Ex-morador do Edifício Rajah, na Praia de Botafogo, o motoboy carioca J. S. emigrou para Portugal em busca de segurança para a família. Foi surpreendido ao ser vítima de assaltantes no Porto. Uma vez ele foi roubado. Em outra, usou as habilidades que diz ter aprendido no Rio de Janeiro para escapar.
- Encomendaram dez maços de tabaco e pediram troco para €100. A entrega era em rua deserta. Sou do Rio, então fiquei alerta e deixei a moto ligada. Encostou um carro com dois homens e anunciaram o assalto. Mas fugi pela calçada. Outra vez, pediram para conferir a encomenda. Confiei e saíram correndo sem pagar a comida e bebida, num total de €50. Aconteceu a muitos de nós - disse Souza ao Portugal Giro.
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O caso é exemplo recente do aumento de assaltos a motoboys brasileiros, que representam 90% dos entregadores das empresas de encomenda por aplicativos em Portugal. É uma maneira rápida de conseguir um meio de subsistência, até mesmo para recém-chegados sem visto de residência.
A crise econômica na segunda quarentena para conter o surto de coronavírus trouxe a saturação do mercado e um agravante: nas ruas desertas de bairros considerados de risco em Lisboa e no Porto, os motoboys viraram alvos solitários. Depois de acionados, principalmente à noite, são encurralados e roubados. Há denúncias de vítimas que perderam telefones, dinheiro e entregas.
Em Lisboa, entregadores e motoristas de aplicativos sentem a crise
Depois de cruzar de carro a europa para escapar da repressão da ditadura bielorussa de Aleksandr Lukashenko, ítalo Alves, goiano de Inhumas, teve que se defender no Porto.
- Nunca pensei passar por isso em Portugal. Fui cercado por três pessoas. Estava escuro, puxei a chave de fenda do bolso, devem ter achado que era uma faca e desistiram. Outros perderam até €190 e seus pertences e entregas - disse Alves, que tem cidadania italiana e também é guia de turismo na Gaivota Tours.
Ao lado de dezenas de motoboys, J.S. participou de uma manifestação na frente da prefeitura do Porto. O ato chamou a atenção da imprensa nacional. O diário "Jornal de Notícias" foi o primeiro a publicar. A "SIC", rede de TV, exibiu extensa reportagem em horário nobre.
- Exigimos mais segurança na rua, mas também melhores condições de trabalho. Sou formado em administração. Nosso meio tem enfermeiro, médico e arquiteto: reféns do aplicativo da Glovo, que às vezes nem nos atende. Quando comuniquei o que aconteceu comigo, que tinha ido à polícia, só queriam saber se fiz a entrega. 'Tem certeza que não dá para entregar?'. Inacreditável - disse J.S.
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Carioca do Santo Cristo, no Centro do Rio, Y. enfrentou um homem e sua companheira após uma confusão. Fez registro de agressão na delegacia.
- O homem disse que não tinha dinheiro. Esperamos a mulher dele, que chegou depois de 40 minutos, mas a Glovo cancelou. Ele ficou na frente da moto. Caímos, ele levantou e veio para cima com socos e chutes, mas imobilizei o agressor. A mulher pulou em cima de mim e começou a puxar a gola do casaco para me sufocar. Só acabou com a chegada polícia - disse Lima.
Em Lisboa, dois homens são acusados pelo Ministério Público de dez crimes de roubo a motoboys no intervalo de um mês em junho/julho de 2020. Eles usavam uma faca, mesma arma usada por outro grupo de três pessoas que atacavam entregadores na capital. Foram presos.
Inédito: Espanha decide considerar entregadores como assalariados
Os ataques aos motoboys e as denúncias feitas por estes trabalhadores acontecem no momento em que a União Europeia começa a planejar a regularização da categoria. Em Portugal, são classificados como trabalhadores por conta própria, chamados Recibos Verdes, sem direitos trabalhistas fixos.
Em Bruxelas, a Comissão Europeia estuda a aplicação de acordos coletivos de trabalho aos independentes. A Espanha foi mais longe e nessa quinta-feira os entregadores passaram a ser considerados trabalhadores assalariados graças à alteração no Código do Trabalho.
Morto aos 44 anos após um acidente sofrido enquanto fazia entregas para a Uber Eats em Gaia, município vizinho ao Porto, o brasileiro Evandro Damakoski era pai de três filhos. A família recebeu indenização de €50 mil de um seguro da empresa. Especialistas debatem, agora, se isso provaria uma relação laboral.
A queixa mais comum dos motoboys a serviço da Glovo em Portugal é a falta de apoio da empresa e a demora na resposta às emergências de segurança e outras demandas.
Em nota, a empresa espanhola afirma que "presta assistência em tempo real durante ligação à plataforma", além de dispor de canais adicionais de comunicação.
Garante que os motoboys têm "apólice de seguro adicional, sem custos, e reembolso de despesas médicas, se necessário". Assegurou manter "estreita relação com as autoridades (...) para auxiliar investigações" e que há "medidas em vigor para evitar fraudes, que, em alguns casos, conduzem a situações de insegurança".
"Nessas entregas, a prioridade é sempre a segurança e, por isso, temos o cuidado de ressarcir sempre que são afetados nas entregas que fazem.”