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Holocausto

Sobrevivente de experimentos de Joseph Mengele volta a Auschwitz, 75 anos depois: 'Venci, temos um futuro"

A polonesa Jona Laks, de 90 anos, perto da entrada do Memorial de Auschwitz

Jona Laks podia sentir o cheiro de carne queimada enquanto caminhava em direção à morte no crematório do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. Há exatos 75 anos, ela foi uma das prisioneiras libertadas pelo exército soviético, no dia 27 de janeiro de 1945. Hoje aos 90 anos de idade, a sobrevivente está de volta ao local em que mais de 1 milhão de judeus foram mortos pelos nazistas liderados por Adolf Hitler e seu ministro da Propaganda, Joseph Goebbels. Desta vez, porém, Jona é uma das convidadas da cerimônia que vai marcar o aniversário da libertação do campo, a ser realizada no Memorial de Auschwitz-Birkenau.

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- Eu posso ver agora - disse ela, em entrevista à agência de notícias Reuters, olhando para o crematório onde foram queimados cadáveres de judeus assassinados em câmaras de gás. - Há 75 anos, vi faíscas na chaminé e pude sentir o cheiro da carne queimando. À medida que nos aproximamos, pude sentir que algo iria acontecer. Comecei a chorar. Não queria que minhas irmãs me vissem chorar.

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Aquele foi o campo de concentração mais temido durante o Holocausto Judaico da Segunda Guerra Mundial. Jona tinha 14 anos quando foi levada para Auschwitz, em 1944, com sua irmã gêmea, Miriam, e a irmã mais velha, Chana, do gueto judeu de Lodz, na Polônia ocupada. Enquanto esteve presa, ela e Miriam foram submetidas a um dos crueis experimentos conduzidos pelo médico da SS Joseph Mengele, o "anjo da morte". Além de liderar experiências terríveis com humanos, ele estava entre os que selecionavam vítimas para a câmara de gás.

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- Ainda está tão claro. Não consigo imaginar que já se foram 75 anos - disse Laks, falando devagar enquanto seu rosto se enchia de tristeza.

Nascida em 1930, na Polônia, a sobrevivente hoje mora em Israel, de onde saiu com a sua neta, Lee Aldar, de 28 anos, para participar da cerimônia. A cada passo da jornada, suas emoções se amontavam. "Devemos estar chegando mais perto", disse ela, olhando pela janela do carro para um céu cinzento acima das árvores nuas que ladeavam a estrada de Cracóvia a Oswiecim. Era possível perceber a apreensão no olhar da idosa, que reconheceu que estava realmente nervosa. Mas ela se manteve firma no propósito de preservar a memória daquele passado terrível.

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- Há quem não queira falar sobre isso. Eles querem deixar o passado para trás, é difícil reviver. Mas, nós somo os últimos sobreviventes. Se não falarmos e não contarmos o que houve, será esquecido como se nada tivesse acontecido.

Alojamento de prisioneiros em Auschwitz

Quando o veículo se aproximou do acampamento, Laks lembrou seus primeiros momentos lá. Antes de passar pelo portão de metal de Auschwitz, que ainda exibe a frase "Arbeit macht frei" ("O trabalho liberta"), Laks parou, de braços dados com a neta. Pelo portão estreito, muitas pessoas caminharam e nunca mais voltaram, ela lembrou, fazendo uma pausa em respeito àqueles que terminaram suas vidas de forma violenta, atrás daquelas cercas de arame farpado. 

- Parecia que era o fim do mundo, que tudo era sombrio, cruel, inexplicável - definiu a sobrevivente.

Com suas irmãs e milhares de outros judeus do gueto de Lodz, Jona foi transportada de trem. Eles foram forçados a entrar em carroças, sem janelas e quase sem espaço para se mover. A idosa acha que a jornada durou cerca de três dias. Quando eles chegaram, foram submetidos a uma triagem: enquanto se alinhavam na plataforma, um médico escolheria quem estava apto para o trabalho no campo e quem seria morto nas câmaras de gás. Aquele era o próprio Joseph Mengele. 

Jona Laks com sua neta no prédio onde funcionava o laboratório de Mengele

- Eventualmente, Mengele veio com seus cachorros e seu pau na mão, "esquerda, direita, esquerda, direita". Acho que ele nem estava olhando para as pessoas. Ele parecia entediado - relatou a polonesa com um leve sorriso de desprezo.

Enquanto realizava a triagem, o médico da SS famoso pela sua maldade também reunia cobaias para suas terríveis experiências, e ele tinha uma predileção por gêmeos. Segundo Jona, ele escolheu as irmãs dela para trabalhar e a enviou para morrer. Mas Chana implorou para não separar suas irmãs gêmeas. Então, ele aproveitou a oportunidade para angariar duas novas cobaias, e enviou um oficial da SS para recuperar Laks da fila do crematório.

- Às vezes me pergunto se animais poderiam sobreviver à crueldade desumana a que fomos submetidos - recordou-se, com pesar, enquanto caminhava em direção ao bloco número 10, que servia como laboratório de Mengele. - Eu não acho que eles poderiam.

Fora do Bloco 10, havia um pátio de execução, onde os prisioneiros eram, por vezes, encostados no "muro da morte" e baleados a sangue frio. A sobrevivente conta, que de dentro do prédio, ela podia ouvir os gritos daqueles que seriam assassinados. Mas, hoje, de pé com a neta do lado de fora do quartel fechado, Jona Laks foi dominado por uma sensação de triunfo. Anos depois de sua libertação, a polonesa fundou a Organização dos Gêmeos de Mengele. Em janeiro de 2015, quando o fim do campo de concentração completava 70 anos, ela se dirigiu à Assembleia Geral das Nações Unidas.

- Estou aqui com minha neta e superei. Venci a guerra. Temos um futuro.

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