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A MALU TÁ ON

Caetano Veloso: 'Quero confundir o algoritmo'

Caetano Veloso no clipe de Anjos Tronchos

Caetano Veloso diz que não entende muito de tecnologia. Não tem celular, não consulta o que dizem a seu respeito nas redes sociais e, por vezes, tem dificuldade para encontrar as músicas de que gosta no Spotify.

Isso não impediu que ele produzisse, com a recém-lançada música “Anjos tronchos”, um manifesto contundente e certeiro sobre como a revolução democrática prometida pela internet redundou num cenário político violento, que permitiu a ascensão de autocratas mundo afora — os “palhaços líderes” que “brotaram macabros” na letra.

A música faz parte de “Meu coco”, primeiro álbum de inéditas de Caetano desde “Abraçaço”, que será lançado no próximo dia 21 nas plataformas de streaming, com 12 faixas nunca gravadas pelo compositor, embora algumas já sejam conhecidas, como “Pardo”, que ele compôs para a cantora paulistana Céu; “Autoacalanto”, uma homenagem ao neto Benjamin; e “Noite de cristal”, gravada originalmente pela irmã Maria Bethânia no disco “Maria” (1988).

Mas, apesar de admitir que o tom de “Anjos tronchos” é sombrio, Caetano não acha que estamos fadados a ter nossa vida governada pelos algoritmos. Nesta entrevista, ele explica por que considera que a superexposição proporcionada pela internet ameaça e enfraquece o conservadorismo.

E conta como ele mesmo por vezes se rebela — contra as estratégias da indústria de streaming, contra os consensos políticos e até contra os próprios algoritmos que tentam obrigá-lo a ver determinados conteúdos no YouTube.

A seguir, trechos da entrevista concedida originalmente ao podcast A Malu Ta ON, disponível na íntegra em todos os tocadores.

Me chamou atenção o tom um pouco amargo de “Anjos tronchos”. Não está dando para achar otimismo nas coisas agora?

Não faltam razões para que a gente esteja amargo. Acho que essa canção tem um tom sombrio, mas não deixa de observar aspectos luminosos que vieram com essa revolução tecnológica.

Por exemplo?

Aparecem ali poemas como jamais, pensando nos poetas concretos, principalmente Augusto de Campos, e coisas com desenvolvimento dos computadores. E no fim, no último verso, tem o caso da Billie Eilish. Ela já cresceu com a mente dentro desse mundo desenvolvido da tecnologia digital e tem um tipo de criatividade ligada a isso, que é luminosa e bela. Então há coisas também positivas. Mas a base da canção é sombria.

Você chamou de desabafo. De onde saiu esse desabafo, em que momento te deu isso?

Foi aos poucos. E, quando eu li uma coluna do Pedro Doria (colunista de tecnologia do GLOBO), me veio à mente essa imagem dos anjos tronchos no Vale do Silício. Pensei: “Eu posso continuar porque silício é uma palavra boa para rimas em português”.

E eu achando que era uma coisa existencial, pandemia...

Não deixa de ser a base. Tenho muitos amigos que ficaram muito entusiasmados quando a internet começou a se desenvolver e se afirmar, que era um aprofundamento da democracia. Mas eu os achava demasiado otimistas. Eu via o interessante disso, mas temia muito do que de fato veio a acontecer. Não cheguei a temer o surgimento do Trump ou do Bolsonaro, essas coisas horrendas. Não pensei como uma profecia, mas nessa manifestação das pessoas numa situação de anonimato relativo, de uma queda da vergonha em relação ao ressentimento. Eu via o risco de poderem crescer ondas coletivas de ressentimentos, uma coisa que a gente vê muito e de onde vem o lado sombrio da minha canção, entendeu?

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O que é esse ressentimento de que você fala?

Ressentimento do prestígio que as atitudes progressistas têm na imprensa, nos mundos acadêmico, artístico e intelectual. O ressentimento no aspecto progressista político. E que também representa uma certa novidade, porque o conservador era chamado de maioria silenciosa. Os conservadores terem que deixar de ser silenciosos significa muito, significa que tudo está mudando. E também que a capacidade real de conservação deles como grupo está ameaçada. Eles já precisam não ser silenciosos. Isso também é uma demonstração de fraqueza inelutável.

A direita foi às ruas no 7 de Setembro, e você chamou num show o Fora Bolsonaro. O que pensou vendo aquilo e que relação faz com a nova música?

Eu me senti mal. Estava na Europa para fazer shows e evidentemente tinha brasileiro na plateia. A primeira vez que ouvi, foi até em Hamburgo, uma pessoa gritar Fora Bolsonaro, eu falei: “Sem dúvida”. As pessoas riram. Mas no dia 7 de setembro, em Portugal, além de estar cheio de brasileiros, os portugueses acompanham mais a vida no Brasil do que outros europeus. E aquela manifestação era uma espécie de celebração do ressentimento. E o cara que é o presidente do Brasil dizia coisas horríveis, né? Que depois ele teve que recuar. Naquele dia, eu falei com um pouco mais de veemência, mas não ficou mais forte do que cantar as canções.

Você acha que a discussão política no Brasil ficou presa na lógica binária e isso dificulta o aparecimento de uma terceira via? Você já declarou voto em 2018 no Ciro, já apoiou o Boulos e a Marina. Tem na cabeça uma terceira via ou acha que ela é, neste momento, uma linha auxiliar do bolsonarismo, como diz um uma certa linha ideológica?
Você falou em três aí que eu gosto muito: Ciro, Boulos e Marina. Eu amo todos os três, mas eu amo o Lula também, porque ele é uma figura em nossa História que não dá para você desprezar.

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Ele está na frente nas pesquisas. Você acha que é o momento de escolher entre um e outro?

Eu acho consideravelmente empobrecedor ficar percebendo que Bolsonaro precisa de Lula e Lula precisa de Bolsonaro. Lula está ganhando de lavada nas pesquisas e merecidamente. Mas, se ficar assim, votarei em Lula, entendeu? Mas o Ciro tem um desenvolvimentismo pensado para os termos de hoje, escrito com muita clareza no livro dele. Imagina um governo a partir daí… Então eu mantenho essa justiça em relação a Ciro, mas não tô dizendo que sinto hoje que vou votar em Ciro. Não vejo, não tô vendo ele, mas espero que as coisas se movimentem de uma maneira mais rica. E falar de Ciro assim ajuda a enriquecer.

Você falou que a tecnologia prometia democratização profunda e acabou entregando mais o contrário. A culpa é do algoritmo?

Eu não sei (risos). Você sabe que as canções vão na frente da gente. Tive essas três coisas no princípio. A ideia de anjos tronchos no Vale do Silício, que é uma espécie de retrato que já dizia alguma coisa do nosso tempo, nas próprias imagens. Fiquei arrebatado pela necessidade de fazer uma canção com esse começo, mas não consegui fazer mais nada. Eu não sei, eu não entendo disso, entendeu? Não sou muito bom de internet, nem de rede social.

Você não tem celular, não tem rede social, é isso?

Eu não tenho celular, não vejo rede social. Eu tenho, evidentemente, minha rede social. Eu, às vezes, posto coisas que sou eu que escrevo e mando pra minha equipe. Mas eu não vejo comentários, do que me xingam, os que me apoiam, eu não sei nada disso. Eu ouço contar histórias que dizem que (pessoas) estão sendo muito agredidas, xingadas, ou que estão se dando muito bem em determinado tema. Mas eu não acompanho, eu não entro nesse ritmo. Então eu não sou um conhecedor do negócio na vivência.

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Você acha que os algoritmos provocam esse comportamento destrutivo ou eles apenas potencializam algo que já está dentro da gente?

Acho que potencializa. Evidentemente, eles produzem novas realidades que resultam em coisas concretas, mas não é dizer que éramos um povo equilibrado, suave em sua vivência, que foi desvirtuado pelos algoritmos do digital, pelos anjos tronchos do Vale do Silício.

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Como você lida com essas demandas da música nos tempos da tecnologia? Você se adaptou a essa nova lógica da indústria cultural agora que você está aí lançando um disco?

Eu não me adaptei (risos). Eu fiz o disco sem saber de nada disso, sem pensar nem saber como é que ia ser lançado. Depois, quando fez a combinação de a Sony lançar, ela tem as estratégias dela com as plataformas de streaming. E aí eu fiquei um pouco impaciente. Eu dizia: “minhas músicas estão prontas, eu quero que as pessoas ouçam”. Chegou um dia que até ameacei, “Eu vou vazar, eu vou vazar!”. E terminei topando fazer o lançamento dentro da maneira que eles fazem. Mas eu já ouvi falar que, por exemplo, faixas do Kanye West tinham que ser mais curtas. Amigos americanos têm me falado isso e eu acho uma maluquice. Eu nunca entrei em nada disso. Não entrei quando era de outro jeito, nem vou entrar no que é agora… Eu não vejo muita internet, não é onde eu vivo. Eu não sei nem direito procurar músicas. Mas é aquilo que eu escrevi lá na letra, de poder ouvir grandes autores da música erudita, Schoenberg, Weber.

Mudou a forma de ouvir?

Fiquei ouvindo mais porque eu não tenho esses discos. Não tinha antes muito… Tinha alguma coisa, mas na internet vou procurar o que tiver e termino achando coisas pra ouvir, é bom.

Me contaram que você fica testando os algoritmos, fazendo várias buscas diferentes pra ver se você despista o algoritmo para ele te oferecer coisas diferentes, é verdade?

Não, não faço assim, não! O que aconteceu foi que eles me surpreenderam pelo seguinte … Porque, por exemplo, eu queria saber o que o Olavo de Carvalho estava falando em um determinado momento. Aliás, aqui entre as pessoas que eu conheço, sou maluco porque eu dava importância a Olavo de Carvalho. Mas eu conhecia os livros dele desde o começo, né? Aí, como eu olhava por essas razões que descrevi aqui, começa a vir uma porção de caras de direita porque o algoritmo me viu procurar Olavo de Carvalho. Então ficava driblando, botava outra coisa para poder não ficarem me enchendo o saco com isso, mas é só.

Deu certo, funcionou?

Mais ou menos. Eles ficam confusos.

Confundiu o algoritmo.

É o que eu desejo.

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