3 anos de idade estava acompanhada de seu irmão, Galib, de 5 anos, a mãe, Rehan, e o pai, Abdulah. O plano da família de refugiados sírios era chegar à ilha grega de Kos, entrando ilegalmente em solo europeu. Para isso, porém, teriam que navegar por quatro quilômetros, à noite, no perigoso Mar Egeu, em um bote inflável que tinha capacidade para oito pessoas, mas que carregava um total de 16 almas. Cinco minutos após deixar a praia, a embarcação virou, jogando todos na água.

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Na manhã daquele dia 2 de setembro de 2015, a fotógrafa turca Nilüfer Demir, que trabalhava na agência de notícias DHA, estava na praia de Ali Hoca, em Bodrum, clicando um grupo de paquistaneses enquanto eles também partiam, clandestinos, em direção à Europa. Foi quando ela avistou o corpo do menino Alan, deitado de bruços, o rosto colado na areia molhada. Depois de alguns segundos em choque, Nilüfer sacou sua câmera e começou a registrar a cena, enquanto os socorristas recolhiam o garoto. Aquelas imagens circularam o mundo, gerando enorme comoção e fazendo o Ocidente despertar para a crise migratória no Oriente Médio. Até hoje, a foto de Alan é tida como símbolo do drama dos refugiados sírios.

Trecho da primeira página do GLOBO, no dia 3 de setembro de 2015

- O impacto da foto foi enorme. Embora a guerra civil na Síria já estivesse, na época, internacionalizada, com diferentes países do próprio Oriente Médio e de fora apoiando facções em conflito, foi a primeira vez que a Europa, o Ocidente em geral, e nós mesmos, no Brasil, prestamos atenção na tragédia humanitária que se desenrolava - analisa a jornalista Claudia Antunes, à frente da editoria Mundo, do GLOBO.

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O editor-adjunto, Flavio Lino, lembra-se bem do impacto que lhe causou ver a foto do menino morto na beira do Mar Egeu.

- A imagem tinha um apelo emocional muito forte, personalizava uma tragédia que a gente estava vendo se desenrolar. Era uma síntese da catástrofe humanitária que atingia centenas de milhares de pessoas - avalia o jornalista. - A foto não me saiu da cabeça por vários dias.

O pai de Alan, Abdulah, chora no dia seguinte ao naufrágio

Da família Kurdi, apenas o pai sobreviveu ao naufrágio. Eles teriam pago cerca de 5 mil euros pela travessia, mas, segundo Abdulah contou em entrevistas, não havia o mínimo de segurança para realizar a viagem. Além da superlotação do bote, eles teriam recebido coletes salva-vidas falsos, que não boiavam. O pai dos meninos mortos disse que o "capitão" do barco fugiu após o acidente no mar. Entretanto, uma iraquiana que também estava a bordo, e que perdeu seus dois filhos naquela noite, relatou uma versão diferente dos fatos. A um canal de TV, ela contou que o próprio Abdullah lhe foi apresentado como capitão e que era ele quem estava pilotando a embarcação. O sírio, por sua vez, negou todas essas acusações.

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Reportagens da época mostraram que os traficantes de humanos, para não correr riscos, usavam refugiados para desempenhar funções nas viagens clandestinas. Em março deste ano, quase cinco anois daquela tragédia, três traficantes de pessoas foram condenados, na Turquia, a 125 anos de prisão pela morte do garoto e dos outros passageiros que perderam a vida naquele episódio de cinco anos atrás.

Os irmãos Alan e Galib Kurdi

Assim como a família de Alan, que deixou a cidade de Kubani em junho de 2015 para fugir da guerra civil na Síria, milhões de pessoas já saíram do país no Oriente Médio por causa do conflito que assola o território sírio desde 2011, num dos maiores movimentos migratórios da História. Segundo a jornalista Claudia Antunes, experiente na cobertura de assuntos internacionais, a crise humanitária gerada pela guerra teve grande impacto na política europeia. Líderes de extrema-direita em diferentes países ganharam poder ao explorar o medo das consequências que essa onda de refugiados poderia causar na economia do Ocidente. Desde 2015, leis foram aprovadas e medidas administrativas foram tomadas para frear esse fluxo.

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- Na Alemanha, que recebeu 1,5 milhão de refugiados em 2015, o cenário catastrófico de violência e de custos econômicos previsto pela direita na época não se concretizou - comenta a editora. - Uma reportagem do último fim de semana do jornal britânico "Guardian" mostra que 10 mil jovens imigrantes daquela leva entraram em universidades, que mais da metade do total do grupo trabalha e paga impostos e que a criminalidade na Alemanha caiu nos anos recentes.

Desenho compartilhado nas redes em homenagem a Alan Kurdi

Cinco anos após a tragédia da família Kurdi, uma tia de Alan e Galib que mora no Canadá está ajudando uma ONG na Alemanha a lançar uma campanha. A organização Sea-Eye, que atua para resgatar refugiados do mar e impedir que eles se afoguem, já batizou uma embarcação de Alan Kurdi. Agora, o grupo arrecada dinheiro para outro barco, que será batizado de Galib Kurdi.  Segundo a ONG, mais de 20 mil pessoas já morreram tentando atravessar o Mar Mediterrâneo para chegar à Europa.  Tima Kurdi está ajudando a divulgar o pedido de recursos.

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- Foi necessária uma imagem. A imagem de um menino na praia, Alan Kurdi, para nos tornar humanos. Cinco anos depois, hoje, pessoas do mundo todo continuam a sofrer. E está ficando pior, não está melhor. E eles estão pedindo ajuda - disse a tia das crianças durante uma coletiva de imprensa, em Frankfurt, nesta terça-feira. - Precisamos colocar a vida humana antes de dinheiro e política. Cabe a nós mudar a situação. Por isso, não vamos parar de salvar vidas no mar.
Para o fotojornalista André Sarmento, editor de fotografia do GLOBO, apesar de a imagem ter sido alçada à condição de símbolo de uma tragédia humanitária, a mobilização popular em torno da morte de Alan Kurdi foi apenas virtual. 
- A foto causou uma falsa sensação de engajamento e poder de mudança. Se, antigamente, uma imagem tinha o poder de mobilizar protestos com milhares de pessoas nas ruas, pressionando políticos e influenciando a opinião pública pelo fim da Guerra do Vietnã, por exempo, no caso da triste imagem do Alan Kurdi, o maior envolvimento foi virtual - analisa Sarmento. - O simples compartilhamento da imagem nas redes sociais com uma legenda ou emoji triste funcionou para que o peso na consciência das pessoas em relação à crise humanitária na Síria estivesse aplacado. Ainda é cedo para falar que a imagem não tem mais o mesmo poder de antes mas, neste caso, não influenciou o rumo dos acontecimentos.
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