Com a conclusão do julgamento que descriminalizou a posse de maconha para consumo pessoal, as polícias têm dúvidas sobre as repercussões sobre o tráfico e quais serão os efeitos para a atividade policial cotidiana. Há quem entenda que os traficantes utilizarão estratégias baseadas na posse de até 40 gramas. Descriminalização da maconha pelo STF pode beneficiar até 20 mil presos, diz IpeaPor que o STF fixou como 40g a quantidade de maconha que diferencia usuário de traficante? A preocupação da polícia é com o tráfico "fracionado" - ou seja, os traficantes poderão dispersar a comercialização de maconha em quantidades menores. A situação é prevista por policiais militares e civis e vai gerar dificuldades na investigação, conforme o presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil de São Paulo, André Pereira. "A cadeia produtiva do tráfico vai se aproveitar do critério objetivo de fixação de 40 gramas. Os traficantes dirão, 'opa, se eu colocar meus aviõezinhos com até 40 gramas, será mais difícil enquadrar como traficante'. Presumidamente essa pessoa será usuária. Você poderá ter o fomento do serviço de delivery. Olha o cara portando 40 gramas poderá dizer que é para consumo pessoal e se o policial não tiver mais elementos, essa pessoa não será tratada como cometendo crime". A descriminalização da maconha para uso pessoal gera uma lacuna para as abordagens policiais, segundo o coronel Leonardo Moraes, presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Distrito Federal. "De que forma a tropa vai pensar nisso no dia a dia, de madrugada? Se eu levar um sujeito com 38 gramas estarei incorrendo num crime de abuso de autoridade, de constrangimento ilegal, afinal tirei ele do direito constitucional dele para ser levado para uma delegacia, provavelmente algemado? Posso levar preso para decidir o que será decidido como sanção administrativa? Criou-se uma lacuna sobre como vamos lidar com isso". Na prática, a abordagem muda pouco e nenhum policial terá de levar uma balança de precisão na viatura. Até que haja uma nova regulamentação por lei, segundo a tese anunciada pelo Supremo Tribunal Federal, o encaminhamento segue o modelo atual. Se uma pessoa é abordada e os policiais encontram drogas, ela é levada para a delegacia e o delegado vai avaliar as circunstâncias da abordagem. Especialistas ainda apontam para uma possível desmotivação do trabalho policial. Isso porque o usuário poderá sofrer somente sanções administrativas, como levar bronca de um juiz e ter de comparecer a cursos de prevenção ao uso de drogas. Por outro lado, para manter a produtividade policial, os agentes poderão tentar endurecer a abordagem. É o que estima o advogado penal Fábio Chaim: "Existe a possibilidade de usuários serem enquadrados por tráfico. Fazendo o manuseio de diversos mecanismos do Direito, para dizer que o usuário estava em atitude suspeita, ou o policial poderá dizer que houve confissão informal ou que viu o suspeito vendendo para alguém. E utiliza-se a boa fé presumida do agente público para enquadrar usuário como traficante para aumentar a produtividade da atividade policial". Estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a cocaína é a droga mais comumente referenciada em processos criminais por tráfico de drogas - 70% dos casos, com quantidade mediana de 24 gramas. A segunda droga mais comum é a cannabis - em 67% dos processos, com uma mediana de 85 gramas. Além disso, o levantamento do Ipea ainda demonstra que 37% dos processos criminais somam flagrantes de até 40 gramas de maconha. Por isso, especialistas dizem que ainda é cedo para estimar redução de pessoas presas por conta de pequenas quantidades de entorpecente. Mais recente Próxima O que é educação positiva e por que esse conjunto de práticas tem gerado discussões?