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O passado com um pé no presente.

Informações da coluna

William Helal Filho

Jornalista formado pela PUC-Rio em 2001. Entrou na Editora Globo pelo programa de estágio, foi repórter e editor. Hoje é responsável pelo Acervo.


A juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina — Foto: Reprodução/Agência Alesc
A juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina — Foto: Reprodução/Agência Alesc

Uma menina de 11 anos de idade que descobriu estar grávida após um estupro foi mantida em um abrigo público por determinação da juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina, para evitar que a criança fosse submetida a um aborto.

Em sua decisão, a magistrada argumentou que, como a gestação da vítima só foi identificada com 22 semanas, o prazo para a realização de um aborto legal havia se encerrado. Mas a legislação que garante a interrupção de gravidez decorrente de violência sexual estabelece uma janela de tempo para o procedimento?

Historicamente, a terminação voluntária de uma gestação nunca foi permitida no Brasil. A legislação atual sobre o tema data de 7 de dezembro de 1940, durante a ditadura do Estado Novo, quando o então presidente da República, Getúlio Vargas, assinou o decreto-lei 2.848, promulgando o Código Penal em vigor até hoje.

O Código Penal determina que, no Brasil, aborto é "crime contra a vida", com punição prevista para a mulher que se submete ao procedimento por vontade própria e para quem o realiza. A legislação de 1940, porém, abre duas exceções, permitindo a terminação da gravidez quando houver riscos para a vida da mulher e em casos de gestação resultante de estupro. Em 2012, o julgamento de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu também o aborto em casos de fetos anencéfalos.

Textualmente, o Código Penal não estabelece nenhum prazo para a terminação da gravidez. O artigo 128 do documento estabelece apenas que "não se pune o aborto praticado por médico" em duas situações: aborto necessário ("se não há outro meio de salvar a vida da gestante") e aborto em caso de gravidez resultante de estupro ("se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal").

Segundo a norma técnica do Ministério da Saúde que orienta o atendimento, a vítima de estupro não precisa levar ao hospital autorização judicial, laudo atestando a violência e nem mesmo um boletim de ocorrência policial. A ordem é confiar no relato da mulher ou, no caso de incapaz, de seu (sua) responsável.

Entretanto, na prática, paira uma dúvida quando se está diante de uma vítima de estupro com mais de 21 semanas de gestação. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo publicou, em setembro de 2018, uma cartilha sobre aborto legal na qual define que a gestação decorrente de violência sexual pode ser interrompida "até a 20ª ou 22ª semana de gestação, com peso do feto previsto de até 500 gramas". Contudo, a Defensoria Pública do Estado do Rio entende que, como a lei não impõe limite cronológico, o serviço público também não deve levar isso em conta.

- O que zera todas essas dúvidas é a própria lei, que não define o tempo para a realização do procedimento - afirma a coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Públicado do Rio, Flávia Nascimento. - Existem duas hipóteses para a realização do aborto legal no Brasil. Numa tragica coincidencia, o caso dessa menina de Santa Catarina reúne ambas as hipóteses, já que ela foi estuprada e tem um corpo de criança, despreparado para a gestação.

A norma técnica do Ministério da Saúde que orienta os profissionais da área sobre o aborto pode estar gerando a confusão no meio jurídico. Segundo o documento, publicado em 2005, "abortamento é a interrupção da gravidez até a 20ª-22ª semana e com produto da concepção pesando menos que 500g". Entretanto, explica a defensora Flávia Nascimento, esta definição não deve servir de justificativa para impedir uma vítima de estupro de obter seus direitos.

- Esses limites se referem à forma do procedimento, e não podem ser usados como limitação do direito. Até porque uma norma técnica não é superior a uma lei. O profissional de saúde tem a obrigação de assegurar o direito da mulher - observa a especialista. - Essa menina, ao chegar no serviço de saúde, não recebeu o devido atendimento, que devia priorizar a proteção da criança. Pelo contrário, ela teve o seu direito negado, o que apenas suscitou mais violência.

Criança estuprada foi mantida em abrigo para impedir realização de aborto legal — Foto: Reprodução
Criança estuprada foi mantida em abrigo para impedir realização de aborto legal — Foto: Reprodução
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