Depois de uma primeira onda de pessimismo e incredulidade, na quinta-feira (9), as redes bolsonaristas passaram a ser inundadas nesta sexta (10) por mensagens que alternavam uma narrativa messiânica sobre o "golpe de mestre" dado por Bolsonaro com sua carta-recuo das ameaças contra o Supremo.
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Embora ainda haja revolta entre alguns apoiadores do presidente, a leitura que passou a dominar as redes ao longo da sexta-feira é a de que Bolsonaro pareceu recuar, mas, no fundo, está encenando esse gesto de moderação com um objetivo maior, o de promover uma "reviravolta contra o sistema". Qual seria esse lance genial, porém, ninguém sabe explicar.
O esforço em conter o derrotismo começou nos grupos poucas horas depois da divulgação da carta, em que Bolsonaro afirma que nunca quis conflito com os demais Poderes. Naquele momento, influenciadores conservadores e blogueiros bolsonaristas, como Allan dos Santos, alardeavam um “game over” na chamada “luta contra o sistema”. Estupefatos, muitos apoiadores reclamavam do recuo apenas dois dias após irem às ruas em defesa de uma ruptura institucional, muitos em caravanas que atravessaram boa parte do Brasil.
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“Em nota oficial, Bolsonaro pediu desculpas pelas palavras no calor do momento. Na CNN, Temer afirma que escreveu a nota. GAME OVER”, publicou Allan dos Santos no Twitter na última quinta. Ao longo desta sexta-feira, ele, que é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal, passou o dia criticando o fato da “declaração nacional” ter sido redigida pelo ex-presidente, que classificou como “terceira via do establishment”.
Rodrigo Constantino também reproduziu aos seus mais de 700 mil seguidores um discurso de derrota. “O sistema declarou guerra ao povo. O presidente sucumbiu ao sistema”, tuitou. Mais tarde, no entanto, atenuou o tom e passou a dizer que Bolsonaro poderia “ter feito uma jogada inteligente”. Grupos também reproduziram um vídeo antigo de Olavo de Carvalho no qual o guru do bolsonarismo afirma que o presidente não conseguiria mudar "o sistema" sozinho e precisaria do apoio incondicional dos bolsonaristas.
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Na manhã de hoje, porém, os seguidores (ou os robôs que postam parte das mensagens) de Bolsonaro nos grupos de WhatsApp e Telegram já pareciam reorientados. “Não sejam ingênuos. O presidente não amarelou, nem nos abandonou. Ele apenas deu um passo para trás para pegar impulso para fazer o que ele sempre disse o que faria: destituir os ratos dentro das quatro linhas da Constituição. Fiquem tranquilos, o presidente tem um plano. Não sejamos imediatistas, o mundo não se resume ao hoje, o amanhã vem aí!”, prometeu um bolsonarista, aplaudido no Telegram.
Muitos outros foram na mesma toada.
“Muitas coisas se transformarão a partir de agora! Hoje o Brasil alcançou a liberdade que tanto almejávamos! Bolsonaro é fantástico! Que liderança, que estratégico! Foi tudo muito silencioso, sem prejudicar o povo brasileiro… Mas foi fundamental mostrar a força do povo nas ruas. Acredito que a partir de hoje começamos a transformação. Nem tudo é magia, mas o corte será certeiro!”, escreveu outra apoiadora.
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A dinâmica dos grupos bolsonaristas reproduz características do movimento QAnon, dos Estados Unidos, que enxergava em Donald Trump um líder ungido para derrotar uma corrente satanista e pedófila no país. A cada “profecia” de Trump desmentida pelos seus próprios atos, seus seguidores rapidamente buscavam justificativas para a quebra de expectativas - quase sempre colocando o chefe da Casa Branca como um “sábio” que enxerga além dos fatos.
Menos ousado, o ministro do Trabalho e Emprego, aliado fiel e próximo de Bolsonaro, gravou um vídeo defendendo a tese de que o presidente da República agiu como um estadista preocupado com o bem-estar do seu povo. O vídeo foi bastante reproduzido ao longo de todo o dia nos grupos, além de ter sido foi replicado mais de 3.500 vezes no Twitter até o fechamento desse texto.
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“Tem gente falando que a nota do presidente é um recuo, que foge do nosso propósito. Qual propósito? Dar razão às esquerdas, aos puxadinhos do PT na imprensa brasileira que falavam em golpe e atos antidemocráticos?”, disse Onyx. “O presidente não é golpista, senhores e senhoras bolsonaristas, o presidente é um estadista. Somente um homem fortalecido pelo seu povo no exercício do poder tem a capacidade de estender a mão, em um gesto de grandeza que chama o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional para a conciliação”.
Outra tese muito difundida nos grupos, a partir de falas de Bolsonaro na live da última quinta-feira e no cercadinho do Palácio da Alvorada, na manhã de sexta, foi a de que o presidente “sacrificou sua popularidade” em nome da economia.
Mas os argumentos pragmáticos não fizeram tanto sucesso quanto as ilações homofóbicas que Bolsonaro fez na transmissão sobre o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso.
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“Isso não é fala de quem está se curvando diante dos ‘supremos’. Ontem o vi tranquilo e descontraído. Cada vez mais me convenço de que quem pediu arrego foi o careca (Alexandre de Moraes). Fiquemos atentos aos próximos movimentos do Xandão”, disse um militante no Telegram.
O esforço para o convencimento foi tão grande que houve quem buscasse outras analogias - como o esporte e a guerra, temas caros ao presidente.
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“Um chefe que é capaz deve fingir ser incapaz; se está pronto, deve fingir-se despreparado; se estiver perto do inimigo, deve parecer estar longe, como disse Sun Tzu em Arte da Guerra”, disse uma mensagem do deputado estadual André Fernandes (Republicanos-CE), reproduzida milhares de vezes no Telegram e WhatsApp. “Você já viu um jogador cobrar um pênalti? Você percebeu que em todas as situações os atletas usam a mesma tática? O recuo. Recuar é estratégico em certas situações para que se consiga sucesso no ato seguinte. Viva o nosso presidente, que soube recuar na hora certa”, retrucou outro.
Por Johanns Eller