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Partido de Moro, Podemos encarna bolsonarismo sem Bolsonaro

A legenda, que se apresenta como terceira via sob a candidatura do ex-juiz, encampou 82% das pautas do Governo na Câmara, entre elas a proposta do voto impresso e o projeto da grilagem

Os ex-ministros Moro e Santos Cruz no dia 25, em Brasília.
Os ex-ministros Moro e Santos Cruz no dia 25, em Brasília.ADRIANO MACHADO (Reuters)

Quando o partido do ex-juiz Sergio Moro, o Podemos, decidiu apoiar abertamente a derrotada PEC do voto impresso, sua presidenta, a deputada paulista Renata Abreu, usou o mesmo termo dos governistas para a proposta: voto “auditável”. Afirmou ainda que só votaria na pauta bolsonarista porque uma enquete entre os eleitores da legenda indicou que os parlamentares deveriam fazê-lo. Tentava mascarar que, apesar de se apresentar como uma terceira via eleitoral, o Podemos exerce uma espécie de bolsonarismo sem Jair Bolsonaro, como avaliam analistas políticos em Brasília. É de se imaginar, portanto, que reavivaria boa parte das pautas conservadoras de costumes, segurança pública e combate à corrupção a qualquer preço, que marcaram a campanha de 2018, mas acabaram sumindo da agenda governamental.

Na Câmara, os dez deputados filiados ao Podemos votaram a favor de 82,2% das pautas do Governo. No Senado, o índice de “governismo” entre seus nove parlamentares é de 76,8%. Os dados constam da ferramenta Radar do Congresso, produzida pelo site especializado Congresso em Foco. O apoio às agendas governistas só não é maior porque um deputado destoa dos demais. José Carlos Bacelar, eleito pela Bahia, apoiou apenas 29% dos projetos com o carimbo do Planalto, e tem sido uma das vozes da oposição no Legislativo e nas redes sociais. Ele postou, por exemplo, uma foto de Bolsonaro mostrando uma caixa de cloroquina para uma ema e chama a PEC dos Precatórios, aprovada na semana passada no Senado, de PEC do Calote.

A voz de Bacelar está longe de ser uma unanimidade entre seus correligionários. Dos dez deputados do Podemos, cinco votaram a favor da PEC dos Precatórios, quatro foram contra e um se ausentou. Os apoios a Bolsonaro seguiram assim em pautas como voto impresso (seis a favor, dois contra e duas ausências), regularização fundiária, batizado como PL da Grilagem, (cinco, três e dois) e a das mudanças das regras de licenciamento ambiental (seis, um e três). As duas últimas afrouxam o controle sobre a Amazônia e contribuem para explorar áreas hoje protegidas.

“O Podemos surgiu, aparentemente, como um partido liberal. Mas está claro que o Moro vai trazer uma visão mais conservadora para a legenda. Moro vai buscar o voto do bolsonarismo descontente com o Bolsonaro”, avalia o cientista político e pesquisador na Universidade de Brasília Paulo César Nascimento. “Ele quer aproveitar todas as pautas que Bolsonaro prometeu em 2018, mas não cumpriu”, completa.

A proximidade entre Moro e Bolsonaro era tamanha que a mulher do ex-magistrado, a advogada Rosângela Wolff Moro, chegou a dizer numa entrevista que os dois eram “uma coisa só”. Na prática, houve uma relação simbiótica para a chegada ao poder, em que, obviamente, os dois foram beneficiados. Bolsonaro se elegeu em 2018 depois que o então líder nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi condenado por Moro e impedido de disputar a eleição. O prêmio ao então juiz da Lava Jato foi o convite para que ele assumisse o Ministério da Justiça. O rompimento ocorreu depois que o presidente tentou interferir na Polícia Federal, que era subordinada ao ministro.

Moro vai buscar o voto do bolsonarismo descontente com o Bolsonaro”
Paulo Nascimento, cientista político

Diante de tanta proximidade, é de se questionar se o Podemos e Moro têm condições de se afastar do bolsonarismo. “É possível se dissociar do presidente”, garante Nascimento. “Basta investir nos discursos já feitos e mostrar que a bancada atuou apenas em casos pontuais. Nem sempre o eleitor vai vincular a legenda ao Governo.”

A candidatura de Moro investe em outra estratégia bem sucedida para a eleição de 2018 de Bolsonaro: a associação com militares. A mais destacada é a do general Carlos Alberto Santos Cruz, ex-ministro de Bolsonaro, assim como Moro. A estratégia é se aproveitar da antiga proximidade com o presidente e do bom trânsito com a imprensa para criticá-lo. Na última semana o militar iniciou uma rodada de entrevistas, deixando bem claro que estará na linha de frente de Moro.

À revista digital Crusoé, Santos Cruz chamou os bolsonaristas de medíocres. “A capacidade intelectual máxima dos extremistas é chamar alguém de comunista. É a única coisa que eles sabem fazer. Quando não tem argumento nenhum, chama de comunista. É gente medíocre.” Ao UOL, afirmou que seu antigo chefe era um traidor da pátria. “O grande traidor desse país se chama Jair Messias Bolsonaro. É só você pegar o discurso político dele e você vai ver que tudo o que ele falou não foi feito.”

Para solidificar sua candidatura presidencial, Moro também tentará contar com o sentimento antipetista, ainda tão presente em parte da sociedade. “Num primeiro momento, o alvo dele é o Bolsonaro, não o Lula. Só depois ele vai se preocupar com o petista”, reforça Nascimento. As últimas pesquisas mostram que o ex-juiz já seria o terceiro colocado na disputa, tirando votos do presidente e de outras duas prováveis candidatos de terceira via, Ciro Gomes (PDT) e João Doria (PSDB). Ainda assim, tem três vezes menos votos que Lula, que alimenta esperanças de ganhar a disputa ainda no primeiro turno.

Entre os ex-bolsonaristas que podem se aproximar de Moro está o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, do DEM, partido que deve se fundir com o PSL e criar a União Brasil. Essa proximidade também pode resultar na composição de uma chapa capaz de parear em tempo de TV e em recursos do fundo eleitoral tanto com Lula quanto com Bolsonaro, recém-filiado ao PL em um amplo acordo com os outros dois sustentáculos do Centrão, o PP e Republicanos.

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