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Nas universidades do Rio, crescimento e repressão andaram juntos

Foto (Foto: O presidente Emilio Garrastazu Médici na entrega da cidade universitária da UFRJ no dia 7 de setembro de 1972 / Agência Nacional)



Durante a ditadura, campus da UFRJ no Fundão foi construído e Unirio foi criada, mas expurgos de alunos e professores desfiguraram as instituições

Por Leonardo Cazes

No dia 7 de setembro de 1972, o presidente Emílio Garrastazu Médici inaugurou a cidade universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Fundão. A cerimônia fez parte das comemorações dos 150 anos da independência e é exemplo da importância dada pelo regime à sua política para o ensino superior público. Para os militares, a reforma universitária empreendida em 1968 e o investimento na construção de novos campi era uma forma de aplacar o principal foco de oposição, que se concentrava nas instituições, e de viabilizar o projeto desenvolvimentista. Durante a ditadura, as universidades viveram um boom de investimentos e foram reorganizadas no modelo departamental, atualmente em vigor.

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No Rio de Janeiro, as políticas daquela época conformaram as instituições tais como são conhecidas hoje. No caso da UFRJ, unidades que funcionavam no Centro e na Praia Vermelha foram transferidas para a Cidade Universitária devido aos planos do governo militar de investir na pós-graduação, especialmente na área de engenharia. Segundo o historiador Antônio José Barbosa de Oliveira, professor do curso de Biblioteconomia da UFRJ, os documentos da época mostram que havia uma expectativa de transformar o Fundão num polo tecnológico. Para isso, era necessário espaço livre para a construção de novos laboratórios e centros de pesquisa.

Em 1972, foram inaugurados o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, o prédio do Centro de Tecnologia (CT) e o prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), onde hoje funciona a reitoria da instituição. Oliveira explica que essas obras começaram em 1953, mas ficaram paralisadas desde a morte de Vargas até o final dos anos 1960, quando a ditadura decidiu retomar o projeto. O professor defende que a construção da cidade universitária não teve como objetivo a desmobilização do movimento estudantil.

— O que se coloca naquele momento é a efetiva penetração da pós-graduação e da pesquisa na universidade. Foi uma modernização feita de maneira autoritária, mas a cidade universitária não foi planejada para repressão e esvaziamento dos estudantes. A decisão de construí-la naquela região foi tomada na década de 1940 devido a sua localização próxima ao Centro e à Zona Norte, onde vivia a maioria dos estudantes na época — explica ele. — O que não quer dizer que a decisão tenha sido democrática. O Brasil estava saindo de outra ditadura, a do Estado Novo.

Já a atual Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) foi criada para atender aos ditames da reforma universitária. Ela nasceu em agosto de 1969 como Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara (Fefieg), reunindo entidades independentes de ensino superior, algumas fundadas no século XIX: a Escola Central de Nutrição, a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, o Conservatório Nacional de Teatro, o Instituto Villa-Lobos, a Fundação Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro e o curso de biblioteconomia da Biblioteca Nacional. Mais tarde, seriam incorporados à Fefieg — transformada em Fefierj após a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975 — o curso permanente de arquivo, do Arquivo Nacional, e o curso de museus do Museu Histórico Nacional.

Figura central nesse processo foi o autor e dramaturgo Guilherme Figueiredo, irmão do presidente João Figueiredo. Ligado à Escola de Teatro, ele foi eleito presidente da Fefierj em 1978 e se tornou o primeiro reitor da Unirio no ano seguinte, quando a federação de escolas foi transformada em universidade. Figueiredo, que ocupou o cargo até 1988, utilizou seu prestígio pessoal para estruturar o campus da Urca, onde está a maioria dos prédios da instituição.

Para Nailda Marinho, professora da Escola de Educação da Unirio, mais estudos são necessários sobre o período de formação da instituição, mas a integração entre as escolas independentes, feita por imposição da reforma, permanece incompleta ainda hoje.

— Na Unirio, ainda vigora um regimento de 1982, o que demonstra o descompasso em seu crescimento como universidade ao longo de sua história, como se apresenta em sua prática cotidiana e no que está estipulado no documento legal que ainda a rege. Neste sentido, poderia dizer que a universidade ainda não conseguiu a integração proposta em 1969 — afirma Nailda.

Onda de expurgos

Ao mesmo tempo em que investia na expansão e na criação de novas universidades, o regime militar também investiu pesado contra professores e estudantes considerados “subversivos”. Segundo levantamento feito pelo professor Rodrigo Patto Sá Motta, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na segunda onda de expurgos, desencadeada em 1969, após o AI-5, 38 professores de instituições do Rio de Janeiro foram atingidos.

O Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ (IFCS/UFRJ) foi completamente desfigurado e perdeu dez docentes, entre eles os historiadores Manoel Maurício de Albuquerque e Maria Yedda Leite Linhares, e a antropóloga Marina São Paulo de Vasconcellos. O Instituto de Física também teve perdas importantes, com a saída de nomes como José Leite Lopes, Elisa Frota Pessoa, Lincoln Bicalho Roque e Plínio Sussekind da Rocha.

Durante a vigência do AI-5 e do decreto-lei 477, o clima nas universidades foi de tensão permanente, como conta o historiador Carlos Augusto Addor, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) desde 1976.

— Quando fiz minha graduação na UFRJ, o diretor era o Eremildo Vianna, que mantinha um index de livros proibidos. Por isso muita gente, como eu, fez concurso para a UFF, que era menos visada na época — diz Addor.

No ano passado, a UFRJ criou a sua Comissão da Memória e Verdade (CMV/UFRJ) para mapear as violações cometidas contra alunos e professores durante o período autoritário. Coordenador do Fórum de Ciência e Cultura e membro da CMV/UFRJ, o professor Carlos Vainer afirma que o grupo já propôs à reitoria que o ano de 2014 seja o da memória e verdade para a instituição. Segundo Vainer, os trabalhos ainda estão começando, mas uma das dificuldades encontrada é que muitos protagonistas dos acontecimentos já faleceram.

— Uma parte da história se perdeu com essas pessoas e devemos nos penitenciar por não ter dado início a esse processo mais rapidamente. A sociedade brasileira tem sido lenta e vai pagar um custo por isso. Outro problema é que muitas atividades não foram documentadas. Já identificamos o militar responsável durante a maior parte do tempo pela assessoria de segurança da universidade e estamos tentando retraçar suas atividades dentro da universidade. Nosso objetivo é entender processos — explica o professor. — Neste ano, vamos inaugurar o memorial dos estudantes mortos pela ditadura em frente ao Restaurante Universitário Edson Luís, no Fundão, e vamos pedir para professores e alunos entreguem para a comissão documentos do período de maneira que construamos um repositório de memória.

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