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Peter Hakim: "Obama despertou otimismo nos cubanos"

Peter Hakim: "Obama despertou otimismo nos cubanos"

Especialista em relações internacionais diz que visita do presidente dos EUA a Cuba foi um sucesso

MARCELO MOURA
03/04/2016 - 10h01 - Atualizado 03/04/2016 12h29
Peter Hakim mestre em política internacional (Foto: Juan Manuel Herrera)

Com o slogan “Yes, we can” (Sim, nós podemos), em 2008, Barack Obama tornou-se o primeiro negro a alcançar a Presidência dos Estados Unidos. Oito anos depois, a poucos meses do fim de seu mandato, Obama reciclou o slogan. “Sí, se puede”, discursou,  na primeira visita de um presidente americano a Cuba desde Calvin Coolidge, em 1928. Seis décadas depois de os guerrilheiros comandados por Fidel Castro terem descido da Sierra Maestra, a revolução se exauriu. “Duas coisas moldaram Cuba nos últimos 50 anos: a hostilidade contra os Estados Unidos e a liderança dos irmãos Castro. As duas estão acabando”, diz Peter Hakim, presidente-emérito do Inter-American Dialogue, centro de estudos de política internacional baseado em Washington, nos Estados Unidos. Ao visitar Cuba e Argentina, diz Hakim, Obama restabelece relações com dois adversários políticos dos Estados Unidos. Ao não visitar o Brasil, escapa de uma saia justa. “Obama certamente não quer tomar partido na questão de a presidente Dilma sofrer ou não um impeachment”, diz.

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ÉPOCA – Quem Obama quis atingir com seu discurso?
Peter Hakim –
A blogueira cubana Yoani Sánchez escreveu um ensaio muito poderoso sobre o discurso de Obama. Yoani falou do esforço de Obama de ir além do diálogo entre governos, e alcançar o povo cubano. Pelo menos de acordo com ela, o presidente foi tremendamente bem--sucedido. Falou de beisebol, de jogadores cubanos nos campeonatos americanos, de um boxeador cubano. Ele estava realmente falando com o cidadão médio. O discurso de Obama dificilmente deverá influenciar muito a elite política local, interessada em manter o regime atual, mesmo após a saída dos irmãos Castro. Mas conseguiu despertar no povo cubano um otimismo sobre o futuro. Essa foi a grande qualidade do discurso de Obama. Sua fala deve ter algumas implicações geopolíticas na América Latina e quase nenhuma no mundo.

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ÉPOCA – Obama defendeu a democracia, mas disse que não quer interferir nas escolhas de Cuba. Os cubanos caminham para um regime democrático?
Hakim –
Ninguém deve esperar que Cuba mude da noite para o dia. O sistema atual sobreviveu 60 anos, não vai acabar de repente. Os políticos cubanos têm uma crença profunda no jeito deles de fazer as coisas. Falam em “atualizar o modelo político”. Isso não quer dizer necessariamente uma democracia. O presidente Raúl Castro está reabrindo o país em ritmo lento, mas o parafuso está girando no ritmo certo. É uma indicação de que estão chegando lá.

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ÉPOCA – O presidente Raúl Castro prometeu deixar o poder em 2018. O fim do governo dos irmãos Fidel e Raúl Castro pode jogar Cuba em um caos?
Hakim –
É difícil prever. Duas coisas moldaram o país nos últimos 50 anos: a hostilidade contra os Estados Unidos e a liderança dos irmãos Castro. As duas coisas estão desaparecendo. A única imagem que tenho é a do livro A festa do bode, do escritor Mario Vargas Llosa. A obra conta como o assassinato do general Rafael Trujillo, ditador da República Dominicana, criou um enorme vácuo do qual emergiram forças imprevisíveis.

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ÉPOCA – Daí o interesse de Obama em falar para o povo, mais do que para os políticos?
Hakim –
Certamente. O poder ainda está nas mãos dos funcionários do Estado cubano, mas a liberdade de informação trazida pelo acesso à internet pode mudar isso. Cuba recebe dos Estados Unidos cerca de 25 voos ao dia e multiplicará essa frequência até o fim do ano. Cuba não é isolada, não é uma Coreia do Norte. Os parentes se visitam bastante. Os americanos financiam boa parte dos novos negócios privados em Cuba: pousadas, restaurantes, barbearias, açougues... Muito do conhecimento, da matéria bruta, vem de fora. Os Estados Unidos servem de modelo para Cuba.

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ÉPOCA – O embargo a Cuba sempre alimentou o antiamericanismo entre as esquerdas na América Latina. A visita de Obama e a perspectiva de fim do embargo esvaziam o discurso contra os Estados Unidos?
Hakim –
Apesar de ter expressado simpatia pela eleição de Obama, a esquerda latino-americana ainda vê os Estados Unidos com reserva. Governantes de esquerda raramente deixaram de fazer negócios com os americanos, mas os escolhem como inimigos. Chavistas da Venezuela, partidários de Rafael Correa no Equador, socialistas no Chile ou mesmo o PT no Brasil mantêm-se desconfiados. A reaproximação com Cuba pode ajudar a esvaziar o discurso antiamericanista, mas não imediatamente. Pode acontecer com o tempo, se os dois países realmente caminharem para uma relação mais normal, se Cuba cumprir tratados internacionais, talvez quando um líder cubano visitar Washington. Mas levará tempo. Parte da esquerda latino-¬americana manterá sua posição a despeito dos fatos.

ÉPOCA – Que doutrina emerge da nova abordagem de Obama? É algo capaz de ir além do mandato do presidente?
Hakim –
Barack Obama tenta “estabelecer a melhor relação possível com cada país”. Essa foi a tônica de seu discurso ao receber o Prêmio Nobel, com um ano de governo, e representou uma guinada em relação ao presidente anterior, George W. Bush, que defendia “trabalhar com aliados e ser duro com os adversários”. A doutrina Obama não é um sucesso absoluto. Os Estados Unidos não conseguiram impedir o avanço do Estado Islâmico. As relações com a Rússia não são particularmente boas. A Primavera Árabe não resultou em paz e democracia. Os melhores exemplos da doutrina Obama se observam em Cuba e no Irã. Naturalmente, a longevidade da doutrina Obama depende muito do resultado da eleição presidencial. Os pré-candidatos republicanos Donald Trump e Ted Cruz dividem o mundo entre amigos e inimigos. Trump fala em construir muros, num claro retrocesso. A longevidade da doutrina Obama também depende de seu sucesso de longo prazo em Cuba e no Irã. Vamos ver se o acordo nuclear com o Irã vai funcionar, se o país vai se tornar menos hostil no Oriente Médio, se estará disposto a rumar para uma abertura política e econômica. Vamos ver se Cuba desenvolverá uma relação cordial e estável. Em termos de geopolítica global, o Irã é de longe mais importante. A abertura com Cuba se tornou possível em parte porque Cuba se tornou bem menos relevante.

ÉPOCA – Depois de Cuba, Obama visitou a Argentina. Ele está investindo tempo na América Latina porque lhe custa pouco ou por vislumbrar grandes ganhos?
Hakim –
As duas visitas de Obama serviram para restabelecer relações que se tornaram difíceis, quando não impossíveis, ao longo do tempo. Em graus diferentes, Cuba e Argentina se tornaram adversários políticos dos Estados Unidos. Essa é a semelhança superficial entre as duas visitas. Obama foi para Cuba porque seria o maior sucesso diplomático que ele poderia alcançar, custando o mínimo de atritos com o Congresso. Ninguém foi à tribuna discursar contra a visita a Havana, diferentemente do que havia acontecido em quase qualquer outro esforço de aproximação. Cuba tornou-se um alvo fácil para a doutrina Obama. A viagem a Buenos Aires importa mais pelos possíveis ganhos. O presidente foi dizer que a Argentina é um grande país, que o distanciamento por 12 anos se deveu à presença de governantes pouco confiáveis na Casa Rosada, e que agora quer restabelecer boas relações. Cuba e Argentina são casos diferentes. 

ÉPOCA – Cuba fica perto dos Estados Unidos, mas ir à Argentina é uma viagem longa. Por que Obama não aproveitou para reabastecer o avião no Brasil e tomar um café com a presidente Dilma?
Hakim –
Parece uma eternidade, mas faz apenas nove meses que Dilma esteve no Salão Oval da Casa Branca e foi convidada a jantar com Obama. De verdade, os frutos daquela visita foram bastante limitados. A viagem a Washington foi feita para Dilma buscar confiança dos investidores, mas ela não conseguiu convencer ninguém. Quase nada saiu daquele encontro. Mesmo quem lida com assuntos econômicos na Casa Branca me disse que os Estados Unidos não têm instrumentos para ajudar o Brasil, agora. O país não vive um problema financeiro nem tem crise de endividamento. Sua crise econômica tem mais a ver com a desconfiança de investidores. Além disso, as coisas dentro do Brasil parecem estar se deteriorando depressa. O governo Obama certamente não quer tomar partido na questão de a presidente Dilma sofrer ou não um impeachment..








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