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Jorge Castañeda, ex-chanceler do México: "A aproximação entre EUA e Cuba é meramente simbólica"

Jorge Castañeda, ex-chanceler do México: "A aproximação entre EUA e Cuba é meramente simbólica"

O cientista político elogia a estratégia de Barack Obama, mas diz
que a aproximação com Cuba é apenas simbólica – e que a América Latina precisa largar a agenda das “bobagens bolivarianas”

RODRIGO TURRER
10/04/2015 - 23h07 - Atualizado 11/04/2015 00h13
Doutrina Obama - O Cético  (Foto: época )

ÉPOCA – Por que Barack Obama e Raúl Castro promoveram essa reaproximação entre Estados Unidos e Cuba?
Jorge Castañeda –
 Cuba mudou porque está desesperada com o fim dos subsídios da Venezuela. O fim dos subsídios não tem a ver apenas com a queda do preço do petróleo, mas com as dificuldades internas que Nicolás Maduro enfrenta na Venezuela e com a morte de Hugo Chávez, que era o garantidor dos subsídios para Cuba. Não há nenhuma alternativa para esse dinheiro. Então, os cubanos sabiam que teriam de se voltar a seu vizinho odiado. O interesse americano, de Obama em particular, é de exterminar com uma política – o embargo econômico – malvista no mundo, e até dentro dos Estados Unidos. Essa reaproximação tem muito peso simbólico, sem nenhum custo político para Obama, um custo que pesava sobre outros presidentes. Mas dou pouca importância substantiva a essa reaproximação, porque não vai mudar a situação dos cubanos dentro da ilha ainda por muitos anos. Trata-se de uma aproximação meramente simbólica.

ÉPOCA – O senhor diz que mesmo um encontro entre Obama e Raúl na Cúpula das Américas seria meramente simbólico?
Castañeda –
Sim. Não pode ir além do simbólico, porque é difícil a transformação do simbólico no material. Neste caso, porque o embargo é um ato do Congresso americano, tornado lei em 1994.  Para derrubar esse embargo, é preciso ter 60 votos no Senado. Obama vai o mais longe que conseguir nessa aproximação, com atos executivos, e eu o aplaudo por essas tentativas. Mas não existe nenhuma possibilidade de conseguir 60 votos para derrubar o embargo, enquanto Fidel e Raúl Castro estiverem vivos. Zero. Nenhuma chance.

>> Como Obama quer entrar para a história

ÉPOCA – O simbolismo não pode quebrar o gelo e ajudar a derrubar o embargo a longo prazo?
Castañeda –
Em longuíssimo prazo, talvez. Depois da morte de Fidel e Raúl. Não existe e não vai existir, em uma década, 60 votos no Senado americano para derrubar o embargo, ponto final. É um assunto de números, não de esperanças, de desejos. Existe uma comunidade de 2 milhões de cubanos nos Estados Unidos, com representação no Congresso americano, pessoas que desprezam o regime castrista. Há um lobby contra o regime de Castro, e eles têm três senadores.

ÉPOCA – Isso significa que só com a morte dos Castros pode haver mudança de regime em Cuba? 
Castañeda –
Sim. Não existe a mínima chance para uma mudança de regime em Cuba enquanto Fidel e Raúl estiverem vivos. Isso é meramente especulação, mas não acredito em mudança de regime com os dois vivos. O que não é especulação é o fato de ser impossível derrubar o embargo a Cuba. Não há nada que Obama ou outro presidente possa fazer, além de esperar que os Castros morram.

ÉPOCA – Barack Obama pode entrar para a história como o presidente que revolucionou a relação dos Estados Unidos com o mundo?
Castañeda –
A política externa do governo Obama tem várias camadas. A mais importante, sem dúvida, é a possibilidade de um acordo com o Irã. Não é apenas um acordo sobre o programa nuclear iraniano, mas uma normalização das relações entre Estados Unidos e Irã, que mudaria por completo a equação geopolítica do Oriente Médio e do mundo islâmico. Se Obama conseguir pôr em prática esse acordo, e essa é a parte mais difícil, será seu legado mais importante em política externa. A segunda realização principal é uma atitude mais prudente dos Estados Unidos em relação aos conflitos do mundo. A ideia de que os Estados Unidos, apesar de serem a única superpotência, não podem estar presentes e influenciar todos os conflitos. Com Obama, os Estados Unidos entenderam que não podem remodelar o mundo a sua imagem e semelhança. É muito importante que outros presidentes sigam esse exemplo, e essa filosofia tenha se plasmado, finalmente, à cultura americana.

ÉPOCA – Essa ideia de não intervir em todos os conflitos faz parte da Doutrina Obama?
Castañeda –
Não existe uma Doutrina Obama. Há um princípio, muito justo, correto, que se aplica de maneiras distintas em casos distintos. Não se trata de uma aproximação irrestrita de todos os países inimigos dos Estados Unidos. É um princípio que não se aplica à Coreia do Norte, mas se aplica a Mianmar, um país onde houve mudanças importantes em matéria de democracia e respeito aos direitos humanos. Não se aplica à Arábia Saudita, um país amigo dos Estados Unidos, mas onde se cometem mais violações aos direitos humanos do que em qualquer outra parte do mundo. Aplica-­se ao Irã no que tange à questão nuclear, mas não aos direitos humanos. Aplica-se a Cuba, que tem uma enorme importância simbólica, mas nenhuma importância real. Então, há um princípio, com o qual estou totalmente de acordo, mas que se aplica de maneira tão diferente em cada caso, que não podemos chamar de uma doutrina.

ÉPOCA – Com a atual crise econômica na Venezuela, o regime chavista pode sobreviver? 
Castañeda –
Com o despencar do preço do petróleo, parece-­me difícil. O chavismo sobreviveu e prosperou por tanto tempo por causa dos preços elevados do petróleo. Só assim o governo da Venezuela conseguiu gastar US$ 1 trilhão em 15 anos em programas sociais mal projetados, dispendiosos, onerosos, com grande corrupção, sem nenhum tipo de medição de eficácia. Uma enorme quantidade de dinheiro para 30 milhões de habitantes, que melhorou de forma imediata a vida dessas pessoas, mas que não pode se sustentar. Com a queda do preço do petróleo, acabou a era em que o chavismo tinha enorme popularidade por causa do gasto maciço de dinheiro em programas sociais, que garantia a vitória em eleições desleais, embora não totalmente fraudulentas. Com a queda no preço do petróleo, será difícil para Maduro permanecer no poder com eleições. Ou ele continua no poder sem eleições, e a Venezuela se torna uma ditadura de fato, ou ele realiza eleições e perde.

ÉPOCA – Com Obama, os Estados Unidos parecem ter perdido o interesse no Brasil e na América Latina. Por quê?  
Castañeda –
Obama nunca teve interesse, nem no Brasil nem na América Latina. Ele nutria muitas esperanças com a região, porque é inteligente, sofisticado e tratou de levar a cabo negociações. Mas a dura verdade é que a América Latina não é uma região importante para os Estados Unidos e para o mundo, hoje. Basta ver quantos dias o secretário de Estado, John Kerry, esteve no Oriente Médio e quantos esteve na América Latina. Para a América Latina, no entanto, é o contrário. Há muitos temas relevantes para os latino-­americanos conversarem com os americanos, parcerias econômicas, imigração, combate às drogas. Mas os países latino-americanos não tentam impor essa agenda, ficam apenas discutindo bobagens bolivarianas sobre Cuba. 

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