Ainda estava escuro quando a família do pequeno Alan Kurdi embarcou na cidade de Bodrum, na Turquia, nas primeiras horas daquela quarta-feira. A criança de 3 anos de idade estava acompanhada de seu irmão, Galib, de 5 anos, a mãe, Rehan, e o pai, Abdulah. O plano da família de refugiados sírios era chegar à ilha grega de Kos, entrando ilegalmente em solo europeu. Para isso, porém, teriam que navegar por quatro quilômetros, à noite, no perigoso Mar Egeu, em um bote inflável que tinha capacidade para oito pessoas, mas que carregava um total de 16 almas. Cinco minutos após deixar a praia, a embarcação virou, jogando todos na água.
Pesquise páginas do jornal desde 1925 no site do Acervo O GLOBO
Na manhã daquele dia 2 de setembro de 2015, a fotógrafa turca Nilüfer Demir, que trabalhava na agência de notícias DHA, estava na praia de Ali Hoca, em Bodrum, clicando um grupo de paquistaneses enquanto eles também partiam, clandestinos, em direção à Europa. Foi quando ela avistou o corpo do menino Alan, deitado de bruços, o rosto colado na areia molhada. Depois de alguns segundos em choque, Nilüfer sacou sua câmera e começou a registrar a cena, enquanto os socorristas recolhiam o garoto. Aquelas imagens circularam o mundo, gerando enorme comoção e fazendo o Ocidente despertar para a crise migratória no Oriente Médio. Até hoje, a foto de Alan é tida como símbolo do drama dos refugiados sírios.
- O impacto da foto foi enorme. Embora a guerra civil na Síria já estivesse, na época, internacionalizada, com diferentes países do próprio Oriente Médio e de fora apoiando facções em conflito, foi a primeira vez que a Europa, o Ocidente em geral, e nós mesmos, no Brasil, prestamos atenção na tragédia humanitária que se desenrolava - analisa a jornalista Claudia Antunes, à frente da editoria Mundo, do GLOBO.
Grécia entra em alerta após milhares de refugiados cruzarem fronteira
O editor-adjunto, Flavio Lino, lembra-se bem do impacto que lhe causou ver a foto do menino morto na beira do Mar Egeu.
- A imagem tinha um apelo emocional muito forte, personalizava uma tragédia que a gente estava vendo se desenrolar. Era uma síntese da catástrofe humanitária que atingia centenas de milhares de pessoas - avalia o jornalista. - A foto não me saiu da cabeça por vários dias.
Da família Kurdi, apenas o pai sobreviveu ao naufrágio. Eles teriam pago cerca de 5 mil euros pela travessia, mas, segundo Abdulah contou em entrevistas, não havia o mínimo de segurança para realizar a viagem. Além da superlotação do bote, eles teriam recebido coletes salva-vidas falsos, que não boiavam. O pai dos meninos mortos disse que o "capitão" do barco fugiu após o acidente no mar. Entretanto, uma iraquiana que também estava a bordo, e que perdeu seus dois filhos naquela noite, relatou uma versão diferente dos fatos. A um canal de TV, ela contou que o próprio Abdullah lhe foi apresentado como capitão e que era ele quem estava pilotando a embarcação. O sírio, por sua vez, negou todas essas acusações.
Foto de pai e filha mortos simboliza drama da migração centro-americana
Reportagens da época mostraram que os traficantes de humanos, para não correr riscos, usavam refugiados para desempenhar funções nas viagens clandestinas. Em março deste ano, quase cinco anois daquela tragédia, três traficantes de pessoas foram condenados, na Turquia, a 125 anos de prisão pela morte do garoto e dos outros passageiros que perderam a vida naquele episódio de cinco anos atrás.
Assim como a família de Alan, que deixou a cidade de Kubani em junho de 2015 para fugir da guerra civil na Síria, milhões de pessoas já saíram do país no Oriente Médio por causa do conflito que assola o território sírio desde 2011, num dos maiores movimentos migratórios da História. Segundo a jornalista Claudia Antunes, experiente na cobertura de assuntos internacionais, a crise humanitária gerada pela guerra teve grande impacto na política europeia. Líderes de extrema-direita em diferentes países ganharam poder ao explorar o medo das consequências que essa onda de refugiados poderia causar na economia do Ocidente. Desde 2015, leis foram aprovadas e medidas administrativas foram tomadas para frear esse fluxo.
Portugal investiga ameaças de morte da extrema-direita contra deputadas
Américas se tornam maior drama de refugiados no mundo, diz ONU