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Depois de Obama, o jogo da abertura política em Cuba começa agora

Depois de Obama, o jogo da abertura política em Cuba começa agora

Ainda é incerto se a visita do presidente dos EUA impulsionará um processo democrático na ilha, mas nada deverá ser igual após a passagem do seu cortejo pelo país

BORIS GONZÁLEZ ARENAS*| DE HAVANA, EM CUBA
03/04/2016 - 10h04 - Atualizado 03/04/2016 12h30
Obama e Raúl Castro em jogo de beisebol em Havana (Foto: Carlos Barria/Reuters)

Escrevo estas palavras depois de um jogo de beisebol amistoso entre o time Tampa Bay Rays, dos Estados Unidos, e um time cubano formado para a ocasião. É terça-feira, dia 22 de março de 2016, o terceiro e último dia da visita de Barack Obama a Cuba. Ainda que tenhamos a palavra beisebol, em Cuba preferimos chamar esse esporte de “pelota” (bola, na tradução do espanhol). Desde a chegada de Fidel Castro ao poder, todo enfrentamento entre Cuba e Estados Unidos nas competições esportivas adquire proporções políticas – ainda mais quando se trata de boxe ou “pelota”. No boxe, porque se trata de golpear um ianque. Na “pelota”, porque é o esporte nacional de ambos os países. Entre o público escolhido a dedo, havia duas pessoas estranhas ao lugar. Um deles era Barack Obama. O outro era o presidente Raúl Castro, menos associado a espetáculos esportivos que seu irmão Fidel e mais assíduo aos de natureza cultural, como o balé.

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Nesta manhã, um ônibus me trouxe até em casa para assistir à partida de beisebol entre os dois países. O retrovisor tinha um adesivo com o símbolo da banda britânica Rolling Stones, uma bocarra com a língua de fora, coberto de estrelas e listras. Dias depois, os Rolling Stones fariam seu primeiro show em Cuba, outro dos eventos que resultaram da aproximação diplomática. O ônibus parou em um engarrafamento causado pela passagem do carro do presidente Obama rumo à arena esportiva. Um carro enorme cujas portas, dizem alguns, admirados, pesam 2 toneladas. Foram longos minutos de espera e, em ambos os lados da rua, as pessoas se aglomeravam de modo crescente. Quando o carro passou, havia centenas de pessoas ali. Todos gritaram de alegria quando Obama passou, e alguém a meu lado disse que, sim, se ele se candidatasse à Presidência de Cuba, ganharia por ampla maioria.

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Raúl Castro ajuda a reforçar essa impressão. Na tarde da segunda-feira, dia 21, durante a coletiva de imprensa conjunta com Obama, Raúl, acostumado com as perguntas dos jornalistas cubanos, funcionários oficiais que sempre se dirigem a ele de maneira condescendente, irritou-se com uma pergunta sobre a existência de presos políticos. Ele também se confundiu e respondeu a um jornalista a pergunta feita por outro, que ele repreendera. As reprises da entrevista pela TV cubana omitiram a parte das perguntas. Aqueles que não a assistiram “ao vivo” simplesmente não viram o embaraço de Raúl.

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Logo depois da passagem do cortejo até o estádio, quando a multidão se dispersou, alguém disse: “Já passou, e agora o quê?”. Outro respondeu: “O importante é que passou, em breve veremos: isto começa agora”. O trânsito destravou e seguiu seu curso. No jogo, o time dos Estados Unidos logo abriu três corridas de vantagem sobre o time cubano. Um bom jogo de “pelota” tem poucas corridas. Com o avanço do jogo, os americanos completaram mais uma corrida, a quarta, o que não representava uma grande vantagem. Mas os cubanos não conseguiram alcançá-los. Só completaram uma corrida no final da partida e terminaram derrotados.

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Antes do jogo, Obama se  encontrara com 13 opositores cubanos. Alguns deles enfrentaram condenações à prisão; outros, alguns espancamentos; e todos, o escárnio de uma máquina de discriminação e ódio que transforma a vida de um modo irrecuperável. Um dos temas do encontro foi a questão dos direitos humanos em Cuba. Uma das pessoas presentes à reunião, a jornalista Miriam Celaya, me disse que “se falou também amplamente sobre a necessidade de facilitar o acesso aos meios de comunicação e internet, sem os quais não se pode falar de modernidade”. O mais interessante do dia não foi o encontro do presidente dos Estados Unidos com os opositores (que não foi noticiado aos cubanos), nem ver Raúl Castro em um campo de “pelota”, nem a ovação ao cortejo de Obama.

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O mais interessante foi poder assistir, pela TV, ao discurso de Obama em um teatro de Havana em que ele falou da necessidade de democracia em Cuba. Vi alguém defendendo os direitos humanos em um país onde violá-los é a norma  institucional e onde os atos de corrupção só se convertem em escândalo quando a elite do governo, formada por anciãos decrépitos, quer se livrar de funcionários que a estorvam. “Creio que os cidadãos devam ter a liberdade de falar e de decidir o que pensam sem temor, organizar-¬se, criticar seu governo e protestar de maneira pacífica. E, sim, o estado de direito não inclui as detenções arbitrárias das pessoas que exercem esse tipo de direito”, disse Obama. “Creio que o povo deve ter o direito de praticar sua fé publicamente e em paz e, sim, creio que os votantes devem escolher seu governo por meio de eleições democráticas.”

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Da plateia, Raúl Castro observou os gestos e movimentos de Obama. Manteve-se escutando e esperou o final. O rosto inabalável de Raúl e a timidez dos aplausos dos convidados do governo cubano deixaram transparecer que o significado da aproximação diplomática é desigual. Ao longo do dia, o discurso de Obama não foi repetido pela TV. As opiniões da população nos noticiários manifestaram sempre uma suspeita coincidência de desacordo com o discurso. A TV não transmitiu a alegria dos cubanos que acompanharam o cortejo de Obama.

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Ao final da partida de “pelota”, os jogadores cubanos não pensavam no placar, mas se abraçavam, conversavam e trocavam camisas com os americanos. O regime castrista, no entanto, ainda se aferra a não perder. À primeira vista, é difícil avaliar o resultado da visita de Obama. Mas, como disse a pessoa que assistiu ao cortejo do presidente Obama: “Isto só começa agora”.

*Bóris González Arenas é jornalista independente em Cuba








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