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Brasil

Entenda como AI-5 foi o maior golpe da ditadura militar contra a democracia

O ministro da Justiça, Luís Antônio Gama e Silva, ao lado do locutor Alberto Curi, durante leitura do AI-5

Imagine como seria se ninguém no Brasil pudesse criticar o governo. Se ninguém pudesse organizar ou mesmo participar de manifestações nas ruas e nem mesmo estender uma faixa contrária ao presidente. Um país em que todo político, jurista, professor ou pensador crítico do poder público estivesse banido. Onde a imprensa e a classe artística tivessem que submeter todo seu trabalho a um órgão censor. Onde o trabalho de procuradores para investigar políticos estivesse cerceado. E onde a população jamais seria informada sobre esquemas de corrupção envolvendo gestores públicos, já que qualquer reportagem nesse sentido seria censurada.

Discurso de deputado crítico dos militares foi a 'gota d'dágua' para o AI-5

Assim era o Brasil a partir de 13 de dezembro de 1968, quando o militar Artur da Costa e Silva, segundo presidente da ditadura, impôs o Ato Constitucional de número 5 (AI-5), suspendendo as liberdades individuais dos brasileiros, fechando o Congresso Nacional, cassando dezenas de parlamentares e dando poderes plenos ao presidente para nomear interventores para governar estados e municípios.

"Editado o Ato 5", informou O GLOBO no dia 14 de dezembro em letras garrafais, na primeira página. Abaixo, vinham enumeradas as "novidades" decretadas pelo documento: "congresso em recesso, confisco de bens, suspensos os habeas corpus políticos, restabelecidas as cassações e liquidada a vitaliciedade". Considerado por historiadores um golpe dentro do golpe (de 1964), o AI-5 foi uma carta branca para o governo punir como bem entendesse os seus opositores políticos.

Colunistas do GLOBO relembram dia que abriu período mais duro do regime

Durante seus dez anos de vigência, o documento fundamentou a cassação de 110 deputados federais e de sete senadores, de 161 deputados estaduais, 22 prefeitos e 22 vereadores. No total, essas cassações descartaram arbitrariamente mais de seis milhões de votos no país. Por meio do AI-5, também foram cassados três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), além de professores universitários e pesquisadores. Todos críticos ao regime militar. Qualquer cidadão acusado de crime político poderia ser preso sem direito a habeas corpus. Centenas de pessoas foram presas sem justificativa ou direito a defesa, por tempo indeterminado.

AI-5 levou golpe de 1964 às últimas consequências, escreveu deputado cassado

— Entre 1964 e 1968, a população ainda experimentava relativa liberdade no regime militar. A linha-dura foi ganhando força, ocupando espaços. Ela tinha um projeto político nacionalista, que trabalhava com a ideia de transformar o Brasil em uma potência. Mas queria eliminar os opositores, excluir as vozes dissonantes. Trabalhava com a ideia de resgate dos valores tradicionais, falava em regeneração da nação, e o AI-5 representa em última instância a vitória desse projeto — afirma o professor e historiador Adriano de Freixo, do Núcleo de Estudos Estratégicos (Nest/UFF).

Primeira reunião do Conselho de Segurança após o AI-5, no Palácio Laranjeiras

Pesquisador do Centro de Documentação Pública da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV), o professor Sérgio Praça lembra que o AI-5 acabou com a pretensão de setores minoritários das Forças Armadas, representados anteriormente pelo presidente Castelo Branco, que pretendiam devolver o poder rapidamente aos civis. Ele destaca também que o AI-5 foi utilizado para legitimar uma série de práticas que não estavam expressamente declaradas nele.

— Àquela altura, havia clareza sobre três coisas: que os civis não voltariam ao poder tão cedo, que a liberdade política tinha sofrido um baque enorme e que a imprensa estaria sujeita à censura prévia. As incertezas eram sobre quanto tempo o congresso ficaria fechado e se haveria tortura ou não. O AI-5 foi decisivo para o uso desenfreado da tortura, porque era a legislação que, tacitamente, permitia isto. Ele não dizia que podia torturar sem problemas, dava um entendimento de que tudo era permitido para perseguir os comunistas nos meios sociais — analisa Praça.

O pesquisador lembra ainda que Costa e Silva esteve próximo de ser presidente antes, mas perdeu a disputa para Castelo Branco que, na ocasião, assumira o posto com o desejo de entregar o poder brevemente aos civis. Mas, aos poucos, os defensores desta tese, os castelistas, que eram minoritários, foram perdendo força. 

— O AI-5 sepulta a pretensão dos castelistas, que pretendiam seguir a Constituição. Costa e Silva assumiu o cargo com o desejo de permanecer bastante tempo e conseguiu seguir seu plano. Essa é uma dimensão subvalorizada do fato: ele teve habilidade política suficiente para isto. Poderia não ter conseguido — conclui.

O congresso permaneceu fechado por 10 meses: seria reaberto apenas em outubro de 1969, para a realização das eleições presidenciais que acabariam conduzindo Emílio Garrastazu Médici à presidência e elegendo o vice Augusto Rademaker.

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