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Vitória de Olaf Scholz na Alemanha reaviva a social-democracia europeia

Futuro Executivo alemão surgido das negociações entre partidos deverá encarar decisões importantes, como a reforma fiscal e o posicionamento da UE perante a China

Olaf Scholz recebe um buquê de flores em Berlim, nesta segunda-feira. Em vídeo, o líder social-democrata diz que pretende formar uma coalizão de governo antes do Natal.
Olaf Scholz recebe um buquê de flores em Berlim, nesta segunda-feira. Em vídeo, o líder social-democrata diz que pretende formar uma coalizão de governo antes do Natal.HANNIBAL HANSCHKE (Reuters)
Guillermo Abril

Qualquer eleição nacional na Alemanha, a grande locomotiva europeia, praticamente trava as grandes questões da UE. Este mês de setembro passou em câmera lenta para o bloco continental, com uma infinidade de assuntos complexos empilhados sobre a mesa – a reforma das regras fiscais, as relações com a China, a negociação do pacote migratório, o pacto verde europeu –, à espera dos resultados eleitorais e das negociações para um Governo de coalizão que se abrem a partir desta semana. Nos corredores da diplomacia, há quem preveja que só haverá um novo Executivo em Berlim dentro de dois meses, no mínimo. Mas a primeira incógnita já se resolveu: os sociais-democratas de Olaf Scholz venceram, ainda que por margem mínima, e ele já declarou sua intenção de mandar os democratas-cristãos da CDU/CSU “para a oposição”. Isso imediatamente altera os vetores das forças motrizes da União Europeia.

A família socialista europeia, até recentemente dada como morta na UE, saiu rapidamente a colher os frutos de uma vitória que muda o tom do bloco comunitário. “Não estava morta, estava na farra”, brinca uma fonte do socialismo europeu. A tendência, na verdade, já vem de antes. A UE tem hoje seis governos com liderança social-democrata (Dinamarca, Finlândia, Malta, Portugal, Suécia e Espanha), três com sua presença como sócio minoritário no Executivo (República Tcheca e Luxemburgo, além da Alemanha até agora), e outro onde essa força é parte de uma coalizão mais ampla de partidos (Bélgica). O triunfo de Scholz dá um impulso quântico a essa família política.

Entre os fiéis escudeiros da UE que manifestaram seu apoio a Scholz se encontram colegas de partido, como Frans Timmermans, vice-presidente-executivo da Comissão Europeia encarregado de levar adiante o pacto ambiental europeu: “Parabéns por um resultado social-democrata forte”, escreveu num tuíte assim que a apuração terminou. “A justiça social, a proteção climática e a transformação verde da nossa economia e sociedade andam de mãos dadas, e o resultado das eleições salienta isso.”

Mas a UE como instituição evitou se pronunciar de forma oficial sobre o resultado eleitoral. Não houve manifestações do presidente do Conselho, Charles Michel, da presidenta da Comissão, Ursula von der Leyen, nem do chefe da diplomacia, Josep Borrell. Quem no entanto comemorou abertamente foi o socialista italiano David Sassoli, presidente do Parlamento Europeu, outro dos postos-chaves do equilíbrio institucional de Bruxelas: “Depois desta crise histórica, não há tempo a perder: a Europa precisa de um parceiro forte e confiável em Berlim para continuar nosso trabalho comum por uma recuperação social e verde”, celebrou nas redes sociais.

As mensagens deixam claro que, com Scholz à frente, a dimensão social e ecológica ganharia um renovado protagonismo. Mas há outras frentes – interconectadas, como quase tudo hoje em dia – em que sua chegada poderia mudar as coisas. “O impacto mais importante de Scholz como novo chanceler seria com relação à reforma fiscal da UE”, prevê Camino Mortera, pesquisadora do Centro para a Reforma Europeia, um think tank com sede em Bruxelas. “Ele é obviamente menos dogmático nesse sentido e talvez mais partidário de flexibilizar um pouco as normas do pacto de estabilidade e crescimento.” O comissário (ministro europeu) de Economia, Paolo Gentiloni, anunciou há algumas semanas que abriria no último trimestre do ano uma consulta pública sobre a reforma fiscal, o que no fundo significava que esperaria o resultado das eleições alemãs.

Prevê-se uma negociação tensa no debate sobre a governança, com alguns países, como a Espanha, advogando por uma “modernização” do Pacto de Estabilidade e pedindo sua aprovação antes da desativação da cláusula geral de escape, e outros – como os Países Baixos – dispostos a negociar, mas pouco ou quase nada. Os colegas de jornada no Executivo alemão terão a capacidade de modelar o futuro da UE. “Nas eleições alemãs, quase mais importante do que quem será o chanceler é quem estará na coalizão”, acrescenta a pesquisadora Mortera. Não é a mesma coisa, por exemplo, que o leme das finanças fique nas mãos de um ministro socialista, verde ou liberal. Sobretudo quando uma das propostas sobre a mesa em Bruxelas para a flexibilização das normas de gasto é uma espécie de “regra de ouro verde”, ou seja, a possibilidade de que os Estados da UE excluam da dívida os investimentos destinados à transição ecológica.

Mortera também acredita que o mero fato de o líder da CDU, Armin Laschet, não liderar o país terá consequências: nas relações com a China, por exemplo, ele defendia “posições muito mercantilistas e pragmáticas, nos antípodas do que os Estados Unidos, o Reino Unido e o Ocidente em geral estão fazendo atualmente”. A visão de Scholz, por sua vez, é mais “moderada”, o que facilitaria a busca da UE por seu lugar no mundo, entre as duas potências econômicas do planeta.

Será decisivo o papel de liderança internacional que Berlim puder estabelecer a partir de agora. Bruxelas se encontra em uma fase avançada de seu eterno e tortuoso debate sobre a autonomia estratégica do bloco; cresce a desconfiança em relação aos Estados Unidos, após a caótica retirada do Afeganistão e o desplante do acordo dos EUA e do Reino Unido para vender submarinos nucleares à Austrália, o que irritou a França e por extensão os demais sócios comunitários. A presidenta da Comissão (Poder Executivo da UE), a também alemã Ursula von der Leyen, anunciou no debate sobre o estado da UE sua intenção de avançar para a defesa comum. É um coquetel com muitos ingredientes: Scholz, se chegar a governar, terá que mexer com os laços esfarrapados da cooperação transatlântica, mas ao mesmo tempo equilibrando isso com uma resposta sólida à Rússia e a China. Outro de seus grandes desafios será encarar o complexo enfrentamento travado por Bruxelas contra a Polônia e a Hungria, os rebeldes vizinhos do Leste, que puseram o Estado de direito em xeque e há meses vêm esticando a corda nas relações com a UE. Ambos têm por enquanto seus planos de recuperação paralisados, a margem da qual Bruxelas dispõe para vencer esta queda de braço.

Para Iratxe García, líder da bancada socialista no Parlamento Europeu, ainda é cedo para saber o que pode acontecer em Berlim. Mas ela avalia positivamente a vitória eleitoral de Scholz: “O resultado é bom para a Europa, e portanto bom para a Espanha”, diz. García acredita que, com qualquer dos candidatos, estaria garantida a forte linha europeísta adotada por Angela Merkel. Mas ela agora se aposenta e deixa um enorme vazio, do qual previsivelmente o presidente francês, Emmanuel Macron, tentará tirar partido, já que ele encabeça a outra grande máquina do trem europeu. Já em janeiro, a França assume a presidência semestral da UE, e também nesse período o país irá às urnas. É provável que Macron faça notar sua liderança, aproveitando a substituição alemã, mas fontes diplomáticas também preveem uma presidência francesa da UE um tanto paralisada, justamente devido às suas eleições internas: qualquer passo em falso em Bruxelas sempre pode ter um eco amplificado nas pesquisas domésticas.

“Chegou a hora de ampliar a frente franco-alemã”, propõe Iratxe García ao ser interrogada sobre a etapa pós-Merkel. “Hoje em dia temos que falar de um eixo franco-hispano-alemão, que pode funcionar muito bem na defesa das políticas europeias que foram adotadas e que devemos continuar impulsionando e consolidando”. Para a política socialista, Scholz já demonstrou de sobra sua agenda de serviços durante sua etapa como ministro das Finanças do Governo Merkel. “Permitiu que a resposta à crise provocada pela pandemia fosse diferente da do passado”, afirma, apontado a diferença entre a austeridade que emanava de Berlim e Bruxelas depois da Grande Recessão de 2008 e a resposta expansiva e coordenada que a UE ofereceu à crise provocada pelo coronavírus.

É neste terreno, prevê ela, que o caminho traçado pela Alemanha e os possíveis pactos eleitorais serão mais relevantes: haverá uma preservação estrutural da resposta econômica da UE à covid-19? Avançará ainda mais nos instrumentos de mutualização da dívida? Serão suspensas ou flexibilizadas as regras fiscais depois de 2022? O debate, na verdade, está apenas começando.


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