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Jonathan Franzen: "A tecnologia não cura a angústia"

Jonathan Franzen: "A tecnologia não cura a angústia"

O mais festejado romancista americano critica a paixão dos jovens pelo celular, diz que a boa literatura tem de ser legível e afirma que é preciso aprender a não fazer nada

LUÍS ANTÔNIO GIRON
04/07/2013 - 11h51 - Atualizado 04/07/2013 11h51
REDE Franzen nos EUA. Para ele, a tecnologia não cura as angústias atuais (Foto: Ulf Andersen/Getty Images)

Quando atendeu o telefonema de ÉPOCA, Jonathan Franzen tinha acabado de voltar de um passeio de observação de pássaros no Central Park, em Nova York, cidade onde mora. A excursão fará parte de um documentário do canal HBO sobre ele. Franzen, aos 52 anos, é o maior romancista americano de sua geração. Dois de seus cinco romances – As correções (2003) e Liberdade (2010) – viraram best-sellers e foram consagrados pela crítica. O sucesso e a paixão pelo ambientalismo – e a ornitologia – transformaram-no em figura folclórica. Simpático e entusiasmado, falou sobre amizade, família e, claro, literatura. Inclusive brasileira. Franzen acredita fervorosamente na preservação do romance e critica com o mesmo vigor sua principal inimiga, a tecnologia. 

ÉPOCA – Uma das marcas de sua obra é a fé no romance. O senhor realmente acha que é possível escrever grandes romances sem parecer fora de moda?
Jonathan Franzen –
Sou daqueles caras que acreditam no romance como texto fundamental da cultura. Vivo às voltas com o sofrimento e os dilemas derivados da elaboração de uma história que atinja o leitor. Gostaria de crer que um romance pode mudar o mundo, mas sei que não é assim. Ainda assim, escrevo para que o maior número de pessoas leia minhas histórias. Hoje, as que leem e gostam de romance e se importam com ficção não passam de 1% da população. Elas formam meu público. Isso significa que a grande maioria não quer saber de ficção, porque não precisa dela. Pergunte ao Bill Gates se ele lê romances. Responderá que não. É fácil para um sujeito de 52 anos, como eu, se envolver com obras de ficção. Os mais jovens não querem mais saber disso.

ÉPOCA – O senhor tem escrito manifestos contra o excesso de tecnologia. Ela tem afastado os jovens da leitura?
Franzen –
Milito há 22 anos pela preservação do romance. Nesse meio-tempo, os jovens passaram por alterações de comportamento. Agora, estão fascinados pela tecnologia, como se ela cumprisse todas as promessas de realização pessoal. A tecnologia não cura a angústia. Não resolve os problemas fundamentais do ser humano. Os jovens são contaminados pela imagem do mundo mostrada pelos comerciais, pelos canais de televisão. Mas essa imagem não combina com o mundo real. Obviamente, existe um bom número de pessoas que não acreditam em tudo o que veem e buscam a resposta para questões mais complicadas. São essas que curtem literatura.

ÉPOCA – Vivemos tempos conformistas?
Franzen –
Sem dúvida. Nosso tempo se parece com os anos 1950 nos Estados Unidos, quando todo mundo era conformista e buscava a felicidade fazendo e consumindo as mesmas coisas. Essa paisagem homogênea tem um lado positivo: ela ajuda os escritores a fazer seu trabalho. Quanto mais conformista uma sociedade, mais os artistas se tornam importantes, porque denunciam a situação. O escritor se torna necessário mesmo que não seja tão lido quanto gostaria. Ele tem de jogar areia nos olhos dos acomodados para fazê-los enxergar com mais clareza.

ÉPOCA – As redes sociais não têm desempenhado um papel mobilizador em movimentos políticos?
Franzen –
Não compro a versão de que a tecnologia possa gerar movimentos sociais. Tem gente que diz que o Twitter ajudou na luta contra regimes autoritários no Irã e no Egito. Nada disso. São os cidadãos que modificam a história e usam uma rede social como uma ferramenta qualquer. As pessoas fazem revoluções, não as redes sociais. O Twitter não liberta ninguém. Ele vicia. Tuitar é uma perda de tempo.

ÉPOCA – No livro Como ficar sozinho, o senhor ataca a dependência do celular. Mesmo assim, o senhor usa celular, não?
Franzen –
Sou um dinossauro em tecnologia. Continuo com meu velho BlackBerry com teclado. Detesto comandos de toque, meus dedos sentem desconforto com celulares touch. Não gosto do programa que completa palavras, do iPhone e da Apple. Não acho que Steve Jobs tenha feito um bem à humanidade. O iPhone e similares substituíram o cigarro. Os tabagistas trocaram a compulsão do cigarro pela do celular. A razão é que as pessoas ficam nervosas quando não estão fazendo alguma coisa. Aí entra o celular com o elixir para a obsessão de fazer algo. Precisamos aprender a não fazer nada.

"Jamais cobicei o apreço dos professores universitários. 
Não sou, nem quero virar acadêmico"

ÉPOCA – Como então seduzir as pessoas para algo tão antiquado quanto a leitura?
Franzen –
O escritor precisa despertar o interesse do leitor com uma história original e de compreensão fácil. Não adianta querer fazer malabarismo experimental porque o leitor vai fugir. Ninguém mais tem paciência para jogos de linguagem como os de James Joyce. Quero ser legível. O mercado de livros é competitivo. O desafio é alcançar ao mesmo tempo a relevância artística e a adesão do leitor. Como escrever ficção e ser verdadeiro? Eis aí o paradoxo. Infelizmente, no mundo de hoje, se você não vende, não alcança repercussão. Se não fosse a revista Time ter elogiado meus livros, eu certamente não teria feito sucesso.

ÉPOCA – Para o senhor, o escritor precisa viver o que escreve e se transformar ao final de um livro. Não é um ideal romântico num mundo em que se acomodaram diante do computador?
Franzen –
Sou um romântico modernista. O Modernismo reciclou o Romantismo, pondo o sujeito no centro, assim como a busca por novas formas de linguagem. Eu me identifico com a obra de um poeta romântico como Novalis, mas, sobretudo, com as de Marcel Proust, Joseph Conrad e William Faulkner. Todos escritores que correram riscos e dedicaram sua vida a escrever.

ÉPOCA – Como se deu o encontro com a ficção em língua alemã de Franz Kafka e Thomas Mann?
Franzen –
Estudei alemão e me tornei germanista porque queria ser cientista e me formar na Alemanha. Não sou de família de origem alemã, nem tinha interesse literário. Topei com Kafka e Mann ao estudar o idioma.

ÉPOCA – O senhor traduziu a peça O despertar da primavera, do alemão Frank Wedekind. Como é a experiência de traduzir?
Franzen –
Gostei tanto de traduzir Wedekind que trabalho agora na tradução dos ensaios do crítico austríaco Karl Kraus. É um autor magnífico, mas difícil, porque não raro se exprime em dialeto vienense, e isso requer esforço do tradutor. A atividade de tradutor me leva a me preocupar também com a forma como minha obra é vertida para outros idiomas. Tento escrever para ser traduzido com facilidade.

ÉPOCA – Seus romances receberam boas traduções no Brasil. Os de seu amigo e rival David Foster Wallace (que se suicidou em 2008, aos 48 anos, durante a elaboração do romance The pale king) são quase intraduzíveis para o português. Como o senhor compara sua obra à de Wallace?
Franzen –
Concordo que os livros de David são intraduzíveis. Ele os queria assim, como um fragmento do lugar em que vivia. Ele quase nunca saiu dos Estados Unidos. Fazia de sua literatura uma forma de demarcar um terreno. Ele ansiava pelo reconhecimento acadêmico e se atirou ao experimentalismo pós-moderno. Infinite jest é um romance incrível, mas intraduzível. Sou o avesso dele. Jamais cobicei o apreço dos professores universitários. Não sou, nem quero virar acadêmico.

ÉPOCA – O senhor leu a edição de The pale king?
Franzen –
Ainda não tive condições emocionais para ler esse livro. Acompanhei o processo dilacerante de David para levar adiante o texto. Infelizmente, não conseguiu completá-lo. A edição foi feita por agradar aos estudiosos de James Joyce, que não têm muito o que fazer atualmente. A obra de David caiu no gosto desses caras. Eles se apossaram de um escritor que, no fundo, ansiava mesmo pelo reconhecimento póstumo.

ÉPOCA – O que o senhor espera encontrar mais no Brasil, passarinhos ou escritores?
Franzen –
O Brasil vive uma explosão econômica e cultural, e é a primeira vez que visito o país. Isso é excitante para um cara que gosta de viajar como eu. Lendo romances brasileiros, sinto que, ao crescimento econômico, corresponde um boom literário.

ÉPOCA – Que livros brasileiros atuais o senhor gostou de ler?
Franzen – 
Li e adorei os romances de Milton Hatoum, como Dois irmãos. Vou me encontrar com ele, um ficcionista que considero admirável. Acabo de ler Budapeste, de Chico Buarque. Ouvi dizer que não é o grande livro dele, mas amei o enredo. Outro bom romance é Nove noites, de Bernardo Carvalho, original e bem construído. O Brasil tem grandes autores.

ÉPOCA – O senhor conhece os escritores brasileiros do passado?
Franzen –
 Tenho apreço por Clarice Lispector. Machado de Assis é genial, ainda que afetado pelo ambiente literário europeu. Um autor para o qual não me considero preparado é Jorge Amado. Os romances dele têm um realismo social que me lembra os panoramas engajados de John Steinbeck, em As vinhas da ira. Tanto Amado como Steinbeck têm um tom autoindulgente em algumas obras. Steinbeck não sustenta esse tom em boa parte de sua produção. É um escritor muito rico. Quanto a Jorge Amado, ainda quero ler mais obras dele para formar uma opinião.

ÉPOCA – Apesar de ser um escritor urbano e assediado pelos jornalistas, o senhor passa parte do ano isolado numa propriedade rural. É um modo de escrever e ficar perto da natureza?
Franzen –
 Essa situação não tem nada de especial. Tem a ver com minha história pessoal. Vivo com a mesma mulher, Kathy (a escritora Kathryn Chetkovich), há 15 anos. Ela é californiana e gosta de ficar um tempo no interior da Califórnia. Não tenho exatamente uma propriedade rural, mas uma casa no campo, num terreno de 120 hectares. Fica em Santa Cruz, a 100 quilômetros de San Francisco. Adoramos ir para lá juntos, admirar a natureza, os pássaros. Mas temos ido cada vez menos. Por causa dos compromissos, ficamos a maior parte do ano em Nova York.

ÉPOCA – Os críticos costumam dizer que seus livros captam a alma da América. O senhor concorda com esse tipo de afirmação?
Franzen –
 É uma afirmação típica dos críticos. Não tenho pretensão de captar alma alguma. O que faço é resolver os problemas do enredo e lidar com personagens. Alguns deles corto, porque me irritam. Como sou um autor realista, é evidente que a realidade que está a minha volta apareça na vida dos personagens.

ÉPOCA – Sua obra faz uma ode ao convívio familiar. Em As correções, sua descrição da desagregação de uma família é comovente. Por que o senhor não tem filhos?
Franzen –
Kathy e eu já passamos da idade de ter filhos. Meus amigos e meus dois irmãos – eles são mais velhos que eu – têm filhos e convivi com meus sobrinhos para compensar a falta de crianças. Também oriento um monte de pupilos literários que me cercam com cuidados de filhos. Meu editor diz que, se eu tivesse filho, talvez não escrevesse tantos livros. Meus filhos são os livros que ponho no mundo.