Ideias

Como Obama quer entrar para a história

Como Obama quer entrar para a história

Ao estabelecer o diálogo como doutrina para sua política externa, Barack Obama tenta construir um legado como presidente dos EUA

RODRIGO TURRER
10/04/2015 - 21h52 - Atualizado 18/02/2016 17h43
Capa home 879 (Foto: época )

>> Reportagem da capa de ÉPOCA desta semana

O presidente americano, Barack Obama, planejou com cuidado o que vai fazer a partir do dia 20 de janeiro de 2017, quando deixar a Casa Branca e voltar para sua residência em um subúrbio de Chicago. Todas as manhãs ele vai entrar em seu escritório com vista para o jardim lateral da casa e escrever um capítulo de suas memórias. Editoras americanas se estapeiam para publicar o livro. Devem desembolsar US$ 20 milhões pelos direitos autorais, o valor mais alto já pago para uma obra de não ficção no mundo. Obama quer que sua biografia narre grandes façanhas. Desde o primeiro dia em que pisou na Casa Branca, ele busca um lugar na história. Obama não quer figurar no time dos presidentes americanos esquecidos, ao lado de Millard Fillmore ou Franklin Pierce. Seu desejo é estar no top 10, como os democratas Franklin Delano Roosevelt e John Kennedy ou os republicanos Abraham Lincoln e Ronald Reagan.

Qual lugar a história vai reservar para Obama? A julgar pelos ensaios de grandes acordos nos últimos meses, uma posição de destaque. Um acordo nuclear com o Irã e a reaproximação com Cuba, que se tornaram possibilidades bastante concretas, têm potencial para mudar os rumos das relações dos Estados Unidos com o mundo. O encontro programado entre Obama e o presidente de Cuba, Raúl Castro, previsto para ocorrer na Cúpula das Américas, no Panamá, representará um triunfo para o presidente americano. Um encontro carregado de simbolismo, que pode ser o fim de uma relação conflituosa que dura 53 anos.

O encontro é o ápice do que está sendo chamado de “doutrina Obama”, as novas diretrizes dadas à política externa americana no segundo mandato. Trata-se da ideia de que investir num engajamento diplomático paciente, com riscos calculados, mesmo com antigos inimigos viscerais, como Irã e Cuba, é uma alternativa mais eficaz do que tentar isolá-los pelo ostracismo. “Os Estados Unidos são poderosos o suficiente para testar uma maneira diferente de se engajar no mundo”, afirmou Obama, em recente entrevista concedida ao jornal The New York Times. “Essa doutrina é: vamos nos engajar, mas sem nos colocar em risco excessivo.” Ao se aproximar de Cuba, Obama combate uma ideia impopular no mundo inteiro, o bloqueio econômico. Se tiver sucesso na aproximação com o Irã, fechará uma ferida de quase 40 anos – quando radicais islâmicos sequestraram diplomatas americanos em Teerã.

>> A Doutrina Obama vai mudar Cuba?

  A virada de Obama para a política externa – e sua decisão de governar com um olho na posteridade – também foi uma resposta aos enormes desafios internos na política americana. Depois de ser eleito, em 2008, Obama chegou à Casa Branca cercado de expectativas que atiçavam seus sonhos grandiloquentes. “Nós poderemos nos lembrar de hoje e dizer a nossos filhos que neste dia começamos a cuidar dos doentes e dar bons empregos aos desempregados”, disse em seu discurso de vitória depois das eleições de 2008. Mas ele fez menos do que esperava. Teve méritos inegáveis ao enfrentar a pior crise financeira desde a Grande Depressão dos anos 1930 e ao conseguir aprovar a reforma nos programas de saúde pública americanos, Medicare e Medicaid. Aos poucos, no entanto, a dureza da política americana, contaminada pela guerra partidária entre republicanos e democratas e uma paralisante disputa ideológica entre conservadores e liberais, trouxe Obama de volta ao mundo real. Inepto para fazer o jogo político e articular com o Congresso, ficou aquém das esperanças depositadas nele.

  A derrota nas eleições legislativas de 2014 deixou o cenário ainda pior. Com o Congresso dominado por republicanos, Obama passou a temer virar um pato manco, um presidente sem força para governar e conseguir realizações. É um mal que acometeu vários presidentes americanos em seus segundos mandatos. Dos 16 presidentes reeleitos na história dos Estados Unidos, apenas Franklin Delano Roosevelt e Ronald Reagan deixaram o cargo com o segundo mandato mais bem avaliado que o primeiro.

  Com os grãos de areia da ampulheta do segundo mandato caindo cada vez mais rápido, os presidentes americanos costumam adotar uma posição defensiva, para garantir as realizações dos primeiros quatro anos. Obama fez o contrário. Partiu para a luta para garantir seu legado. Com o Congresso sob controle da oposição, sobrou a política externa para Obama tentar se destacar – campo em que ele pode agir com um pouco mais de independência. Ao implementar uma doutrina de diálogo internacional, Obama entendeu o papel dos Estados Unidos em um mundo fragmentado e teve o mérito de não cair no intervencionismo ou no isolacionismo. “Com Obama, os Estados Unidos entenderam que não podem remodelar o mundo a sua imagem e semelhança”, afirma o ex-chanceler do México Jorge Castañeda. “Os Estados Unidos não podem influenciar todos os conflitos, apesar de ser a superpotência do mundo.”

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  A nova doutrina Obama é bem diferente da que norteou seu primeiro mandato. De 2009 a 2012, Obama adotou uma política que ficou conhecida como “liderança por detrás” (leading from behind). A ideia era que os Estados Unidos não iriam intervir em conflitos e deixariam para seus aliados regionais a responsabilidade pela segurança de sua vizinhança. Além de piadas infames com o epíteto, a “liderança por detrás” produziu mais pontos baixos que altos. O investimento em inteligência no combate ao terrorismo levou ao assassinato de Osama bin Laden, em 2011, o apogeu da popularidade de Obama. Mas a indisposição de se envolver no front externo provocou alguns desastres, como o fortalecimento da al-Qaeda e o surgimento do Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Os Estados Unidos evitaram também uma intervenção direta na Líbia, para tirar Muammar Khadafi do poder em 2011. Deixaram a tarefa a cargo de uma coalizão da Otan, liderada por França e Reino Unido. Limitaram-se a apoiar o ataque com cobertura aérea. A omissão permitiu a ascensão de radicais islâmicos e lançou a Líbia no caos. Um ano depois, os mesmos radicais mataram o embaixador americano no país, John Christopher Stevens.

  Os acontecimentos na Líbia e na Síria foram o ponto da virada para a transição da política externa de Obama. Foi a partir da morte de Stevens e da ascensão do Estado Islâmico, no fim de 2012, que Obama entendeu que era preciso mudar de atitude. Depois de ser reeleito com 51% dos votos, Obama reformulou quase todo o Departamento de Estado americano e colocou John Kerry no seu comando como secretário. No meio de 2013, um memorando interno do Departamento de Estado com a descrição da nova política externa vazou. Nele se lia: “Nós vamos liderar com propósito; vamos liderar com força; vamos liderar com aliados capazes; vamos liderar pelo exemplo; vamos liderar com a perspectiva de longo prazo”. A última frase do memorando parece saltar de um discurso de Obama. “Visão de longo prazo” é um mantra do presidente americano. Homem pragmático e idealista, que acredita na moderação e na persistência, Obama aprecia discussões racionais e debates para chegar a um consenso.

>> Moisés Naím: "A democratização de Cuba é inevitável"

  O historiador americano Gordon Wood escreveu certa vez que “vivemos em uma névoa, e apenas em décadas os historiadores vão conseguir enxergar o que aconteceu no nosso tempo”. Obama ainda tem quase dois anos de mandato, uma oposição virulenta no Congresso, e enormes desafios pela frente. Retirar todas as tropas americanas do Afeganistão  e fechar Guantánamo são duas promessas que valeram a Obama o Nobel da Paz em 2009, e que ele não conseguirá cumprir. Mesmo com esses desafios, é possível enxergar, em meio à névoa do presente, o legado que Obama tenta erigir para se inscrever na história.

A construção do legado Obama  (Foto: época )
EDIÇÃO 879 | 11 DE ABRIL DE 2015

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