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Walser por Xerxenesky, Joca Terron e Kathrin Rosenfield

O blog escreveu a três leitores brasileiros de Robert Walser, cujo romance "Jakob von Guten" acaba de ser lançado no Brasil (Companhia das Letras, tradução de Sergio Tellaroli), para que eles fizessem breves comentários sobre o escritor suíço.

As perguntas eram as seguintes: quando você começou a ler Walser? A partir de que referência? Que livros considera os melhores? Jakob von Guten está entre eles? Por quê? O que te interessa em sua obra? O que acha dos comentários críticos à obra de Walser e da mitologia construída em torno de sua figura?

As repostas de Antônio Xerxenesky, Joca Terron e Kathrin Rosenfield seguem abaixo:

Kathrin Rosenfield, crítica literária, autora de "Desenveredando Rosa" (Topbooks)

Foi com 18 anos que li Walser, primeiro as "Liebesgeschichten" (Histórias de Amor), depois "Geschichten" (Estórias) e, claro, "Jakob Von Gunten". Ler Walser na época – eu vivia ainda na Austria – era uma história de insider: recomendação de connaisseur, ou, até, uma espécie de senha que mostrava que se pertencia a determinados círculos especiais, que fugiam os clichês do que se recomendava nos suplementos culturais ou nas emissões literárias da TV. Fico feliz que ele tenha finalmente chegado no Brasil

Não dá para dizer o que é melhor – as "Histórias de Amor" e "Estórias" têm aquele charme da coisa pequena, graciosa – o brilho momentáneo do fósforo riscado, como diz o G. Rosa. Enquanto "Jakob von Guten" é outra coisa. Para mim – e provavelmente para muitos de nós, jovens na Austria depois do horror do Nazismo, "Jakob von Gunten" expressava uma atitude característica de desconfiança e desprezo da autoridade institucional e educativa falida. Nós / eu víamos as escolas e universidades assim como Jakob descreve o Instituto Benjamenta e, com isso, nós nos mobilizamos para (ou: nós nos condenamos a) aprender e estudar como autodidatas. Hoje já penso que foi uma atitude muito neurótica essa oposição, mas o Jakob Von Gunten teve um grande papel nessa neurose coletiva que muitos jovens intelectuais e artistas compartilhavam.

Isso já me leva à sua pergunta sobre o que acho dos comentários críticos à obra de Walser: começo pelo mais recente – fiquei muito impressionada com um ensaio do J.M.Coetzee sobre Walser. Coetzee identifica a postura de Jakob com a mentalidade pequeno burguesa da Alemanha fascista. Lembro que levei um susto e fiquei perturbada quando li esse parágrafo. E pensei que provavelmente Coetzee viu direito – o que dá a pensar que a neurose dos jovens depois (aquela oposição por princípio e a relutância a reconhecer regras e autoridade) tinha algo de cripto-fascistoide também. A mesma intuição (muito embrionária na época) sempre me assombrava quando amigos se identificavam com os Baader-Mainhof, e coisas do gênero.

Outro comentário que teve e tem um efeito duradouro sobre mim é a resenha que Robert Musil fez, em 1914, sobre as "Histórias" de Walser e sobre narrativas de Kafka. Musil salienta a delicadeza paradoxal – superficial e profunda – do tom lúdico e inconseqüente de Walser e enxerta uma teoria idealista da arte da novela nessa reflexão sobre Kafka e Walser. Adoro essa resenha que traduzi para o português junto com outros ensaios de Musil.

O que eu acho da mitologia construída em torno de sua figura? Não sei bem a que tipo de mitologia você se refere – talvez à idéia de que a obra de Walser teria sido ocultada pela de Kafka? Se for isso, acho que tem boas razões para isso ter acontecido (volume, escopo, magnitude da obra de Kafka) e, também, as razões tristes da solidão dos artistas que não conseguem ser comunicativos, que circulam com dificuldade nos círculos Cult, que não são ouvidos pela chiqueria literária.

Antônio Xerxenesky, escritor, autor de "Areia nos dentes" (Rocco)

Comecei a ler porque dois escritores que admiro muito falavam sobre Walser: J.M. Coetzee em um ensaio coletado em "Inner workings" e Enrique Vila-Matas, no seu romance sobre a arte de desaparecer, "Dr. Pasavento". Não li Walser o suficiente para fazer um ranking, mas, para mim, o melhor de Walser está nos contos. A coletânea da "New York Review of Books", "Selected Stories", é dos meus livros favoritos. São contos breves, onde quase nada acontece, histórias esquisitas, muitas vezes incompreensíveis, mas sempre de admirável beleza. O que mais me interessa na obra de Walser é um certo elogio do "mínimo" e do silêncio. Suas histórias geralmente trazem narradores passivos e insignificantes. Às vezes, como é o caso de Jakob Von Gunten, o protagonista torna esse sentimento do mínimo em um fator de rebeldia e recusa, um tanto como o Bartleby de Melville. Até agora não li um ensaio sobre Walser que não fosse muito interessante. Susan Sontag, W.G. Sebald e J.M. Coetzee são pensadores que nos ajudam a compreender em algum nível as histórias de Walser que parecem, a princípio, loucas e incoerentes. Simpatizo com a mitologia, pois Walser trabalha, à sua maneira, com a fusão entre vida e arte, então tentar (re)construir uma imagem do que seria a vida do escritor suíço é proveitoso na hora de ler sua obra.

Joca Terron, escritor, autor de "Do fundo do poço se vêe a lua" (Companhia das Letras)

A obra de Walser despertou meu interesse após ler a edição espanhola de "Wanderungen mit Robert Walser", de Carl Seelig, em 2003. Seelig foi editor e mecenas de diversos autores de língua alemã, e suas memórias de caminhadas ao lado de Walser quando este era interno no manicômio de Herisau são referenciais. Na mesma época eu li a edição brasileira de "O Ajudante".

Ou seja, primeiro fui atraído pela lenda do escritor recluso, e depois por sua opacidade subjetiva e certo humor indecifrável. Não saberia dizer qual é seu melhor livro, mas a biografia literária composta por Jürg Amann com fragmentos da própria obra de Walser serve de explêndida introdução ao autor.

A exegese de Walser, assim como a de Kafka (e em alguma medida a de Bruno Schulz) adquiriu autonomia a ponto de ser quase um gênero, muitas vezes ficcional. O livro de Seelig citado, porém, é único por recolher a opinião e dar contornos a um personagem completamente fugidio.

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