O aumento das discussões sobre a saúde mental na Olimpíada abriu espaço para que os atletas de base sejam acompanhados mais de perto por psicólogos. O objetivo é que eles estejam prontos para a pressão natural das competições, mas também para as frustrações que chegam com as derrotas. Um estudo inédito aponta que três em cada dez atletas relatam sintomas leves ou moderados de depressão. A cada quatro anos, milhões de pessoas torcem pelos atletas nos Jogos Olímpicos e cenas de vitória e de derrota comovem o público. Nos jogos de Paris, o nadador Guilherme Costa, o Cachorrão, bateu o recorde das Américas da prova de 400 metros livre, mas não conquistou um lugar no pódio e se emocionou em entrevista ao Sportv. "Eu não sei o que aconteceu ainda. Eu queria muito a medalha, eu queria muito ganhar. Eu tentei de tudo. Eu fiz o que eu podia no terceiro, que foi onde errei de manhã. E eu não sei o que aconteceu no último 50, que é sempre o meu ponto forte. É sempre onde eu consigo conquistar todos os meus resultados e hoje não consegui. Eu tentei de tudo, mas não foi possível." 2 de 3 Nadador brasileiro Guilherme Costa, 'Cachorrão', nos 400 metros livres dos Jogos Olímpicos Paris 2024 — Foto: Luiza Moraes / COB Nadador brasileiro Guilherme Costa, 'Cachorrão', nos 400 metros livres dos Jogos Olímpicos Paris 2024 — Foto: Luiza Moraes / COB Uma pesquisa inédita da Unicamp, a Universidade Estadual de Campinas, revela os impactos da pressão do esporte nos atletas. 3 em cada 10 esportistas de alto desempenho apresentam sintomas leves ou moderados de depressão. 16% sofrem com sintomas moderados de ansiedade, enquanto 24% relataram já ter pensado em cometer suicídio. O estudo indica que muito ainda precisa ser feito para preparar os futuros atletas às pressões que o esporte de alto rendimento traz. É o que explica a Paula Fernandes, psicóloga e orientadora do levantamento. "A gente precisa permitir que o ambiente esportivo no qual ele está inserido nessa base seja aberto para que ele fale sobre as percepções que ele tem, os sentimentos, as suas experiências. Ele precisa ser ouvido sem julgamento, sem preconceito. A gente precisa ter escuta ativa para esse atleta. Nesse sentido eu falo que a gente ainda está muito analfabeta. A gente precisa realizar uma alfabetização sobre o tema." Ela destaca que as questões de saúde mental dos atletas são muito menos negligenciadas desde que a ginasta Simone Biles abandonou os jogos de Tóquio, em 2021, quando era vista como favorita absoluta. Tudo pra que ela pudesse cuidar da saúde mental. Ela desistiu de disputar quatro finais individuais devido a bloqueios mentais que vinha sofrendo durante a execução dos movimentos. A pressão era grande, já que tinha diversas chances de medalha. Mas, ao mesmo tempo, ela lutava contra um caso de abuso sexual envolvendo um médico da equipe de ginástica artística dos Estados Unidos. O estudo da Unicamp indica que 14% dos atletas brasileiros entrevistados relatam ter sofrido abusos sexuais. O índice ainda pode estar subnotificado. O assunto se tornou prioridade também dos clubes que formam boa parte dos atletas no Brasil. O Minas Tênis Clube, por exemplo, oferece treinamentos de habilidades mentais para todos os atletas de base a partir dos 6 anos de idade. São encontros quinzenais, em que as disputas esportivas são colocadas de lado para exercitar habilidades como concentração e a forma como eles lidam com emoções e a pressão por resultados. Se necessário, alguns são encaminhados para psicólogos clínicos que auxiliam com questões como depressão e ansiedade. Cristiane Moreira, psicóloga do esporte no Minas Tênis Clube, conta que os esportistas demonstram estar mais dispostos a cuidar da saúde mental em meio aos treinos. "Antes a gente via os atletas muito mais reprimidos, porque eu tenho que ser super-herói, eu tenho que ser forte, eu tenho que dar conta. E aí agora eles percebem que eles não precisam dar conta de tudo, porque eles também são seres humanos, né? A gente costuma falar isso muito com os atletas. Olha, você também é um humano, você também pode chorar, você também pode sentir as emoções." Até locais com tradição no acompanhamento psicológico de atletas passaram por um reforço nesse serviço de saúde. É o caso do Clube Pinheiros, em São Paulo, que tem um departamento de psicologia para os atletas desde os anos 1990. Marcelo Villela, psicólogo esportivo do clube, conta que os atendimentos aumentaram nos últimos 10 anos, a partir do episódio do 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil na Copa de 2014. Isso por causa da pressão que esse episódio representou pros nossos atletas, que foi fator decisivo. "Eu sinto que ali, a partir de 2014, da Copa do Mundo, a gente se falou muito do tema de psicologia. E todas as Olimpíadas também. Muitos atletas falam que nessas Olimpíadas foi muito legal. A Raíssa está falando que faz terapia também. A Rebeca Andrade está falando que faz terapia. Então, todo esse movimento olímpico, todo esse movimento do alto rendimento, abrindo as portas para a psicologia, vai dando cada vez um engajamento maior, cada vez uma importância maior para a nossa área. Então, eu acredito que a partir dos acontecimentos de 2014, a população geral olhou e viu que realmente é um preparo necessário. É um dos quatro pilares ali. O rendimento do atleta, a gente fala da questão tática, técnica e física, mas a questão mental é muito importante." Os pesquisadores da Unicamp também identificaram que existe um desequilíbrio na pressão psicológica dependendo da modalidade praticada. Atletas que competem individualmente, como no tênis ou atletismo, tendem a sofrer mais do que os que disputam em equipes. 3 de 3 O tenista Stephan Noale, de 17 anos. — Foto: Reprodução/ Instagram O tenista Stephan Noale, de 17 anos. — Foto: Reprodução/ Instagram O tenista Stephan Noale, de 17 anos, já passou por situações em que viajou para torneios internacionais sem a companhia de um treinador, apenas com outros colegas. Nesses momentos, o preparo psicológico é ainda mais importante. Ele também relata como a saúde mental já foi decisiva para ir até o final de partidas disputadas e vencer. "Então, muitas partidas acontece isso, de você chegar no seu limite, o seu físico está no máximo, mas você tem que pensar que o seu adversário está igual, vai estar cansado, vai estar pegando o físico ali e a cabeça, quem tiver a cabeça mais firme, ganha esses jogos, aconteceu bastante comigo já, jogos de 4 horas, você ganha assim pelo mental, e aí com certeza o trabalho que você faz fora da quadra e também dá um alívio, ganhar jogos assim, tem gente que até brinca que é importante ganhar jogos complicados para questão de confiança e tudo." Já a nadadora Yasmin Veloso tem 15 anos e passa pelo acompanhamento psicológico do clube mineiro. Ela conta que, quando não vai bem numa prova, aprendeu a focar no que precisa melhorar e a reconhecer no que foi bem. E ela relata o que sentiu quando viu a tristeza do Guilherme Costa, o Cachorrão, na Olimpíada de Paris. "Ele foi incrível, e tanto que quando ele não conseguiu a medalha, eu senti a dor que ele sentiu no final. Se ele não conseguir o seu maior objetivo, você vai ficar muito triste, mas bola pra frente, você tem outros. Vamos bater os outros objetivos que depois vai tudo certo, né?" Os especialistas também pontuam que o próximo passo é focar nos cuidados com a saúde mental dos treinadores e da equipe técnica. *Com colaboração de Luiz Delboni e Julia Galvão. Mais recente Próxima Lula parabeniza Rebeca Andrade e equipe do judô, que ganharam medalhas neste sábado (3)