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Entrevista

Manifestações geram ruídos que tornam mais difícil atrair investimentos, diz economista do Goldman Sachs

Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs

As manifestações de cunho antidemocrático patrocinadas pelo presidente Jair Bolsonaro, a despeito da retórica conhecida, geram ruídos que dificultam a atração de investidores estrangeiros que já estão afastados do país, avalia Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs.

Segundo Ramos, embora o mercado internacional confie na solidez das instituições democráticas brasileiras, a aposta do governo na fricção política retira o foco de reformas fiscais — com as quais, sob Bolsonaro, os investidores não contam mais, disse ele. 

O economista falou com O GLOBO por telefone de Nova York. 

Quais impactos econômicos as manifestações desta terça-feira tendem a ter? 

Sem fazer juízo valor sobre as manifestações em si, essa fricção do Executivo com diferentes instituições gera ruídos que tornam mais difíceis as decisões de investimento e de gasto. É difícil conviver com essa tensão permanente do governo com todos os outros poderes. Quem investe fica mais apreensivo. Esse é o canal de contágio macroeconômico desses ruídos.

O investidor internacional ainda tem esperança de que esse governo aprove reformas? 

O investidor espera muito pouco. E a verdade é que, se é para passar as reformas que estão aí, talvez seja melhor realmente nem passar… O que passa é tão desfigurado que não se pode nem chamar de reforma. Agora, o problema é que toda essa incerteza e polarização não vão se resolver no curto prazo e não há qualquer garantia de que o governo que vem será reformista. Não se vê muita luz no fim do túnel. Fica difícil investir no Brasil, a Bolsa já está até um pouquinho cara… 

O investidor estrangeiro teme que o Brasil deixe de ser uma democracia? 

Há uma narrativa do Bolsonaro que é conhecida, mas acredito que seja pequena a preocupação do investidor de que o país se torne uma autocracia. O investidor que conhece o Brasil sabe que as instituições ainda funcionam. O próprio ruído é reflexo da fortaleza das instituições, apesar do estresse. A razão de o estrangeiro não investir mais como antes não é o medo desse desvio. É o quadro macroeconômico, a polarização e os ruídos.

Mas a percepção dos investidores é que houve um avanço na retórica do rompimento institucional nas manifestações desta terça-feira?

Acho que o Bolsonaro nem avançou, nem recuou. Minha avaliação é que a visão que ele expôs é conhecida. Ninguém ficou de queixo caído com o que foi dito.

Por que os ativos brasileiros negociados em Nova York sobem?   

Não sou psicólogo do mercado (risos)… mas havia claramente um temor grande, nas últimas semanas, de que as manifestações poderiam se tornar mais violentas. Parece que esses temores mais acirrados não se materializaram, o que proporciona certo alívio. Essa pode ser uma das explicações.

No geral, como o investidor estrangeiro vê o Brasil hoje? 

O Brasil perdeu o encanto e não é de hoje. É um país com crescimento limitado e cujo ruído institucional já vem lá de trás, com impeachment, governo de transição, denúncia da JBS, eleição polarizada etc. Todo esse quadro foi gerando certo desinteresse e cansaço sobre uma máquina que não anda para frente. Agora, estamos em uma situação complicada hoje, sem reformas entrando, com juros e inflação subindo e mais uma eleição polarizada que se aproxima. Se o crescimento desacelerar rapidamente, que parece ser o caso, ficará ainda mais difícil a atração de investimentos. O Brasil precisa de reformas que aprofundem o ajuste fiscal, mas também de reformas que tornem a economia mais produtiva, aumentando o crescimento potencial. 

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