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Arthur Lira, a Petrobras e a ética do arcebispo

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), durante sessão plenária na última terça-feira (5)

Tudo o que se refere à Petrobras faz vir à tona o que há de mais íntimo na alma nacional. O último a desabafar em público foi o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), inconformado com a descoberta de que a existência de conflitos de interesses pode impedir alguém de presidir a petroleira.

“Quer dizer, você tem que pegar um funcionário público para ser diretor da Petrobras? Ou pegar um arcebispo para ser diretor da Petrobras? Um almirante, um coronel? Não, você tem que colocar alguém que entenda de petróleo e gás. Alguém que entenda do setor, que vá ser julgado dali para a frente sobre suas ações.”

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Tudo isso porque o consultor Adriano Pires, com quem Lira jura não ter nada a ver, renunciou à indicação do presidente Jair Bolsonaro depois que foram expostos os conflitos que teria no comando da Petrobras.

Para que fique claro: como consultor, Pires trabalha para empresários com interesses na companhia. O mais célebre é Carlos Suarez, sócio da distribuidora de gás do Amazonas, a Cigás, em negociação com a petroleira para encerrar uma lista de litígios judiciais. Só em uma das 11 ações em discussão, a Cigás pleiteia receber R$ 600 milhões da Petrobras.

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Outro que foi convidado e desistiu foi Rodolfo Landim. O presidente do Flamengo chegou a ser alvo de uma apuração do Ministério Público da Suíça por causa de um depósito de US$ 643 mil na conta do mesmo Suarez.

Se você fosse esse empresário, não adoraria negociar uma indenização com esses dois amigos? Quer dizer que eles necessariamente fariam algo de errado? Obviamente não, mas também não seria possível impedir que cada decisão tomada despertasse a desconfiança de acionistas, do público, dos concorrentes e da oposição.

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Nunca é demais lembrar que estamos falando da empresa em que prosperou o maior escândalo de corrupção já descoberto na História do Brasil — e que recebeu de volta R$ 6,2 bilhões só em dinheiro desviado.

Para tentar proteger a Petrobras e as outras estatais de novos saques, o Congresso Nacional aprovou em 2016 uma lei que regula a escolha dos diretores e presidentes das companhias de controle público. Lira, na época, votou a favor.

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Desde então, todos os diretores e presidentes de estatais têm sido escolhidos sob o crivo da lei sem nenhuma grita. Vários saíram do setor privado. Não é o caso do executivo afinal escolhido pelo governo, José Mauro Ferreira Coelho, mas tampouco consta que ele seja um estranho à indústria ou que tenha conflitos graves.

A Petrobras, que Lira afirmou que não traz “nenhum benefício para o Estado e nem para o povo brasileiro”, entregou à União R$ 40,5 bilhões em dividendos nos últimos dois anos. Quase três orçamentos secretos foram para o caixa do Tesouro e ajudaram a pagar programas como Auxílio Brasil e Auxílio-Gás.

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Ao contrário do que Lira também afirmou, a Petrobras abaixa, sim, os preços quando o valor do petróleo cai. Em 2021, foram cinco quedas, infelizmente seguidas de altas, oscilando de acordo com o valor do barril. O fato de o desconto não ter chegado à bomba é realmente lamentável. Mas é um problema para os órgãos reguladores, e não para o presidente da Petrobras.

Lira sabe disso. Mas prefere dizer que a lei das estatais “trava a Petrobras” e transforma a empresa num “inconveniente para todo o Brasil”. Para ele, compliance e critérios éticos são uma inconveniência que possivelmente só um “arcebispo” seria capaz de cumprir.

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Talvez o presidente da Câmara tenha congelado sua compreensão das coisas no longínquo ano de 2005. Foi quando seu antecessor, Severino Cavalcanti — do mesmo partido que ele, o PP —, cobrou de Dilma Rousseff a “diretoria que fura poço e acha petróleo” prometida por Lula.

A questão é que esse passado, de que tantas forças políticas têm saudade, não volta mais.

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Muita coisa mudou, incluindo a Igreja. A condescendência com escândalos de pedofilia e corrupção derrubou uma longa lista de cardeais e arcebispos. O próprio Papa Bento XVI teve de se retirar. O sucessor, Francisco, teve de implantar um “órgão anticorrupção” no Vaticano.

A prática que Lira descobriu que detesta, compliance, tornou-se obrigatória no manual de qualquer instituição que se dê ao respeito, pública ou privada. Convenientemente ou não, o executivo, o político e o arcebispo não podem mais fazer o que quiserem sem no mínimo sofrer o escrutínio público. Pode-se até revogar uma ou outra lei, mas isso não mudará.

 


 

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