• Giovanna Oliveira
Atualizado em
Como seria a cidade de São Paulo se os rios fossem limpos (Foto: Getty Images)

Como seria a cidade de São Paulo se os rios fossem limpos (Foto: Getty Images)

A cidade de São Paulo é cortada por milhares de quilômetros de rios. Em números, a capital paulista possui 286 bacias hidrográficas catalogadas pela prefeitura, que se estendem pelas ruas e pelo subsolo. Este dado poderia ser sinônimo de qualidade de vida e impactos ambientais positivos, mas o cenário não é bem assim. O Rio Pinheiros, por exemplo, recebe diariamente o esgoto produzido por mais de dois milhões de pessoas, número maior do que a população de Curitiba. Assim, a ideia de tornar estes rios navegáveis pode até parecer uma utopia.

De acordo com o arquiteto, urbanista e coordenador do Grupo Metrópole Fluvial da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU/USP), Alexandre Delijaicov, a cidade de São Paulo possui ao menos cinco hidrovias latentes na região metropolitana. Entre elas, o rio Tietê, os canais superior e inferior do rio Pinheiros e os reservatórios Billings e do Ipiranga. Isso significa que a capital paulista já conta com vias aquáticas que poderiam ser utilizadas para o transporte de pessoas ou cargas, mas que ainda não são exploradas.

Como seria a cidade de São Paulo se os rios fossem limpos (Foto: Getty Images)

Encontro dos rios Pinheiros e Tietê, em São Paulo (Foto: Getty Images)

Além do que vemos nas ruas, a cidade possui ainda três mil quilômetros de cursos d'água escondidos no subsolo. Estas vias foram canalizadas ao longo dos anos para dar lugar às ruas asfaltadas e avenidas. "A canalização dos rios tem impactos no clima, no aquecimento global e até mesmo no distanciamento das pessoas com o meio ambiente", explica José Bueno, arquiteto social e idealizador da iniciativa Rios e Ruas.

Apesar do imenso potencial do uso dos rios na maior cidade da América, a maior parte destas vias são esquecidas no cenário urbano e funcionam até mesmo como depósitos de lixo a céu aberto. No entanto, ao contrário do que parece, este não é um caso perdido e a capital paulista ainda pode se tornar um exemplo de recuperação dos rios urbanos para outras regiões do país e do mundo.

O que poderia mudar se os rios fossem limpos?

Saúde da população

Como seria a cidade de São Paulo se os rios fossem limpos (Foto: Getty Images)

Hampstead Ponds, no norte de Londres (Foto: Getty Images)

Pensar nos rios navegáveis de Veneza, na Itália, ou nos moradores que mergulham no rio Hampstead Ponds, em Londres, na Inglaterra, é um sonho que parece distante para os moradores das grandes capitais do Brasil, mas que poderia representar melhor qualidade de vida e maior contato com a natureza no dia a dia. 

"A gente não está falando de tratar apenas da saúde dos rios, mas das pessoas. Quando você tem uma cidade que as pessoas podem desfrutar, isso está relacionado com transformações culturais e com a reconexão destas pessoas com a natureza"

José Bueno, idealizador do Rios e Ruas

Na prática, ter rios limpos nas grandes cidades, como em São Paulo, permite que os moradores se aproximem da natureza e ganhem até mesmo novas áreas verdes de lazer, que podem ser exploradas por meio de parques lineares, rios navegáveis e regiões disponíveis para banho ou para a prática de esportes aquáticos.

Transporte de cargas

Além do uso direto da população, as vias aquáticas também poderiam ser utilizadas para o transporte de cargas. Além de ser menos poluente, o transporte fluvial pode ser até 20 vezes mais econômico do que o deslocamento por rodovias, principal meio utilizado no país. "O transporte fluvial urbano pode fomentar a consciência ambiental. Esta seria uma alternativa com impacto ultrapositivo, desde que as embarcações sejam totalmente adequadas. O conceito de modernização elétrica deve se estender ao transporte hidroviário", explica o professor da FAU/USP.

De acordo com o arquiteto, é necessário ter um equilíbrio entre os meios de transporte aéreo, ferroviário e hidroviário para minimizar a alta geração de gases causadores do efeito estufa. No entanto, segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), o Brasil utiliza somente 31% dos rios navegáveis de forma comercial.

Como mudar este cenário?

Como seria a cidade de São Paulo se os rios fossem limpos (Foto: Getty Images)

Poluição em trecho do rio Tietê (Foto: Getty Images)

Diversos projetos para a despoluição dos principais rios de São Paulo já foram apresentados. Somente nos dez últimos anos, R$ 2,1 bilhões foram gastos na proposta de despoluição do rio Tietê, segundo dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Além disso, no último mês, o governo do Estado anunciou a captação de R$ 530 milhões para investir na despoluição do rio Pinheiros.

Apesar de necessárias, as medidas tomadas pelo poder público não devem agir sozinhas, segundo os especialistas. De acordo com José, é importante conscientizar a população à respeito da importância dos rios para a cidade. "Essa decisão de governo tem a ver com uma demanda social: é impossível conviver com naturalidade com um rio poluído, mal tratado e com esgoto sendo jogado in natura. Nossa estratégia é sensibilizar as pessoas em escala humana", explica ele.

Além de um trabalho educativo para ensinar a população os cuidados com os rios, que deve se estender desde o ensino básico, Alexandre reforça a necessidade de políticas públicas para evitar que resíduos continuem sendo descartados de forma incorreta, o que reforça o nível de poluição dos rios. "Temos que implementar a precificação de tudo que é reciclável. A população pode receber crédito no bilhete único levando o que é recicável [para os ecopontos]. É a forma mais eficiente e barata de fazer com que os rios sejam navegáveis", avalia o urbanista.