Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sexta-feira, 25 de maio de 2012

QUIPROQUÓ COM COBRA CRIADA

     Há 15 anos, em maio/junho de 1997, tive um quiproquó com um colunista da Zero Hora. Antes de dizer com quem e sobre o que foi, permitam-me explicar o que é quiproquó.
     De acordo como dicionário Houaiss, quiproquó é um substantivo masculino que significa: 1. (Rubrica: história da medicina) - livro que existia nas farmácias para indicar as substâncias que deveriam substituir as receitadas pelo médico, caso a farmácia não as possuísse; 2. (Derivação: por extensão de sentido) - engano, erro que consiste em se tomar uma coisa por outra; equívoco; 3. (Derivação: por metonímia) - a confusão criada por esse engano.
     A palavra deriva da expressão latina Quid pro quo, que significa “tomar uma coisa por outra”. E foi neste sentido que o assunto se (des)enrolou.
     Quanto ao colunista, trata-se do mega-adjetivável Paulo Megalômano Sant’Anna. Eu de um lado; ele de outro; e um redator babaca no meio, causador do quiproquó.
     Eis os fatos.
     Em sua coluna na edição de ZH do dia 27 de maio de 1997, Sant’Anna escreveu que um repórter de uma emissora de rádio do interior era um dos “dois únicos” radialistas gaúchos que “pronuncia” a palavra necropsia corretamente. Percebi três coisas estranhas na frase: além da questão da concordância, penso não existirem “dois” únicos e sei que ambas as formas (necropsia e necrópsia) são correntes e corretas. Resolvi, então, escrever para a seção SOBRE ZH, que nem sei se ainda existe, corrigindo o colunista sabe-tudo.
     Começou o quiproquó. Claro que as correspondências encaminhadas a um veículo passam por alguém (seria um jornalista?) que, depois de selecionar as que serão publicadas, edita-as. E a pessoa em questão fez o maior estrago, invertendo a ordem dos fatores e alterando o produto. O meu e-mail saiu assim publicado no dia 10 de junho:

     Paula Sant’Anna disse (ZH de 27 de maio) que determinado repórter de uma emissora de Passo Fundo é um dos “dois únicos” radialistas gaúchos que “pronuncia” a palavra necropsia corretamente. Em primeiro lugar, não identificou quem é o outro radialista. Em segundo, não existem “dois únicos” (assim como não há três metades). Em terceiro (o erro mais grave), Sant’Anna escreveu que o tal radialista é um dos que “pronunciam” e não um dos que “pronuncia”. Se o rádio ensina o povo a falar, o jornal ensina-o a escrever*. A concordância é obrigatória no jornal.

(*na sua crônica, Sant’Anna falara sobre a importância de um radialista falar corretamente, porque, segundo ele, o rádio ensina o povo a falar)

     Deu merda. Ao editar meu texto, o cara (devia ser um estagiário) inverteu a ordem das palavras pronuncia e pronunciam. Originalmente eu dissera que “... Sant’Anna escreveu que o tal radialista é um dos que ‘pronuncia’ e não um dos que ‘pronunciam’”.
    
Não deu outra. Virei o assunto da coluna do Sant’Anna dias depois de o meu e-mail ter sido publicado. No dia 14 de junho ele veio com isso:

Três metades e dois únicos

     Não ia responder à carta enviada pelo leitor Aldo Luiz Jung à interessante seção Sobre ZH, em boa hora implantada no nosso jornal, publicada no dia 10 de junho corrente. Mas uma outra carta de uma leitora, Marlise Cardoso, indignada com a clamorosa injustiça de que fui vítima, impeliu-me a bradar contra o despropósito.
     De uma crônica em que eu elogiava um radialista por falar corretamente o português, o senhor Jung pinçou o que ele julgava fossem dois erros meus. Levantou-se contra a minha expressão dois únicos radialistas, dizendo que “único é um só”. Se único fosse sempre um só, meu caro senhor Jung, não se poderia levar a palavra para o plural. Qualquer pessoa ou coisa ou circunstância que seja somente a uma outra, será também única, por diferenciarem-se ambas dos demais. Desculpe, senhor Jung, mas o senhor se quebrou.
    
Mas para pior mal ainda do senhor Jung, ele asseverou que não existem "dois únicos", assim como não podem existir "três metades". Pois eu quero arrasar o senhor Jung dizendo a ele que ainda anteontem eu cortei três laranjas pela metade, chupei três metades e minha filha chupou as outras três metades. Viu, senhor Jung, como uma laranja e meia podem ser ao mesmo tempo três metades? Eu não posso entender como é que o senhor não saca coisa assim tão primária?
    
Finalmente, para culminar o momento azarado que o senhor Jung escolheu para meter o pau no meu português pela sua carta, ele incorreu numa terceira mancada: classificou de completamente errada a minha expressão "um dos que pronunciam corretamente a palavra necropsia", afirmando que o correto é "um dos que pronuncia". No entanto, se tivesse escolhido qualquer das duas formas, não caberia ao senhor Jung corrigir-me.
    
Lamentável, senhor Jung. Não era seu dia. Os professores Hildebrando A. de André (Gramática Ilustrada) e Nélson Custódio de Oliveira (Português ao Alcance de Todos) afirmam em suas obras que, quando o sujeito estiver representado pela expressão "um dos que", o verbo vai para o singular ou para o plural, como quiser quem escreve. E o nosso professor de português aqui da casa. Adalberto J. Káspary, define que o mais aconselhável é usar no plural, embora esteja também certo o singular ("Sou um dos que mais anima” ou "Sou um dos que mais animam", ambos corretos, Mr. Jung).
    
Depois desta goleada de três a zero, quero dizer ao senhor Jung que esta minha vitória estrondosa sobre ele não tem nenhum mérito: é um triunfo do profissional sobre o amador. Eu lido profissionalmente com a língua pátria há decênios e o senhor Jung deve ser uma criança que ainda está se alfabetizando.
    
Mas a julgar pelo seu elogiável interesse gramatical, o senhor Jung tem enormes possibilidades de dominar o léxico na maturidade. Só lhe dou um conselho: outra vez que for terçar armas sobre português, escolha como adversário um iniciante como o senhor. Não se volte contra ninguém como eu, que já sou cobra criada na matéria: dispute nas divisões inferiores primeiro, como o Guga Kuerten humildemente fez, depois pode ser que o senhor tenha chance de desafiar a nós, os 20 primeiros do ranking.

     Ao que, sem mais, respondi-lhe:

     Por favor, imprimam este e-mail e entreguem aos cuidados de Paulo Sant'ana, mas sem intermediação de um “copydesk”.

     “‘Errar’ é humano...
     Mas ninguém gosta de comprovar sua natureza humana por esse caminho. Nem mesmo quando o erro é de Português. Vem sempre uma frustraçãozinha danada se a gente erra, mesmo sabendo que se comunicou.”
(OLIVEIRA. Edison de. Todo Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. Porto Alegre: Gráfica e Ed. Do Professor Gaúcho. 186p.)

     Prezado profissional

     Vamos por partes, como dizia o esquartejador.

Único. [Do lat. Unicu.] Adj. 1. Que é um só. 2. De cuja espécie não existe outro. 3.
Exclusivo; excepcional. 4. A que nada é comparável. 5. Superior a todos os demais.
(Aurélio Buarque de Holanda Ferreira).

ÚNICO, adj. Um; que é só no seu gênero ou espécie, que não tem outro igual a si; singular, que não tem par, desacompanhado de outro.
(Caldas Aulete).

     Nas circunstâncias desses verbetes, não me quebrei, meu caro e único profissional. Apoiado por dois laterais do quilate de Aurélio e Caldas, gol do meu time: 1 X 0.

Metade. [Do lat. Medietate, ] S. f. 1. Cada uma das duas partes iguais em que se divide um todo: metade de uma laranja; a metade do caminho...
(Aurélio Buarque de Holanda Ferreira).

METADE, s. f. cada urna das duas partes que resultam de um todo dividido exatamente pelo meio...
(Caldas Aulete).

     Compreendo teu jogo. O teu todo é formado de três laranjas, ao passo que o meu universo é de uma só laranja. A metade do teu todo, por óbvio, são três metades de três laranjas; a do meu, apenas duas, mas de uma só laranja — justamente aquela a que me referi na carta.
     Entendo, também, a tua confusão no assunto: não deves ter estudado a tal de matemá­tica moderna ou a teoria dos conjuntos, dos universos, tampouco deves ter ajudado tua filha (não sei a idade dela ou se tens outros filhos) a fazer os temas dessa matéria. De mais a mais, isto é uma coisa tão primária, nossos filhos a estudaram no primeiro grau. Quando nós fizemos o primário, que é como se chamava naquele tempo uma parte do atual primeiro grau, nem se estudava isso.
     Acho que a tua tática não me derrubou. Tentaste fazer uma linha de impedimento, mas teu zagueiro foi menos eficiente que meu atacante: 2 X 0.
     Por fim, caro Sant'ana, devo explicar que minha carta foi muito mal “copidescada” por um dos profissionais que fazem isto em ZH. Não deves lembrar o texto exato da tua crônica, caso contrário terias percebido a confusão que o
copydesk criou. Na verdade, disseste na crô­nica “um dos dois únicos que pronuncia”; eu rebati dizendo que deveria ser “um dos dois úni­cos que pronunciam”. Só que o profissional que redigitou o meu e-mail escreveu exatamente o contrário, ou seja, que tu terias dito “pronunciam” e eu, “pronuncia”. Viste que confusão o teu, ou melhor, o profissional de ZH criou? E quando digo que não lembras do teu texto falo com propriedade. Na tua réplica publicada sábado, dia 14, dizes assim: “...classificou de completamente errada a minha expressão ‘um dos que pronunciam corretamente a palavra necropsia’, afirmando que o correto...”. Saliento: a expressão que usaste foi: “um dos que pronuncia corretamente a palavra necropsia”.
     Vou anexar a esta carta o meu e-mail original e o que saiu publicado. Procure ler a tua crônica de 27 de maio.
     A propósito deste assunto, do mesmo livro do Édison de Oliveira do qual copiei a cita­ção do começo desta carta, extraí o seguinte:

     “É APENAS UM, MAS LEVA O VERBO PARA O PLURAL

     A expressão ‘um dos que...’ significa ‘um dentre os quais’. Assim, quando dizemos, por exemplo, ‘Um dos fatores que mais nos prejudicam é a presunção’ o sentido é: ‘Um dentre os fatores que mais nos prejudicam é a presunção’. Por isso é que o verbo (neste caso ‘prejudicar’) pode ir para o plural. Ele concorda com o termo ‘quais’ (plural) e não com o termo ‘um’ (singular)”
(OLIVEIRA. Edison de. Todo Mundo Tem Dúvida, Inclusive Você. P.145)

     Para não deixar assim, pesquisei também em Gramática, de Faraco & Moura (13ª edi­ção, 1994, p. 402), e verifiquei que ambas as formas são aceitas. Dizem eles que numa oração principal onde aparece a expressão “um dos”, seguida ou não de substantivo, mais “que”, o verbo vai para a 3ª pessoa do plural ou fica na 3ª pessoa do singular. Exemplo:
     O professor C. V. é um dos que estão deixando o seu secretariado. O professor C. V. é um dos que está deixando o seu secretariado.
     Mas, como diz Adalberto J. Káspary, o mais aconselhável é usar no plural (como eu disse que era o correto), embora seja também certo o singular (como tu o escreveste na crôni­ca).
     Nesta eu me quebrei: achei que o gol tinha sido válido, mas me pegaram em impedimento e o anularam. Portanto, continua 2
X 0.
    
A par dessas questões técnicas, tens razão, Sant'ana, em classificar como elogiável o meu interesse gramatical. Foi só o que me moveu ao ousar criticar a tua correção. Contudo esqueci a quem estava criticando e cutuquei (o verbo é “cutucar” e não “cotucar’, como afir­maste em Sala de Redação outro dia) a fera com vara curta e te coloquei no mesmo nível de outros profissionais desse jornal, como os
copydesks que tentam resumir as cartas que rece­bem dos leitores e, cortando frases e termos, confundem tudo. Eu não soube ser “humilde” como o Guga e como tu, que humildemente te classificas como “cobra criada”, “profissional que lida há decênios com a língua pátria”, “um dos 20 primeiros do ranking”. Realmente essa tua humildade me comove: tu és único; não há ninguém como tu; dessa espécie não existe outro, és um só; nada e ninguém se compara a ti; és superior a todos os demais; e, assim mesmo, continuas humilde.
     Quanto ao meu amadorismo e o teu profissionalismo tenho a dizer que é muito fácil ser profissional em 60cm/coluna (ou 390cm2) e em corpo 12, ao mesmo tempo em que é muito difícil ser amador em 6cm/coluna (ou 39 cm2) e em corpo 9.
     Devo salientar que para criança já não sirvo: confesso que tenho 47 anos. Para amador tampouco: eu já era maduro quando, em 1978, me formei em jornalismo. Depois disso, já fui redator e editor de duas das melhores rádios de Porto Alegre, uma delas a tua Gaúcha. Sabes por que desisti da profissão? Porque percebi que jamais haveria lugar para dois únicos Paulos Sant'anas: seria eu ou tu. Foste tu. Uma das metades venceu.
     Temos, porém, algumas coisas em comum: além de sermos gremistas e de fumarmos muito, consegui aparecer na coluna inteira de um dos 20 primeiros do ranking e num sábado.

Até o próximo jogo. Cordiais saudações.

Aldo Luiz Jung

     Não sei se ele chegou a receber este e-mail. Sei, contudo, que tive apoiadores. Abaixo duas cartas enviadas à coluna SOBRE ZH.

     Como faço diariamente, com prazer, li a crônica de Paulo SantAna do dia 14 de junho ("Três metades e dois únicos") em que ocupa a coluna inteira para replicar a crítica que lhe fez o leitor Aldo Luiz Jung em cin­co linhas, que também li, sobre o emprego e­quivocado de plural sintático. Lamento que Paulo Sant'Ana, um corifeu do jornalismo rio-grandense, reconhecido por todos, tenha se excedido na réplica ao revidar de forma cruel e violenta uma simples critica.
    
Episódios como esse demonstram o po­der discutível da imprensa. Com efeito, Paulo Sant'Ana, um ente insuspeito, utiliza sua coluna diariamente para criticar o que não considera correto, quase sempre com razão. Porém, quando um reles mortal. lei­tor seu. ousa criticá-lo, recebe dele desme­dida e desproporcional critica. Pisaste na bola, meu caro Paulo Sant'Ana, a humilda-de no sucesso continua sendo o corolário da grandeza.

Paulo Fernando Martins
Advogado, Novo Hamburgo (RS)

 

     O Sr. Paulo Sant'Ana rebate (ZH de 14 de junho) a “clamorosa injustiça de que foi vítima” e “brada contra o despropósito” de um leitor. Vejam o que faz a falta de pauta... O Sr. Sant'Ana, que “lida profissionalmente com a língua pátria há decênios”, parece se dar pouco com a ÉTICA. Acho que há muito não tem adversários para destilar seus “triunfos profissionais”: expressões como “pois eu quero arrasar o senhor Jung”, “depois dessa goleada de três a zero” e “nós, os 20 primeiros do ranking” são as de um desportista frustrado. Pelo visto, o senhor “cobra criada” gosta de jogar nas várzeas, golear os Barranco Sport Clubs e achincalhar seus leitores por causa de pequenas esgrimas lexicais. Belo ranking, senhor Sant'Ana!

Roberto Alejandro Wild
Jornalista, Porto Alegre (RS)

     Enfim, sem reler sua crônica original, que motivou o envio de minha primeira carta, o “cobra criada que lida há decênios com a língua pátria” embarcou na babaquice do redator e confirmou que realmente estava enganado quanto à concordância.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Petição

     Tenho recebido emails pedindo que eu assine petições para acabar com o Big Brother Brasil. Petição, como todo mundo sabe, é um pedido a uma autoridade, mais comumente a um funcionário governamental ou entidade pública. No sentido coloquial, uma petição é um documento oficial assinado por vários indivíduos. Uma petição pode ser oral, escrita, e, agora, também através da Internet. A petição nesses termos também é conhecida como abaixo-assinado, documento coletivo, de caráter público ou restrito, que torna manifesta a opinião de grupo e/ou comunidade, ou representa os interesses dos que o assinam.
     Resolvi dar uma olhada em dois sites que disponibilizam o serviço de petições online. Comecei olhando só as que querem o fim do BBB e, até onde tive paciência, encontrei seis abaixo-assinados. Somando as assinaturas dessas seis petições até às dez e meia do dia 28 de janeiro de 2012, encontrei o fantástico número de 30.069! Puxa vida: seja lá pra quem for — Rede Globo, Ministério Público, etc. —, os destinatários, com certeza, ficarão muito sensibilizados com tamanha quantidade de assinaturas. Vão comparar esse número de indignados assinantes com o número de ávidos votantes dos paredões, que chega a muitos milhões e dar risadas.
     Os argumentos para a retirada do programa do ar são, em geral, os mesmos. Pelos textos dos cabeçalhos das petições tem-se uma ideia do nível do autor. Escolhi um deles, cujos signatários asseveram que o Reality Show Big Brother Brasil, DEVE SER RETIRADO DO AR, pois, o mesmo:

1. Divulga e promove desde de (SIC) suas etapas de pré-seleção de seus candidatos e durante sua programação, a ética da exclusão;
2. Promove e privilegia a mulher-objeto, fazendo com que suas participantes femininas sirvam tão somente de objetos de voyeurismo sexual de suas audiências;
3. Incita e dar (SIC) a entender que “pelo jogo” vale tudo, atentando contra todo tipo de ética estabelecida para as boas relações, no que diz respeito as (SIC) conquistas de oponentes;
4. Ajuda a alimentar a alienação da população com a sedução da ilusória participação telefônica;
5. Não ajuda na formação de um povo consciente e cidadão de bons costumes e de boa índole.

Ética da exclusão? Qualquer dia vão querer acabar com os torneios de futebol estilo mata-mata, com o vestibular, com o Exame da OAB (este seria ótimo se acabasse). Mulher-objeto? Ah, então foi o BBB que inventou isso? Quanto aos itens 3, 4 e 5, sem comentários. O pessoal da TFP[1] (Tradição, Família e Propriedade) deve ter adorado.
     Ora, abaixo-assinado pra acabar com um programa da Rede Globo. As pessoas gostam de perder tempo, paciência e pagar mico. Eu tenho uma solução pra acabar com o BBB. Preste atenção: se você estiver assistindo à Globo, assim que terminar a novela das 21 hclip_image002oras estique-se um pouco, pegue o controle remoto que está sobre a mesa de centro da sala e escolha outro canal de televisão qualquer. Se for assinante de alguma TV a cabo ou satélite — ou seja lá o que for —, você terá dezenas de canais pra escolher. Na pior das hipóteses, você terá a Record, a Rede TV, o SBT, a Educativa (Cultura) e a Band pra assistir, pelo menos pela próxima hora. Se quiser ser mais radical, no entanto, desligue o aparelho de TV e vá fazer amor com seu parceiro ou parceira.
     Quanto aos abaixo-assinados em geral, achei umas pérolas nos sites que oferecem o serviço de petições online. Veja alguns.

Quero RETIRAR minha assinatura do Projeto do Bem-estar Animal do Deputado Tripoli

Eu abaixo assinado quero RETIRAR o meu apoio e assinatura anteriormente conferidos, por engano e inadvertidamente, ao projeto do “bem-estar” animal do Deputado Tripoli.
NÃO concordo com as cláusulas que permitem a eutanásia de animais e o não-tratamento de animais considerados “muitos doentes”.
Considero que caí numa armadilha.
Feito o contato com a WSPA, que recolhe as assinaturas da referida pétição, fui informado de que a entidade não sabe como devo proceder.
Sendo assim, EXIJO, através da atual petição, que seja considerada NULA e RETIRADA a assinatura anteriormente dada ao referido projeto.

118 pessoas assinaram isso.

O serviço de transporte já está melhorando (Será???)

Bem, na minha opinião, os preços das passagens do transporte público em PE são absurdamente altos. Essa constatação só aumenta quando correlacionamos esses preços a qualidade dos serviços prestados pelas empresas.
Ontem - 1° dia da prática dos novos preços - já percebi a diferença na prestação do serviço (Será????):
1 - O ônibus da linha Igarassu / Sítio Histórico, que peguei pra ir ao trabalho, quebrou duas paradas após eu ter subido nele.
Resultado: tivemos (eu e todos os demais passageiros) que esperar na chuva para entrar num Igarassu / BR 101 lotado. (23/01/12 às 13:50)
2 - No ônibus Paulista / Lot. Bonfim, que saiu do Pelópidas Silveira às 22:40, que peguei na volta para casa, não tinha o sinalizador de parada.
Resultado: o motorista queimou minha parada, mesmo eu tendo sinalizado, e ainda fica soltando piada junto com o motorista. (23/01/12 às 23:00)
Isso é que é Brasil! Isso é Pernambuco!

As duas pessoas que assinaram isso nem estão pedindo, estão perguntando.

E outros:

Suspenssão (SIC) do trio elétrico no horario (SIC) da missa aos Domingos

Conscientização dos motoristas contra o desrepeito (SIC) ao pedestre e ciclista em Belo Horizonte.

Queremos A Banda Mais Bonita da Cidade no Programa Altas Horas

Contra o visto da Mercenária Cubana Yoni Sanchez no Brasil

     Resumindo: as coisas estão ficando muito vulgares. No campo das petições, por exemplo, vê-se de tudo. Vou ter que tomar uma atitude e fazer uma petição pra acabar com as petições. Você assinaria?


[1] Tradição, Família e Propriedade (TFP) ou Sociedade brasileira de defesa da tradição, família e propriedade (1960), é uma organização católica tradicionalista e conservadora brasileira.
Foi fundada em 1960 por Plínio Correia de Oliveira, deputado federal Constituinte em 1934 e jornalista católico, pautada nos princípios de sua devoção à Santíssima Virgem(...). A nova sociedade baseava-se em sua obra Revolução e contra revolução (1959) e propõe uma vigorosa reação com base no amor à ordem cristã e na aversão à desordem.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Simplesmente Manu

     Era junho de 1979. Há pouco mais de dois anos eu havia saído de um casamento insosso que durara quatro anos, não dera frutos nem produzira lucros. Fazia pouco menos de um ano e meio que já estava noutro e, naquele mês, surgia uma menina na minha vida que a mudaria pra sempre.
     Praticamente recém-casado pela segunda vez e já entrava outra mulher na minha história. E muito mais moça do que eu. Sabia que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde. É da natureza. O que fazer? Assumir, claro, com desenfreada paixão. Não resisti àqueles grandes e expressivos olhos, àquela boquinha bem desenhada, àquele narizinho empinado — no bom sentido — e àquela simpatia que contagiava a todos, especialmente a mim.
     Eu havia mudado de cidade. Trabalhava em Porto Alegre, mas estava morando em São Leopoldo. Conhecia-a no fim da tarde de um dos dias mais frios daquele inverno. Justamente num dia em que não tinha ido trabalhar, pois estava no hospital, onde minha mulher havia baixado no dia anterior. Vi-a passar no corredor, com uma enfermeira. O que me chamou a atenção foram os gemidos baixinhos que ela emitia e que me deixaram apreensivo. O que teria acontecido? Curioso, fui atrás, perguntei aqui e ali e descobri que não era nada e, também, que aquela era a Manuela que, a partir desse dia, passou a fazer parte da minha vida.
     Como só trabalhava à tarde, passávamos as manhãs juntos. No começo, por causa do frio, apenas fazia companhia a ela na sua própria casa. Com o fim do inverno, passeávamos por quase toda Independência — ou Rua Grande, como é conhecida —, a rua principal de São Leopoldo. Íamos até a Praça Imigrante, na margem do Rio dos Sinos, e voltávamos. Às vezes parávamos em alguma lancheria para tomar um refrigerante, pois eram quentes aquelas manhãs ensolaradas. Algumas pessoas que cruzavam conosco nas movimentadas manhãs da Rua Grande paravam para elogiar a beleza daquela garota, que nada dizia, apenas sorria. Noutros dias, estendíamos um pano na grama, em frente à casa dela, e ficávamos à sombra, lanchando e vendo o movimento da rua. Quando voltava do trabalho, no fim da tarde, ela me recebia cheia de gracejos e sorrisos, que eu retribuía com muitos abraços e carinhos. Era um sonho. O melhor de tudo é que o surgimento daquela paixão melhorou ainda mais meu casamento, que já era bom.

.:: o ::.

     Viemos morar em Porto Alegre. O tempo passou rápido, como sempre. A distância entre nossas idades não aumentara, mas dava a impressão de crescer numa razão logarítmica: enquanto ela amadurecia, eu envelhecia.
     Chegou o dia em que ela passou a preferir divertir-se junto a suas muitas amigas, sair com elas à noite. Claro que eu não fazia parte desse plano. Entendi, conformei-me e, ainda por cima, levava-as e buscava-as nas festas que frequentavam. Lembro-me do despertador me chamando às cinco da madrugada, inclusive no inverno. Eu nem guardava o carro na garagem pra não ter que abri-la. Lá ia eu, todo encasacado, cheio de lã, de boné e tudo, pra Dom Pedro II, pra Goethe, pra Plínio ou pra onde houvesse festa. Entre seis e seis e meia aquele bando invadia meu carro, cada uma a sua vez dizia “oi, tio” e passavam a tagarelar todas ao mesmo tempo. Manuela ia quieta ao meu lado. Eu nem perguntava se ela tinha gostado. Sabia que no fim de semana seguinte a cena se repetiria, portanto, sinal que era bom.

.:: o ::.

     Hoje, 32 anos se passaram desde aquele junho de 1979 em que Manuela entrou na minha vida pra despertar em mim um amor diferente, que eu nunca sentira antes. E 32 anos é exatamente a idade de Manuela, ou simplesmente Manu, que nasceu no fim de tarde daquele dia frio, que passou gemendo nos braços da enfermeira desde a sala de cirurgia até a maternidade do hospital, cena que eu, casualmente, presenciei da porta do quarto.
     Em janeiro de 1980, há 32 anos, todo orgulhoso, eu exibia minha filha, Manu, pra quem passasse pela Rua Grande.

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     Hoje, 32 anos depois, não passeamos mais pela Rua Grande nem a levo e busco da balada, mas meu orgulho continua.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Guri bom de bola

     Não. Não vou falar sobre o torneio promovido por uma empresa de comunicação do estado. Apenas aproveitei o título.
     Recebi um email contando a história do incrível Lionel Messi, craque do Barcelona, eleito três vezes melhor jogador do mundo. Eu já a conhecia. Para quem não conhece, um resumo.
     Lionel Andrés Messi nasceu em Rosário, na Argentina (ninguém é perfeito), em 24 de junho de 1987. Aos oito anos era considerado autista e, aos 13, media 1,10m. Os médicos diziam que ele chegaria no máximo a 1,50m quando adulto. O tratamento contra o nanismo era caríssimo, inviável para os pais do garoto. Eram necessários quatro meses de salário da família pra pagar um mês do tratamento.
     Aos 10 anos, o baixinho despontava no Newell's Old Boys, clube que negou pedido do pai de Lionel para bancar o tratamento. A família foi, então, bater à porta do famoso River Plate, que também negou ajuda.
     Com o amparo de uma tia, a família Messi foi para Lérida, na Catalunha, Espanha, em 2000. Pouco antes de completar 13 anos, Lionel fazia teste no Barcelona. Nem é preciso dizer que foi imediatamente contratado. A proposta era bancar-lhe um tratamento à base de hormônios. 42 meses depois de tomar injeções diárias, Messi alcançou o tamanho que tem hoje: 1,69m.
     Em 2004, com 17 anos, contratado como profissional, entrou para a equipe B do Barcelona. Depois de cinco jogos, contudo, começou a jogar na equipe principal.
     O resto da história todos conhecem.

     Pois eu, sem falsa modéstia, poderia ter tido um Messi na vida, claro que sem as características do autismo e do nanismo. Vou contar a história.
     Já escrevi aqui que para o futebol sempre fui um perna de pau (Jogos de bola). Torcia, claro, para um time de Porto Alegre, mas sem fanatismo, como torce a média das pessoas. Não era de ir ao estádio e nem de ficar ouvindo jogos no rádio ou vendo na TV, salvo quando fosse um grande jogo: Grenal, Copa do Mundo, Libertadores, final de brasileiro ou gauchão, etc.
     Um dia, como acontece naturalmente com muita gente que se multiplica, tive filhos. O segundo a nascer foi um menino. É de praxe que meninos brinquem de carrinho e de bola, e o meu não fugiu à regra. Na segunda série do ensino fundamental percebi alguma coisa estranha naquele menino: era o craque da turma nos recreios da escola. O que fazer? Incentivar, é claro! Sempre que possível, batia bola com ele.
     Na terceira série foi para um colégio grande e continuou jogando bola o tempo todo. Um dia, não sei exatamente quando, chegávamos em casa voltando da praia, o guri vestia uma camiseta do Grêmio, aproximou-se um senhor e disse que tinha uma escolinha de futebol e que, se o garoto gostasse, poderia participar. Deu as dicas e no primeiro sábado de tarde lá nos fomos. Os treinos eram num campo onde hoje é a Praça Sport Club Internacional, no miolo entre as ruas General Lima e Silva, Érico Veríssimo, Ipiranga e Dr. Sebastião Leão. Logo em seguida a área foi isolada para urbanização e a gurizada se transferiu para uns campos que havia atrás da Secretaria da Receita Federal, o chocolatão.
     O tal senhor que instruía a garotada se chamava Amarante e fora jogador de futebol. A parte que acreditei do que ele disse foi de ter jogado no Guarani de Bagé e no Flamengo de Caxias; quando falou que jogou no Santos, ao lado de Pelé, só fingi ter acreditado. Mas era gente fina. Na época ele tinha um irmão que jogava no Grêmio como zagueiro e um sobrinho no Inter, também zagueiro. Não me lembro o nome deles, mas eram conhecidos.
     Pois o Amarante, que era zelador de um prédio próximo ao que eu morava, me perguntou um dia se eu queria vaga para meu filho na escolinha do Grêmio, onde uma das equipes precisava de um quarto zagueiro. Dito e feito. Numa tarde de sábado do segundo semestre de 1992 nos apresentou ao Rubem, também um ex-jogador que treinava uma das equipes daquela escolinha e, a partir de então, o garoto, apesar de ter talento pra atacante, ficou guardando um dos lados da entrada da grande área. Naquele ano nunca foi driblado e sua equipe chegou ao quarto lugar da categoria 79/80 no campeonato da escolinha do Grêmio.

clip_image002O time de 1992

     A escolinha tinha aulas no estádio Olímpico, num dia da semana. Nesses treinos, os meninos faziam exercícios físicos e aprendiam os fundamentos do futebol. Sábados à tarde havia torneio entre as equipes daquela categoria nos campos do Cristal. Para o guri continuar participando em 1993 tive que me associar ao clube. Até que foi bom, porque me obrigou a começar a ir aos jogos do Grêmio.
     Termina ano, começa ano e, em relação a esse assunto, o que mudou foi o dia dos jogos: como trocou de categoria, em vez de sábados à tarde os jogos passaram para os domingos pela manhã. Imagine no inverno, acordar domingo lá pelas seis e meia para estar no Cristal às oito... Mas lá estávamos: eu, de fora das quatro linhas, todo entrouxado, esfregando as mãos e batendo queixo; o garoto, de calção e camiseta, correndo pela ponta direita, entortando zagueiros e cruzando para a área. Nesse ano, porém, o time para o qual foi sorteado não conseguiu boa classificação, mas pelo menos o guri já estava jogando no ataque.

clip_image004 A equipe de 1993

     Em 1994 sim, começou num time que não tinha pra ninguém. Depois das primeiras goleadas nos adversários — inclusive com vários gols do meu garoto—, os “cartolas” se reuniram e resolveram misturar aqueles atletas nas outras equipes para equilibrar as coisas. Não adiantou. O time para o qual o meu craque foi ficou forte, sagrando-se campeão ao final do ano. Valeram aquelas manhãs frias de domingo na torcida.

clip_image006 O time campeão de 1994

     No ano seguinte, Marcos já não tinha idade pra escolinha. Se quisesse ser jogador de futebol tinha que fazer teste pra categoria sub-15 e, logo em seguida, pra juvenil. E os testes são fortes. Se o sujeito coloca aquilo como um ideal de vida e não é classificado, a frustração é grande e pode ser sentida o resto da vida. Felizmente, ele não quis. Enveredou pro futebol de salão, mas só por diversão, sem objetivo de profissionalizar-se.

     Já houve um Garrincha, um Pelé, um Maradona e um Ronaldo (o Fenômeno, porque o outro não conta); agora tem um Messi. Confesso que não troco nenhum deles por aquele que vai continuar sendo o meu craque pelo resto dos meus dias, mesmo sem ter ganho 33 milhões de euros por ano.

sábado, 31 de dezembro de 2011

O dia que não precisava existir

     O relógio do computador marcava pouco mais de 10 e meia quando comecei a escrever este texto. Chovia muito na manhã deste 31 de dezembro, o dia que, por mim, não precisava existir. Eu ia começar a falar sobre amargura quando, pela terceira vez neste mês, faltou energia (não estou falando da minha, mas da elétrica).

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     Cinco horas se passaram, a energia (a elétrica, não a minha) voltou e posso, finalmente continuar.
     Eu dizia que, por mim, este 31 de dezembro não precisava existir. Como não posso evitar, e é um dia importante para outras pessoas, pensei em voltar pra cama (isso naquela hora que faltou energia), dormir e só acordar quando fosse o primeiro dia útil do ano que vem. Nem me importaria de não apreciar os fogos, ouvir os foguetes que fazem todos os cachorros do mundo latir desesperadamente e assistir ao show brega da Globo. Se não fosse dormir pra acordar na segunda-feira, outra opção seria ver a meia noite passar como motorista de ônibus, recepcionista de motel, repórter, médico, enfermeiro, faroleiro ou qualquer profissional plantonista, pra passar alheio.
     Desde ontem estou amargurado. Não sei por quê. Talvez porque tenha olhado fotos de réveillons passados, das décadas de 80 e 90. Nelas revi meus filhos crescendo ano após ano naquelas festas de família numerosa, cheia de tios, primos, cunhados e cunhadas, concunhados e concunhadas. São vários álbuns de fotos de um tempo que — é óbvio — nunca mais vai voltar. Nenhum tempo volta, mas, quando se fala assim, fala-se de uma circunstância. E essa circunstância — eu com filhos pequenos, depois adolescentes, em festas de fim de ano cheia de parentes, roupas novas, espumantes, salgadinhos, picanhas, costelas, vazios e cervejas, sorrisos, abraços, poses e flashes — não vai mais acontecer. Os filhos das fotos já são gente grande. Hoje, por exemplo, uma está no Rio; o outro, nem tenho ideia, pois não atende ao telefone, não me liga e nem responde o torpedo de Feliz 2012 que mandei de manhã; eu e a mãe desses filhos havíamos nos separado há alguns anos e, neste ano, ela nos deixou; os parentes numerosos eram família dela, não mais faço parte dela...
reveillon      Enfim, hoje, sem uma grande família, ninguém me convida pra essas festas de ano novo. Depois que inventaram as máquinas fotográficas digitais, qualquer um, ou melhor, procurando ser politicamente correto, todos são capazes de tirar fotos. Minha velha Pentax não é mais necessária.
     31 de dezembro de 2011 e ficarei restrito a minha mulher e ao filho dela. O réveillon vai ser entre cinco: nós três mais a cachorrinha Lila e a gata Wanda. Sim, vamos comer lentilha e porco, tomar espumante e cerveja e nos abraçarmos à meia noite. Não vou tirar, no entanto, muitas fotos para a posteridade. Vou armar o tripé da câmera na sacada da frente e tentar fotografar os fogos de artifício. Mas até eles têm sido mixurucas nos últimos anos.
     Não sou disso, mas aqui vai um plano pra 2012: será o último fim de um ano e começo de outro que passo em casa. A partir do próximo, se ninguém me convidar pra algo melhor, adeus, tia Chica, pego a Clarinha e nos vamos mundo afora. Dias como hoje não vão mais existir.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra

     Algo sobre o recente caso da enfermeira que maltratou um Yorkshire.
     Todos devem ter visto na internet o vídeo da mulher — uma enfermeira — maltratando um indefeso cãozinho da raça Yorkshire, jogando-o no chão e dando-lhe chutes. E, ainda por cima, na frente de uma criança. O revoltante caso virou o principal assunto no Facebook, motivando tanto irascíveis protestos como piadas de gosto duvidoso. Cheguei a ler postagens que poderiam ser classificadas como incitação à violência, instigação ao crime.
     A expressão do título — nem tanto ao mar, nem tanto à terra — significa “nem uma coisa nem outra; sem exageros; com equilíbrio”. E é assim que eu procuro manter minhas relações com animais: sem exageros. De jeito nenhum concordo com maus tratos, mas também não admito que eles sejam tratados como filhos ou qualquer membro da família. Abominável o que a enfermeira fez com o Yorkshire; inaceitável, porém, fazer dela a única bandida do mundo, esquecendo-se que há crimes muito piores sendo cometidos sem que alguém se digne, por exemplo, a “fazer ou assinar uma petição” para que o óbvio aconteça.
     Não consigo entender como alguns têm tanta comiseração com animais, mas não são capazes de se compadecerem com a miséria humana: desde a infância abandonada até a velhice desamparada.
     Eu tenho dois animais de estimação: uma cadela Poodle — a Lila — e uma gata Himalaia — a Wanda. Também convivo, ocasionalmente, com o Chico, um Yorkshire do meu filho. Pego-os no colo, dou carinho, alimento-os, trato-os quando doentes, mas não os beijo...
 

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     Recolhi na internet algumas opiniões de especialistas sobre o que considero exagero na relação de humanos com animais. Pra isso, pratiquei saudáveis CtrlCs de alguns sites e apliquei CrtrlVs neste texto. Tudo o que está abaixo saiu da cabeça de outros e, pelo que entendi, assim como maus tratos, apego demais também é problema psicológico.

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     Ter um animal de estimação em casa pode realmente ser uma ótima ideia. Eles trazem alegria para o lar, são ótimas companhias e, além de tudo, as crianças aprendem com eles a responsabilidade de cuidar de alguém e o valor da amizade. Mas, e quando o amor destinado a esses animais passa dos limites? De acordo com especialistas, é muito comum que as pessoas depositem uma quantidade enorme de amor nos bichos de estimação, e em casos mais extremos, vivam exclusivamente para cuidar destes animais. “Pessoas que apresentam um grau de depressão ou de carência muito elevado estão mais suscetíveis ao apego em excesso pelos seus bichos”, diz o psicólogo Paulo Tessarioli. “Muitas vezes, essas pessoas vivem em função do seu animalzinho, esquecendo-se, muitas vezes, de sua vida social, por exemplo”, diz.

     Para o psicólogo Hélio Guilhardi, mestre em psicologia experimental pela Universidade de São Paulo, “a convivência prioritária com o animal produz pessoas alienadas do mundo que as cerca”. Ele reconhece que ter um animal é saudável, mas diz que o bicho não deve ser fonte única de carinho. “Relações com animais podem envolver afetos genuínos, mas isso não basta. O afeto entre humanos tem uma riqueza superior e não pode ser dispensado. Excessos afetivos com animais não indicam sensibilidade privilegiada. Pessoas autoritárias, egoístas e metódicas tendem a ter mais facilidade em dirigir seu tônus afetivo para bichos. Conviver com animais torna a vida mais fácil, embora mais fácil não signifique melhor”.

     De acordo com Paulo Tessarioli, a primeira atitude é se convencer de que o exagero pode ser prejudicial. “Analisar sua postura com seu animal de estimação é o primeiro passo. Se o problema for com outra pessoa, vale tentar conversar, mas sem forçar a barra”. A ideia é mostrar que existem outras coisas na vida além daquele bicho. Mas, alguns casos pedem ajuda profissional. “Quando a pessoa não consegue se desligar do animal, seja por qualquer motivo, o melhor a fazer é procurar um especialista, já que problemas como depressão, desapego à realidade e solidão podem estar envolvidos”.

     Os especialistas explicam que quando as pessoas tratam os animais como se fossem filhos ou quando o elo se torna muito forte entre eles deve-se tomar certos cuidados. “É preciso fazer a distinção entre as espécies, para que possam aprender a cuidar da forma correta. Senão pode até adoecer um animal, por querer que ele seja uma espécie que não é”, ressalta a psicóloga Madalena Cabral Rehder.

     Além disso, ela explica que o apego excessivo ao animal pode trazer problemas como qualquer outro na vida da pessoa. “Ciúmes, agressão, exagero no cuidado, estresse pelos cuidados excessivos. Se a pessoa age assim, o animal não busca pelas ações livremente e acaba por não desenvolver os hábitos próprios.”

     O veterinário Milton Kolber complementa que as consequências desse apego vão além. “É aquela frase que diz que tudo que é demais não serve. Isto se aplica também ao animal, porque carinho excessivo resulta em mimo e desobediência”.

     Para César Ades, psicólogo especialista em comportamento animal e professor da USP, não há nada de errado em ter todo esse apego aos animais, desde que eles sejam tratados como tal e não como crianças ou gente.

     Segundo a psicóloga Regina Reis Joana Ribeiro, do ponto de vista clínico, o bicho de estimação é saudável até certo ponto. Quando este ponto é ultrapassado, há uma “humanização” do cachorro. Em contra-partida, justifica que “a partir do momento que um animal selvagem por natureza passa por um processo de urbanização para viver dentro de um domicílio, já estamos humanizando-o”.

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     Agora sou eu de novo. Os textos acima se referem às relações de humanos com seus próprios animais de estimação. Há, ainda, aquelas pessoas que se envolvem demasiadamente com quaisquer animais, exagerando na comiseração, esquecendo-se de que podem haver outras causas envolvendo a raça humana que mereçam mais atenção.
    Com esse caso da enfermeira que maltratou o cãozinho, o Facebook tornou-se o muro das lamentações dos hiper defensores dos animais, tanto dos abandonados como dos maltratados. Eu não gosto da palavra que vou usar, porque seu emprego é pejorativo, resultante de antiga tradição antissemita de origem européia, mas tem muita judiação não vista e não atacada pelos mesmos usuários do Facebook ou de outra rede social qualquer.

Enquanto isso...

     Acredita-se que atualmente chegue perto de oito milhões o quantitativo de crianças abandonadas no Brasil. Destas, cerca de dois milhões vivem permanentemente nas ruas, envolvidos com prostituição, drogas e pequenos furtos. Um número expressivo, demonstrando que não foram aplicadas políticas eficazes para a redução da triste realidade apresentada já em 1994, quando existiam sete milhões, segundo levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS).

sábado, 19 de novembro de 2011

O vento

O pessimista se queixa do vento, o otimista
espera que ele mude e o realista ajusta as velas.

William George Ward (teólogo inglês, séc. XIX)

     Chega o fim da tarde e traz junto o vento da primavera. Eu o chamo de Vento Gonçalves, porque da janela vejo a rua que homenageia o outro Gonçalves, aquele mesmo, o Bento da Revolução Farroupilha, e faço uma comparação entre ambos. Da janela também vejo os arranha céus da Bela Vista sendo lambidos pelos últimos raios do sol deste horário de verão.

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     Gosto do horário de verão. A mim parece que a luz do sol sobre a cidade fica mais bonita. O vento, em compensação, me deprime. Não gosto de vento, especialmente desse que assovia pelas frestas da mesma janela (e de todas as outras) por onde aprecio a beleza do fim de tarde. Sou como o pessimista da frase de William George Ward. Olho pra fora e vejo que o vento, de tão forte, também incomoda aquelas mulheres cujos cabelos, de tão duros, não sei qual é o pente que os penteia. Logo, logo passa voando desesperadamente um saquinho plástico branco, retorcendo-se todo à procura de um galho de árvore ou de uma malha de fios da rede elétrica onde possa enroscar-se e ali permanecer pelos próximos 30 ou 40 anos, que é o tempo que leva para se decompor.
     Em novembro venta muito. Ventou tanto no feriadão do aniversário da Proclamação da República que nem saí de casa. Não me recordo de um novembro anterior tão ventoso como o deste ano, mas a gente nunca se lembra de ventos, chuvas, calores e frios passados. Ainda bem que existem os jornais para estamparem na capa e as mocinhas do tempo dos telejornais para nos lembrarem que “há ‘x’ anos não ventava tanto” ou “não chovia tanto” ou “não fazia tanto calor” ou “tanto frio”; ainda bem que também existem os meteorologistas pra guardar os registros dessas efemérides e os informar à imprensa.
     O ruído do vento se confunde com o barulho dos ônibus que passam aqui embaixo. Às vezes penso que é um, mas é o outro. Só percebo que é o vento quando fica muito tempo zunindo, pois um ônibus acelerado não demoraria tanto pra passar. Olho para um pouco mais longe, em direção ao Morro Santana, e vejo uma fumaça branca como se fosse uma nuvem se arrastando célere e serelepe sobre os prédios da PUC. É uma imagem borrada. Se não tivesse vento, a fumaça subiria numa coluna levemente inclinada em direção às igualmente brancas nuvens, misturando-se a elas e tornando bucólica a paisagem que vislumbro. Ah, o vento que esfumaça a fumaça...
     À medida que o sol se esconde, mais o vento zumbi e zomba de mim, soprando pelas frestas das janelas, soando feito vaia da torcida ao time adversário: uhuhuhuhUHUHUHUHuhuhhu! uhuhuhuhUHUHUHUHuhuhhu! As esquadrias de alumínio das duas lâminas das portas envidraçadas das sacadas batem-se uma contra a outra. E são duas as sacadas. É preciso embuchá-las com um papelão dobrado. Fecho as persianas fabricadas com o leve PVC. Ah, mas elas, como eu, também não suportam o vento e, irrequietas, esfregam-se contra o trilho que as guia pra baixo e pra cima. É mais um ruído intermitente fazendo coro com a descontínua vaia do vento.
     Finalmente anoitece. Onde antes havia a luz do sol da primavera há, agora, a iluminação pública. A lua é minguante e só vai aparecer lá pela meia-noite, mesmo assim produzindo pouco brilho. Dizem que é nesse período de lua minguante que devemos aproveitar para nos livrar do que não mais precisamos, fazer limpeza doméstica, finalizar tarefas começadas, resolver assuntos pendentes, largar situações insatisfatórias. Dizem que tudo perde um pouco a intensidade e a importância. Espero que seja verdade e que este vento de novembro perca a intensidade.

     Puxa! Nem tinha me dado conta: enquanto escrevia o que meu coração sentia, o vento virou brisa. Encerro, então, com uma frase do padre António Vieira (religioso, escritor e orador português, séc. XVII):

     Para falar ao vento bastam palavras, para falar ao coração são necessárias obras.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Época pra ser criança

shurato      Na semana que antecedeu o Dia das Crianças, um amigo — que foi criança na década de 90 — postou no Facebook um trecho de uma animação japonesa que passava na TV. Era um tal de Shurato, de quem nunca ouvi falar, porque meu contato com programação infantil encerrou-se na década de 80. Na ocasião da postagem, fez o seguinte comentário: “sinto pena da criançada de hoje, que não tem coisas tão legais assim”. Me senti na obrigação de responder, dizendo: “Não fiques com pena dos que não têm o que tiveste, senão me sentirei obrigado a sentir pena de ti, que não teve o que eu tive...” Ao que o sujeito, não entendendo o que eu quis dizer, respondeu: “Sinta-se livre para sentir o que quiser, independente das minhas emoções. Acho difícil eu invejar a tua geração, uma vez que na minha já existia propaganda contra cigarro”. Resolvi parar por aí e até agora estou sem saber o que uma coisa tem a ver com a outra, assim como não sei o que pena tem a ver com inveja e Shurato com cigarro. Afinal, de acordo com Shakespeare, “só sou responsável pelo que eu falo, não pelo o que você entende”.
     Sinto pena — no sentido de compaixão, piedade, comiseração — de o amigo não ter entendido que vivemos tempos distintos e que não existe isso de uma época ser melhor que outra; pena que ele não sabe que cada um viveu suas experiências da melhor maneira que pode; pena que trouxe a discussão para outro lado. Em todo caso, já que me liberou pra sentir o que quiser, confesso que não sinto invejo nem pena de alguém que se emocionou com um “herói” japonês de olho grande que fala fazendo gestos marciais. Aliás, como todos os super heróis orientais... Talvez se existissem troços assim no meu tempo de criança eu também fosse fã. Como, porém, posso saber, se no meu tempo não havia essas maravilhas?
     Nasci no último ano da década de 40. Fui criança na de 50 e parte da de 60. Morava com minha família em uma casa, assim como todos os meus amigos de rua e colegas de escola, pois, naquela época, eram raríssimos os edifícios no bairro Higienópolis. Meu colégio ficava a cerca de um quilômetro da minha casa. Eu e outros meninos e meninas da minha rua e de ruas próximas íamos a pé até a Escola Santa Maria Goretti. As freiras nos recebiam na entrada. Da mesma forma voltávamos, juntos, fazendo algazarra pela rua.
carrinho      Depois de fazer os “temas”, a turma se encontrava na pracinha em frente a minha casa. Lá se jogava de tudo (já escrevi sobre isso em Jogos de bola). Além dos jogos, brincávamos de mocinho e bandido, de esconder, de pegar; por um cordãzinho puxávamos pequenos carrinhos de madeira, empinávamos pandorgas; andávamos de bicicleta, fazíamos carrinhos de lomba, enfim, uma infinidade de coisas somente possíveis a quem morava em um bairro residencial. E, com exceção do centro da cidade, todos os bairros eram residenciais na década de 50.
     Depois da janta, a diversão da família (naquela época uma famímlia tinha um pai, uma mãe e pelo menos dois filhos) era reunir-se na sala, em torno do rádio (leia O rádio). E foi assim até o surgimento da televisão, no início da década seguinte, quando o foco mudou. Nos sábados, como não tinha aula, passávamos o dia todo na rua. Nas manhãs de domingo íamos a missa; nas tardes, aos matinês dos cinemas. Havia pelo menos seis cinemas nas proximidades. Antes dos filmes, assistíamos a animações: Pica Pau, Tom e Jerry, Gato Felix, Dom Pixote, Zé Colmeia, Snoopy. Depoiso dia em que a terra parou vinham os filmes de faroeste, com John Wayne, Gregory Peck, Richard Widmark; os de ficção científica, como O dia em que a Terra parou, Guerra dos mundos, Planeta proibido, Vampiros de alma, entre outros (todos refilmados recentemente); os épicos históricos e religiosos, como Quo Vadis, Ben-Hur, Spartacus, Lawrence da Arábia, Cleopatra, além das comédias e dos romances. O legal era levar aquele monte de revistas em quadrinhos pra trocar no intervalo entre os dois filmes que passavam. E era com algumas dessas revistas que tínhamos contato com cowboys famosos (Roy Rogers, Durango Kid, Tom Mix, Buffalo Bill, Buck Jones, Hopalong Cassidy) e com super heróis, não orientais, mas norte-americanos: Super Homem, Batman, Fantasma, Homem de Ferro, Capitão América, etc. Pelo jeito, estes continuam “emocionando” também as crianças de hoje, pois volta e meia um deles aparece nas telas do cinema.
citroen      No caso específico da minha família, no verão passávamos alguns dias em Ipanema — não no Rio de Janeiro, mas no bairro homônimo de Porto Alegre —, onde tínhamos um chalé. Como era longe! O Citroën do meu pai ia lotado. Outras vezes, íamos de barca à praia da Alegria, no outro lado do Guaíba. Isso quando eu não ia pescar com meu pai na Ilha da Pintada. Voltávamos sem peixe algum, pois os devolvíamos para a água...
     Tomo a liberdade de reproduzir o texto que minha amiga Sandra Fagundes postou ontem, Dia das Crianças, no Facebook.

“Quando eu era criança gostava de dias de chuva, às vezes a nossa rua inundava e a gente tomava uns banhos de piscina, banho de mangueira, de tanque, de bexiguinha, ficava o dia inteiro montando casinha e depois tinha que desmanchar tudo porque a mãe chamou...odiava comer e dormir porque era perda de tempo, brincava de 5 marias, elástico, polícia-ladrão. E tem um detalhe eu tinha um grandalhão palh... aço que aprontava junto. Meu pai. Ele fez os móveis da Susy, a minha mãe fez as roupinhas, dia da criança tinha brincadeiras especiais....Não pude ser tudo isso para meus filhos, a correria nem sempre deixou, a vida mudou, entraram os eletrônicos, mas fui a quase todos os lugares que achei que não podiam faltar... Agora espero pelos netos e com eles sim certamente vou voltar a ser criança... Gracias a la vida...”

     Ela tem uns quinze anos a menos do que eu (me perdoa se for mais, Sandra), mas se vê que ainda na época em que ela foi criança as brincadeiras ao ar livre e a liberdade para viver eram bem maiores do que as das crianças nas décadas de 80 e 90 e das de hoje em dia.
balão mágico     Meus filhos foram criança na década de 80. Posso dizer que não tiveram a mesma sorte que eu, de terem sido criados em uma casa, pois sempre viveram em apartamento. E no Bom Fim, bairro movimentado. Não tinham uma pracinha em frente à casa, mas curtiram a Redenção; também podiam ir a pé para as respectivas escolas e chegaram a pegar alguns matinês no Baltimore. Sem fanatismos, foram baixinhos da Xuxa, como todos daquela época. Se eram felizes com aquilo, não seria eu a censurá-los. Afinal, cresceram e são felizes, mesmo tendo assistido à Xuxa, ao He-Man e aos Thundercats na TV.
     Acho que a criançada de hoje, mesmo sem jogar bola na calçada ou soltar pandorga na pracinha — e sem assistir ao anime do Shurato —, além de não ser digna de “pena”, será feliz no futuro, porque, a seu tempo, diverte-se e passa o tempo com excelentes videogames, computadores e internet.
     Quem sou eu, então, pra dizer que as coisas do meu tempo eram melhores que as de hoje? A única diferença é que eu “vivi” e “vi” coisas que não se vive e não se vê hoje.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Para evitar recidivas I

     Muitos já leram a expressão do título em bulas de medicamentos, geralmente para doenças infecciosas. Recidiva é o substantivo feminino do adjetivo recidivo, que é aquele que reincide, que torna a errar, ou aquilo que reaparece (no caso de um sintoma ou doença). Em direito penal recidiva é, então, uma recaída na mesma falta, no mesmo crime; reincidência. Em medicina, é o reaparecimento de uma doença ou de um sintoma, após período de cura mais ou menos longo; recorrência.
     Vai daí que devem estar me perguntando: tá, e daí? Daí que respondo: é que nas próximas duas postagens vou falar sobre alguns emails que, volta e meia (leia-se há alguns anos), reaparecem na minha caixa de entrada, ou seja, são recidivas de uma infecção viral que vou classificar como ignorância.
     Um deles é sobre um benefício pago pela previdência social chamado “auxílio-reclusão”; outro é sobre uma tal de “justiça volante”; e por fim um sobre uma emenda à Lei nº 11.915, que instituiu o Código Estadual de Proteção aos Animais, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul.

.:: o ::.

     Eu já li várias vezes na internet que é para desconfiar de emails com textos sensacionalistas, em que o autor usa muitas exclamações ou interrogações ao final das frases. Pois nesses três casos, os textos dos emails são assim.

Nesta postagem vou tratar do auxílio-reclusão e da justiça volante.

AUXÍLIO-RECLUSÃO

Assunto: Portaria nº 48, de 12/2/2009, do INSS

DIVULGUEM AO MÁXIMO

Incrível !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

As Centrais Sindicais chiaram com o "aumento" do salário mínimo p/ R$ 545,00, porém não estão discordando do aumento do "salário presidiário" para R$ 810,00!
Será que os sindicalistas e os governantes do Brasil acreditam que um criminoso merece uma remuneração superior a de um trabalhador????
A REFERIDA PORTARIA JÁ FOI REVOGADA PELA DE Nº 333, DE 1º/06/2010 NA QUAL O VALOR DO SALARIO FAMILIA PRESIDIARIO PASSOU A SER DE R$ 810,18 ! ! ! E TEM MAIS. . .
NO CASO DE MORTE DO "POBRE PRESIDIÁRIO", A REFERIDA QUANTIA DO AUXÍLIO- RECLUSÃO PASSA A SER "PENSÃO POR MORTE".
O GRANDE LANCE É ROUBAR OU MATAR PARA SER PRESO E ASSIM SUSTENTAR CONDIGNAMENTE A SUA PROLE.
ISTO É INADMISSÍVEL ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! INCENTIVO À CRIMINALIDADE ! !

Você sabe o que é o AUXÍLIO RECLUSÃO?

Todo presidiário com filhos tem direito a uma bolsa que, a partir de 1/1/2010 é de R$ 798,30 por filho para sustentar a família, já que o coitadinho não pode trabalhar para sustentar os filhos por estar preso. Mais que um salário mínimo que muita gente por aí rala pra conseguir e manter uma família inteira.
Ou seja, (falando agora no popular pra ser entendido):
Bandido com 5 filhos, além de comandar o crime de dentro das prisões, comer e beber nas costas de quem trabalha e/ou paga impostos, ainda tem direito a receber auxílio reclusão de R$ 3.991,50 da Previdência Social.
Qual pai de família com 5 filhos recebe um salário suado igual ou mesmo um aposentado que trabalhou e contribuiu a vida inteira e ainda tem que se submeter ao fator previdenciário?
Mesmo que seja um auxílio temporário, prisão não é colônia de férias.
Isto é um incentivo a criminalidade. Que politicos e que governo é esse?????
Não acredita?
Confira no site da Previdência Social.

Portaria nº 48, de 12/2/2009, do INSS
http://www.previdenciasocial.gov.br/conteudoDinamico.php?id=22

Pergunto-lhes:

1. Vale a pena estudar e ter uma profissão?
2. Trabalhar 30 dias para receber salário mínimo de R$545,00, fazer malabarismo com orçamento pra manter a família?
3. Viver endividado com prestações da TV, do celular ou do carro que você não pode ostentar pra não ser assaltado?
4. Viver recluso atrás das grades de sua casa?
5. Por acaso os filhos do sujeito que foi morto pelo coitadinho que está preso, recebe uma bolsa de R$798,30 para seu sustento?
6. Já viu algum defensor dos direitos humanos defendendo esta bolsa para os filhos das vítimas?

MOSTRE A TODOS O QUE OCORRE NESSE PAÍS!!!

(Obs: não formatei com as cores e o tamanho da fonte do email original)

      Pois bem, recebi de novo esse email nessa semana, acho que pela 20º vez, como tem acontecido desde o primeiro mandato do presidente Lula. A aberração começa pelo “assunto”: Portaria nº 48, de 12/2/2009, do INSS. Ora, estamos em setembro de 2011 e o número das portarias do INSS já deve andar pela casa dos 500. Depois de várias interjeições e expressões entre aspas, o autor pergunta se o leitor sabe o que é o auxílio-reclusão. Na primeira linha diz que é uma “bolsa” de R$ 798,30 que, a partir 01/01/2010 todo presidiário com filho tem direito.
     Ué? A data não era 12/02/2009? O valor não era R$ 810,00 como diz no começo do email?
     Em seguida, diz que um bandido com cinco filhos recebe R$ 3.991,50 da Previdência Social (Isso é o resultado de R$ 798,30 vezes 5).
     Logo após, deduz que esse benefício é um “incentivo à criminalidade”, questiona que políticos e que governo é esse (SIC) e dá um link para o leitor conferir no site da Previdência Social. Como normalmente os leitores não conferem, acabam passando adiante a mensagem e junto com ela um atestado de ignorância. Se conferissem, veriam que não é nada disso que está posto no email.
     Sugiro que o meu leitor confira clicando aqui. Se, no entanto, não quiser, dou uma breve explicação.
     “O auxílio-reclusão é um benefício devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão, durante o período em que estiver preso sob regime fechado ou semi-aberto. Não cabe concessão de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado que estiver em livramento condicional ou cumprindo pena em regime aberto.
     Para a concessão do benefício, é necessário o cumprimento dos seguintes requisitos:

- o segurado que tiver sido preso não poderá estar recebendo salário da empresa na qual trabalhava, nem estar em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço;
- a reclusão deverá ter ocorrido no prazo de manutenção da qualidade de segurado;
- o último salário-de-contribuição do segurado (vigente na data do recolhimento à prisão ou na data do afastamento do trabalho ou cessação das contribuições), tomado em seu valor mensal, deverá ser igual ou inferior aos seguintes valores, independentemente da quantidade de contratos e de atividades exercidas, considerando-se o mês a que se refere: (segue-se uma tabela de valores, cujo mais recente é a partir de 15/7/2011 – R$ 862,60 – Portaria nº 407, de 14/07/2011.)” reclusão

     Enfim, só têm direito ao benefício quem for SEGURADO, ou seja, quem contribui mensalmente para a Previdência Social, o auxílio é limitado a quem ganha até R$ 862,60, e este valor é dividido entre todos os dependentes (no caso do exemplo do email, cada filho ganharia R$ 172,52).
    Você acha que aquele assaltante contumaz, que rouba carteiras, cordões de ouro, celulares, etc. contribui mensalmente com 20% do resultado do seu trabalho para o INSS (desde que seus assaltos rendam até R$ 862,60, é óbvio)? Por outro lado, os grandes traficantes, mesmo que contribuam mensalmente para a previdência, têm vencimentos superiores ao teto do auxílio-reclusão.
     De acordo com o site Observatório Social, esse benefício é do tempo dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, começou no dos marítimos (IAPM) e tinha também o dos bancários (IAPB). O benefício foi mantido na Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, e está previsto no inciso IV do artigo 201 da Constituição Federal de 1988.
     O auxílio-reclusão é, portanto, muito anterior à chegada de Lula à presidência, como quis fazer crer o autor do email e seus encaminhadores.
     Percebe-se que o autor do email é um sujeito esquentadinho. Basta ver a quantidade de exclamações e maiúsculas no seu texto. Queira Deus que seu temperamento não faça com que — se ainda estiver vivo — um dia desentenda-se com o amante de sua esposa e desfira-lhe um tiro na cara. Se, no entanto, isso acontecer e for preso, seus dependentes receberão o auxílio-reclusão, desde que seus rendimentos mensais não sejam superiores a R$ 862,60.
     Dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça indicam que a população carcerária brasileira é de quase 495 mil presos. O Boletim Estatístico da Previdência Social, por sua vez, diz que foram pagos 18.833 benefícios do tipo auxílio-reclusão em 2010. Isso quer dizer que 3,8% dos presos receberam o auxílio-reclusão no ano passado, com uma média de R$ 658,83 por mês para cada detento.
     A propósito: este benefício existe em países ditos “civilizados”, de “primeiro mundo” ou seja qual for o qualificativo que os detratores do Brasil preferirem usar para classificar outras nações.

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JUSTIÇA VOLANTE

     Esse email não é mal-intencionado, apenas denota que seus encaminhadores ouviram o galo cantar, mas não sabem onde (nem tentaram descobrir).

Esta é informação real, já conferi...
Olha a gente perdendo o Direito por não utilizar.
JUSTIÇA VOLANTE (VALE A PENA SABER E DIVULGAR).
O novo número da JUSTIÇA VOLANTE : é 0800 644 2020.

Sabe aqueles acidentes de trânsito chatos, discussões sobre de quem é a culpa, etc & etc..Há um serviço público chamado Justiça Volante. Se você se envolver em acidente de trânsito, ligue 0800-644-2020. São cinco viaturas equipadas com Juizado de Pequenas Causas, e, oficialmente, todo mundo sai de dentro da Van como se tivesse saído de um tribunal.
Parece que o serviço está prestes a acabar simplesmente porque ninguém liga. Ninguém conhece. Transmita para quem puder, e guarde o número em seu celular.

IMPORTANTE SABER E REPASSAR AO MÁXIMO.

Gostaria muito que esta informação chegasse ao máximo de pessoas que você conhece. Este é o tipo de informação que 'é direito do povo', mas que o povo não sabe! Fora que esse dinheiro com certeza deve ir para o bolso de alguém, se não for, deve ajudar de alguma forma negativamente para quem tem veículos furtados ou roubados!

     Esse texto não está cheio de pontos de exclamação e nem grita com muitas maiúsculas. Só que o autor/encaminhador mentiu ao dizer que conferiu a informação: isso nunca existiu no Rio Grande do Sul...
     A Justiça Volante foi criada no Espírito Santo, há 15 anos, como juizado especial, pelo magistrado Pedro Valls Feu Rosa e serviu de modelo para outros estados. Além de estar presente em municípios da Grande Vitória (ES), é encontrada em Aracaju (SE), Cuiabá (MT), João Pessoa (PB) e Distrito Federal.
     Confira clicando aqui.

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Na próxima postagem vou falar sobre sacrifício de animais. Clique e leia “Para evitar recidivas II”.

Para evitar recidivas II

(Continuação de “Para evitar recidivas I”)

SACRIFÍCIO DE ANIMAIS

     Em julho de 2004, o então governador do RS, Germano Rigotto, sancionou projeto de lei acrescentando parágrafo único a um dos artigos do Código Estadual de Proteção aos Animais, com a seguinte redação: “Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana”. A proposta de inclusão do parágrafo foi do então deputado Edson Portilho (PT).
     O Código Estadual de Proteção aos Animais foi instituído pela Lei nº 11.915, de maio de 2003.
     Na ocasião, foi geral a gritaria dos defensores dos animais. Saltaram abaixo-assinados de tudo quanto foi lado para tentar proibir a inclusão do parágrafo, sob a alegação que assim se estaria permitindo tortura e sacrifício de animais em rituais religiosos. Essas pessoas “politicamente corretas” acabaram fazendo juízes e desembargadores perderem seu tempo, mas não levaram e o texto da lei ficou como sancionado pelo governador.
     Pois bem, como nos exemplos anteriores (leia “Para evitar recidivas I”), gente que passa a vida ouvindo o galo cantar sem saber onde, resolveu “noticiar” o fato como se novo fosse. A “informação” passou dos emaisl ao facebook, com títulos do tipo “Aprovada Lei que permite TORTURA de animais”; “VAMOS COMPARTILHAR! NÃO DEIXE QUE UM ANIMAL COMO ESTE DESTRUA A PRÓPRIA RAÇA!”. Como alguns(as) “amigos(as)” meus publicaram em seus murais a “novidade”, fui atrás do divulgador. Descobri um cara que provocou nada mais nada menos do que 11.507 compartilhamentos, 11.704 comentários e 13.940 pessoas curtiram sua postagem. Se acrescentarmos aí os que compartilharam os compartilhamentos, a que número chegaremos?
     De acordo com o Art. 2º da Lei que instituiu o Código Estadual de Proteção aos Animais, é vedado:

I - ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência;
II - manter animais em local completamente desprovido de asseio ou que lhes impeçam a movimentação, o descanso ou os privem de ar e luminosidade;
III - obrigar animais a trabalhos exorbitantes ou que ultrapassem sua força;
IV - não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo;
V - exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados por responsável legal;
VI - enclausurar animais com outros que os molestem ou aterrorizem;
VII - sacrificar animais com venenos ou outros métodos não preconizados pela Organização Mundial da Saúde - OMS -, nos programas de profilaxia da raiva.

Parágrafo único - Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana. (Incluído pela Lei n° 12.131/04)

     Ocorre que na mesma ocasião em que o governador sancionou Lei 12.131, também assinou o Decreto nº 43.252, que em seu Art. 2º diz que “Para o exercício de cultos religiosos, cuja liturgia provém de religiões de matriz africana, somente poderão ser utilizados animais destinados à alimentação humana, sem utilização de recursos de crueldade para a sua morte.”
     Ora, por acaso os fiéis do candomblé e da umbanda transgridem alguma das alíneas do código? Se acharem que sim, sugiro aos fundamentalistas defensores que pesquisem sobre crueldade em aviários.
     Percebe-se, então, que desde maio de 2003 — ou seja, há oito anos — além de ofender por emails ou por redes sociais o ex-deputado Edson Portilho, alguns vêm exacerbando seu preconceito contra religiões de matriz africana, mais uma vez ouvindo o galo cantar sem saber onde.
     As pessoas têm medo do que não conhecem, e fantasiam demasiadamente sobre o desconhecido, passando tabus e preconceitos de geração em geração. Muitos associam as religiões de matriz africana ao mal. Imaginam que os animais são “cruelmente torturados” nos sacrifícios dos seus cultos, aos quais os ignorantes classificam como “bruxaria”. No candomblé e na umbanda o ritual é realizado por uma pessoa especializada no sacrifício, o Axogun, que tem tal função na hierarquia sacerdotal ou, na sua falta, o babalorixá. O Axogun NÃO PODE DEIXAR O ANIMAL SENTIR DOR OU SOFRER, porque a oferenda não seria aceita pelo Orixá. O objeto do sacrifício, que é sempre um animal, muda conforme o Orixá ao qual é oferecido; trata-se, conforme a terminologia tradicional, ora de um animal de duas patas, ora de um animal de quatro patas, galinha, pombo, bode, carneiro. Na realidade não se trata de um único sacrifício: sempre que se fizer um sacrifício a qualquer Orixá, deve ser antes feito um para Exu, o primeiro a ser servido.
     E, atenção: nenhuma parte do animal é jogada fora! O couro é usado para encourar os atabaques, o animal inteiro é limpo e cortado em partes, algumas partes são preparadas para os Orixás e o restante é destinado aos demais. Tudo é aproveitado: até a porção oferecida aos Orixás é posteriormente distribuída entre os filhos da casa como o inché do Orixá. É usada para confraternização: unem-se os filhos a comer com o pai ou mãe, havendo repartição do Axé gerado pelo Orixá.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Sacrif%C3%ADcio#Sacrif.C3.ADcio_no_Candombl.C3.A9)
     De acordo com o advogado Antonio Basílio Filho (Ogan Basílio de Xangô), vice-presidente do Superior Órgão de Umbanda e Candomblé do Estado de São Paulo e diretor jurídico da União de Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil, em artigo publicado na Revista Orixás Candomblé e Umbanda, Ano II, Nº 6 (Editora Minuano), “o sacrifício dos animais é ritual de consagração, em que apenas o sangue é ofertado às entidades superiores, pois o produto final da carne dos animais abatidos é consumido pelos próprios autores da oferenda ou distribuído a entidades assistenciais e pessoas carentes, servindo a carne de alimento exatamente como a carne bovina, suína ou das aves abatidas em matadouros sem que, entretanto, aqui, na prática religiosa, esteja presente o componente econômico que está presente na atividade daqueles que fazem o abate visando, exclusivamente, o lucro advindo da exploração dos animais.”
(http://www.umbandaemfoco.com.br/modules.php?name=Conteudo&file=index&pa=showpage&pid=128)

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Se você quer saber o que é tortura e crueldade contra animais, clique aqui.

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     Espero, portanto, que pelo menos os leitores dessas duas últimas postagens nunca mais repassem emails falando mal do ex-deputado Edson Portilho (hoje em dia ele é vereador em Sapucaia do Sul) e sua emenda à lei que instituiu o Código Estadual de Proteção aos Animais, bem como parem de tratar o auxílio-reclusão como um ato absurdo do governo petista.
     Evitem recidivas!

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Clique e leia “Para evitar recidivas I