Os cristãos iraquianos, que recebem o Papa Francisco neste fim de semana em meio à pandemia e o temor de ataques terroristas, costumam ser menos conhecidos internacionalmente do que outros seguidores do cristianismo no Oriente Médio, como os da Síria, Líbano, Palestina e Egito. Este cenário se deve a não ter havido uma grande emigração deles ao longo do século XX para o Ocidente. Basta observar o Brasil, onde há milhões de descendentes de libaneses e sírios cristãos, mas quase nenhum iraquiano – os palestinos emigraram mais para o Chile e para a América Central, além dos EUA.
Até 2003, os cristãos do Iraque eram relativamente bem protegidos pela ditadura de Saddam Hussein. Não que fosse uma maravilha a vida deles. Viviam em uma ditadura. Mas não eram perseguidos pelo regime pela prática da religião cristã. Tinham toda a liberdade para ir à igreja e celebrar seus feriados religiosos. O número dois de Saddam era o cristão Tareq Aziz. O cenário se alterou com a invasão dos EUA naquele ano, com o argumento falso de que o regime iraquiano teria armas de destruição em massa (não tinha) e era aliado da al-Qaeda (era inimigo, na realidade).
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Milícias extremistas sunitas, como a al-Qaeda no Iraque (embrião do Estado Islâmico), e uma série de milícias xiitas começaram a guerrear entre si e ambas também alvejavam cristãos. As forças americanas nada faziam para defender os cristãos, que representavam cerca de 5% da população na época. Um grande número deles buscou refúgio na Síria, onde outra ditadura, a de Bashar al-Assad, historicamente não persegue cristãos. Entrevistei muitos deles na região de Jarumana em Damasco entre 2007 e 2011. Reclamavam da falta de apoio do Ocidente aos cristãos do Oriente Médio, dizendo que dependiam da assistência de Assad.
Com a eclosão da guerra civil na Síria, os cristãos iraquianos passaram a ser perseguidos pelo grupo Estado islâmico (EI) e outras organizações jihadistas da oposição síria. No Iraque, o EI também alvejou vilas ancestrais dos cristãos. Desta vez, a maior parte deles conseguiu abrigo no Curdistão iraquiano, onde há mais tolerância religiosa, e também nos EUA. Nos últimos anos, alguns começaram a voltar para as suas aldeias no Norte do Iraque, mas muitos nunca mais retornaram.
Os cristãos iraquianos são majoritariamente caldeus. A Igreja Caldeia é uma igreja oriental de rito siríaco em comunhão com o Vaticano. Por esse motivo, a importância da visita do Papa. Como curiosidade, seu patriarca, Luis Rafael Sako, é chamado de “Patriarca da Babilônia”, com patriarcado situado em Bagdá. Além dos caldeus, há seguidores da Igreja Siríaca, também da corrente oriental, mas autocéfala, sem comunhão com o Vaticano ou com Constantinopla. Existem ainda minorias grego-ortodoxas e armênia.
A maior parte dos cristãos iraquianos são etnicamente assírios, embora haja também árabes e armênios. Os assírios falam siríaco, uma língua próximo do aramaico, que era falada por Jesus. Esta é mais uma diferença em relação a outros cristãos do Oriente Médio, que são majoritariamente árabes.
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Para completar, sempre é bom lembrar que não há cristãos em todo o mundo árabe. Estão concentrados no Levante. Proporcionalmente, o Líbano tem o maior número de seguidores do cristianismo – cerca de 40%, mas este número ultrapassa a metade da população se contarmos a Diáspora. A maioria dos cristãos libaneses é da Igreja Maronita, que, assim como os caldeus, é oriental, de rito siríaco e em comunhão com o Vaticano. Há minorias grego-ortodoxa, melquita (grego-católica), armênia (apostólica e católica) e siríaca. Na Síria (10% da população cristã antes da guerra) e na Palestina (cerca de 5%), os grego-ortodoxos de rito antioquino, em comunhão com Constantinpla, são majoritários. Os cristãos egípcios representam 10% da população do Egito e são majoritariamente coptas, uma Igreja autocéfalo e com rito próprio.