Cultura

O escritor mineiro Jacques Fux investiga “loucura judaica” em novo livro

O escritor mineiro Jacques Fux investiga “loucura judaica” em novo livro

Meshugá: um romance sobre a loucura ironiza as teorias pseudocientíficas e antissemitas e perfila malucos geniais e excêntricos como Woody Allen e o astro pornô Ron Jeremy

RUAN DE SOUSA GABRIEL
23/11/2016 - 18h51 - Atualizado 26/07/2017 15h52

O bem-humorado escritor – e matemático – mineiro Jacques Fux oferece uma explicação para quem ainda não conseguiu entender a eleição de Donald Trump: foi tudo um golpe de marketing para promover seu novo livro, Meshugá: um romance sobre a loucura (José Olympio, 196 páginas, R$ 32,90). “O livro foi lançado em 9 de novembro, o mesmo dia em que Trump , o cara mais louco do mundo, foi eleito”, diz Fux. “Agora, resta ler o livro para entender um pouco mais sobre toda essa insanidade!” O presbiteriano Trump, porém, não figura entre os personagens desse romance louco. Em Meshugá, Fux invade os pensamentos de judeus famosos e infames que transitaram entre a loucura e a genialidade. “Meshugá” (em hebraico) – ou “mishigne” (em iídiche) – significa “louco” na tradução para o português.

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“Ao longo da vida, fui colecionando loucos”, diz Fux. “Sempre que ouvia histórias de gente que cometeu loucuras ou agia de modo aparentemente irracional, eu guardava para, um dia, escrever sobre elas.” Nessa coleção de malucos, estão gênios como o cineasta Woody Allen e o matemático Grisha Perelman; personagens excêntricos como o astro pornô Ron Jeremy; e trágicos, como a filósofa Sarah Kofman. Meshugá alterna capítulos narrativos, que reinventam a biografia desses personagens reais, e capítulos ensaísticos sobre teorias pseudocientíficas e antissemitas, populares ainda na primeira metade do século XX, que afirmavam que os judeus seriam mais propensos a doenças mentais que outros povos.

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No século XIX, recorria-se à ciência para justificar teses racistas. Em 1896, o psiquiatra alemão Richard von Krafft-Ebing defendeu a prevalência da neurastenia (ausência de “força nos nervos”) na população judaica. Acreditava-se que a proporção de malucos era duas vezes maior nas sinagogas que nas igrejas cristãs. Cientistas também se desdobravam para provar que a “loucura judaica” era consequência de “necessidade fisiológica pela riqueza” e da imoralidade sexual. Desde a Idade Média, os judeus eram acusados de espalhar a sífilis e tolerar o incesto. O otorrinolaringologista alemão Wilhem Fliess, que se correspondia com o doutor Sigmund Freud, almejava provar um antigo boato que insistia que os homens judeus menstruavam pelo nariz.

O escritor mineiro Jacques Fux (Foto: Maria Eduarda de Carvalho)
Meshugá (Foto: ÉPOCA)

Fux aborda os mitos que envolvem a sexualidade judaica em capítulos dedicados a personagens como Woody Allen e Ron Jeremy, que ganhou o apelido de “the fucking jew” (o judeu transante, numa tradução educada ao extremo) graças a sua frutífera contribuição à indústria pornográfica. Ron era o filho estudado de uma mãe zelosa que ficou maluca depois de trabalhar para o serviço de inteligência americano. Ele sonhava em estrelar filmes cabeça, mas seus infalíveis atributos genitais o condenaram a atuar em produções obscenas, transformando-o, a um só tempo, em alvo de admiração e repulsa. Noutro capítulo, o narrador investiga os pensamentos e os desejos inconfessáveis de Woody Allen, que traiu sua mulher, a atriz Mia Farrow, com a filha adotiva dela, Soon Yi Previn.

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Meshugá, porém, mantém um tom mais grave que os livros anteriores de Fux, um escritor habilidoso no manejo do “sofrido humor judaico”. Em 2013, ele venceu o Prêmio São Paulo de Literatura com o romance Antiterapias, no qual aborda sua herança judaica com boas doses de ironia e referências a alguns de seus heróis literários, como Jorge Luis Borges, George Perec e Philip Roth. No ano passado, ele lançou Brochadas: confissões sexuais de um jovem escritor, uma espécie de inventário culto e brincalhão no qual o narrador recorda todas as vezes em que Jacozinho (sim, Jacozinho) o deixou na mão. Em Meshugá, é a tinta da melancolia, e não a pena da galhofa, que escreve histórias com as de Otto Weininger e Daniel Burros, que por causa do desprezo e do preconceito que sofreram por serem judeus, transformaram-se em antissemitas furiosos. Weininger, jovem filósofo austríaco, odiava seu corpo judeu e homossexual e publicou uma obra misógina que reafirmava os mitos difamatórios sobre a sexualidade judaica. Burros militou no Partido Nazista Americano e na Ku Klux  Klan. No bolso do casaco, próximo ao peito, ele sempre carregava um sabão datado de 1940 e “feito da melhor gordura judaica”. Ambos se suicidaram.

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“No começo, eu pensava que seria divertido escrever um livro sobre a loucura”, diz Fux. “Mas, ao entrar na cabeça desses loucos, o narrador também enlouquece e começa a sofrer junto com eles.” À medida que o narrador de Meshugá se aproxima de seus personagens, e especula as razões de suas maluquices, ocorre algo parecido com a misteriosa doutrina católica da transubstanciação, que prega a real presença do corpo e do sangue de Cristo na hóstia. O narrador se faz um com seus personagens – o mesmo corpo, o mesmo sangue, as mesmas angústias. E o leitor corre o risco de ser tragado por essa insanidade, compondo uma estranhíssima trindade, que o une àqueles que, como os loucos de antigamente, eram mantidos sempre bem longe, num dolorido exílio da própria humanidade.








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