Daciolo grava vídeo em frente à Estátua da Liberdade. Não a de Nova York, mas a do interior de Goiás (Foto: DANIEL MARENCO/AGÊNCIA O GLOBO)
Política

Cabo Daciolo, o pastor presidenciável que promete expulsar o demônio do Planalto

Cabo Daciolo, o pastor presidenciável que promete expulsar o demônio do Planalto

Aos 42 anos, ele integra uma geração de parlamentares que esnoba os meios oficiais de comunicação. Sua tribuna é o Facebook

BERNARDO MELLO FRANCO
22/06/2018 - 15h24 - Atualizado 22/06/2018 15h45

Numa quinta-feira de março, o deputado Cabo Daciolo subiu à tribuna com uma Bíblia na mão e uma ideia na cabeça. Depois de quatro anos na Câmara, o dublê de bombeiro e pastor evangélico decidiu concorrer ao Planalto. “Acredito ter um plano de nação para a colônia brasileira”, anunciou, em tom solene. O novo presidenciável não quis se dirigir aos poucos colegas no plenário. Falou diretamente com quem considera seu inimigo, sem intermediários. “Satanás, tu perdeste esta batalha! Saia do Congresso Nacional e saia da nação brasileira, em nome do Senhor Jesus Cristo!”, vociferou.

Benevenuto Daciolo quer expulsar o demônio da Praça dos Três Poderes. Filho de um coronel da Aeronáutica e criado na Zona Norte do Rio de Janeiro, ele diz que o Brasil vive uma “guerra espiritual” e precisa de alguém para salvar o governo das mãos do maligno. “Por isso, nós somos o próximo presidente. Nossa vitória está selada”, profetizou, falando de si no plural.

O deputado só participou de uma campanha, mas já está no terceiro partido político. Foi eleito pelo PSOL, que o expulsou no quarto mês de mandato. Depois passou pelo PTdoB, que mudou o nome para Avante. Agora está no antigo PEN, rebatizado de Patriota. O culpado pela última mudança foi Jair Bolsonaro. O líder das pesquisas prometeu se filiar à legenda nanica, mas desistiu na última hora. Abandonada pelo capitão, a sigla decidiu abrir as portas para o cabo.

“Também sou um patriota. Prego o nacionalismo, o civismo”, disse. Ele empunha outras bandeiras do favorito da extrema-direita, como a cruzada contra as urnas eletrônicas, mas nega ser um clone do rival. “Para o Bolsonaro, bandido bom é bandido morto. Para mim, bandido bom é bandido lavado e remido no sangue do Senhor Jesus”, diferenciou-se.

O cabo se lançou na política em 2011, ao liderar a greve dos bombeiros no Rio. Perdeu o cargo e ficou nove dias preso em Bangu. Mais tarde, foi anistiado e recebido por Sérgio Cabral. “Ele tinha 80% de aprovação. Depois de nosso movimento, caiu para 20%”, contou. O discurso é duplamente exagerado. O então governador foi mais atingido pelas manifestações de 2013 que pelo motim, e o tombo em sua popularidade foi de 55% para 25%, segundo o Datafolha.

O PSOL convidou Daciolo a se candidatar a deputado federal. Eleito com 49 mil votos, ele começou a brigar com a sigla antes da posse. Os socialistas se alarmaram quando o bombeiro postou um selfie com Bolsonaro. Depois entraram em choque quando ele defendeu a libertação dos PMs condenados no caso Amarildo. Surtaram de vez quando propôs mudar o Artigo 1º da Constituição. Daciolo queria substituir a frase “todo o poder emana do povo” por “todo o poder emana de Deus”.

“Isso colidiu com um ponto fundamental do PSOL, a defesa do Estado laico”, disse Chico Alencar, líder do partido de esquerda na Câmara. “Nas reuniões da bancada, ele dizia ter visões, revelações religiosas. Não havia racionalidade que o segurasse”, contou o deputado. O diretório da sigla aprovou a expulsão do bombeiro por 53 votos a 1.

A produção legislativa de Daciolo se divide em dois tipos de projeto: os que defendem interesses dos militares e os que tentam transformar o Brasil numa teocracia. Depois de propor a mudança na Constituição, ele quis incluir o estudo da Bíblia como disciplina obrigatória no ensino fundamental e médio. Na semana passada, propôs criar a Semana Nacional de Adoração a Deus, a ser celebrada nos primeiros sete dias do ano.

O deputado havia acabado de protocolar a proposta quando encontrou a equipe de ÉPOCA no cafezinho da Câmara. Isolado num canto do balcão, ele admitiu que não fez amigos na Casa. “Eles brigam no plenário e depois se juntam aqui. Ficam enganando o povo. Tá repreendido”, criticou, usando um de seus bordões. “Minha maior decepção foi a bancada evangélica. A grande maioria fechou com o Michel Temer”, disse.

O presidente conheceu a ira santa do bombeiro em novembro de 2016. Num pronunciamento enfezado, Daciolo disse portar uma mensagem de Deus para o emedebista. “Abandone a maçonaria! Abandone o satanismo! Arrependa-se dos seus pecados e venha correndo para Cristo!”, conclamou. Há cinco meses, Temer definiu os boatos que o associam ao Lúcifer como “uma coisa brutal”. “Logo eu, que sou religioso e vou à missa desde os 7 anos de idade...”, reclamou, em entrevista ao colunista social Amaury Jr.

Se a relação de Daciolo com os outros deputados é difícil, o mesmo não pode ser dito sobre os servidores terceirizados da Câmara. Faxineiras, garçons e ascensoristas evangélicos demonstram entusiasmo ao encontrá-lo. Ao identificar um companheiro de fé, ele interrompe o que estiver fazendo para distribuir bênçãos e cumprimentos.

“Você vai ser o próximo presidente!”, bradou a pastora Suellen Ramos, da igreja Ministério Nova Visão, ao esbarrar com o deputado num hall de elevadores. O encontro se transformou imediatamente numa roda de oração. “O Brasil precisa de um homem de Deus, que não tenha vergonha do Evangelho”, disse ela, depois de garantir um selfie com o presidenciável.

No gabinete, Daciolo era esperado por mais oito pastores. A pequena sala é decorada com um cajado que ele diz usar em caminhadas místicas. Na quarta-feira dia 13, a atmosfera era de fervor religioso. Todos clamaram juntos, e o deputado fez expressões de dor ao entoar os louvores. Num breve momento em que ele deixou o recinto, uma pastora pegou minha mão e tentou me convencer a “aceitar Jesus”. Ela contou que pesca almas perto da rodoviária de Brasília, numa área que mistura lojas populares, sindicatos, inferninhos e igrejas neopentecostais.

O bombeiro disse que se converteu há 14 anos. “Eu bebia muito, era mulherengo”, contou. Ele já frequentou a igreja Bola de Neve, que foi criada por um surfista e tem altares em forma de prancha. Hoje pertence à Assembleia de Deus, mas disse não fazer proselitismo para nenhuma denominação.

Aos 42 anos, Daciolo integra uma geração de parlamentares que esnoba os meios oficiais de comunicação, como a TV Câmara e a Voz do Brasil. Sua tribuna é o Facebook, onde ele tem 196 mil seguidores. No início de junho, o deputado assumiu a liderança do ranking de influência digital feito pela agência FSB. Impulsionado por vídeos de apoio à greve dos caminhoneiros, ele ultrapassou Bolsonaro numa lista que compara a atuação dos 513 deputados nas redes sociais. “Em uma semana, tivemos seis vídeos com mais de 1 milhão de visualizações. Quem faz isso não sou eu, é Deus. Um rega, o outro planta”, comemorou.

Daciolo recebe fiéis no gabinete, lidera um grupo de orações e usa um cajado para o que chama de caminhadas espirituais (Foto: DANIEL MARENCO/AGÊNCIA O GLOBO)

Ao festejar os números, Daciolo já estava ao volante do carro rumo ao próximo “live”. Ele fez mistério sobre o local da transmissão. Sem informar o destino, dirigiu por mais de uma hora até parar em Valparaíso de Goiás, no entorno de Brasília. Estacionou em frente a uma loja de departamentos da Havan. A cadeia enfeita suas filiais com réplicas imensas da Estátua da Liberdade. Daciolo explicou que foi até lá para denunciar um plano de dominação americana do Brasil. “Eles estão colocando isso em todo o território nacional”, disse, apontando para a imagem. “Vai ser destruída uma por uma”, prometeu.

Apesar de apoiar o mandato nas redes sociais, o deputado não tem smartphone. Usa um celular LG, velho e arranhado, que só serve para fazer e receber ligações. Um assessor é quem filma os discursos, transmitidos ao vivo na rede social. Além do imperialismo americano, Daciolo pretende combater a maçonaria. Ele diz que a irmandade manda no Brasil desde o tempo de José Bonifácio, o Patriarca da Independência.

“Escute aí, você que está envolvido com maçonaria. Vai mudar em nome de Jesus”, disse. “Tá repreendido adorar bode? Tá repreendido. Deus não tá em nada oculto”, continuou. O bombeiro desafiou os maçons para um encontro no Maracanã. “Você vai ficar enfermo e vai ter sete dias para aceitar o Senhor. Caso contrário, ele vai te levar. Tu vai descer à sepultura”, amaldiçoou.

Segundo Daciolo, o Pai em pessoa o encarregou do falatório, quando ele voava do Rio para Brasília. “Tava no avião, e Deus falou: ‘Meu filho, é hoje. Vai lá e fala isso para eles’. Agora este vídeo tem de chegar à nação, porque a nação vai ser libertada”, pediu.

Na tribuna ou no Facebook, todo discurso do deputado começa com “Glória a Deus” e termina com as palavras de ordem “Juntos somos fortes, nenhum passo daremos atrás e Deus está no controle”. Entre uma coisa e outra, ele pode recitar um trecho da Bíblia, exaltar as virtudes do nióbio ou elaborar uma teoria conspiratória. O deputado gosta de repetir que Brasília seria uma réplica de Akhetaton, cidade do Antigo Egito abandonada há 3.300 anos. “Akhetaton foi construída em quatro anos, e o faraó morreu 16 anos depois. Brasília foi construída em quatro anos, e o Juscelino Kubitschek morreu 16 anos depois”, comparou.

O bombeiro disse se inspirar em Enéas Carneiro, fundador do Prona. Em 1994, o médico recebeu 4,6 milhões de votos e ficou em terceiro lugar na corrida presidencial, superando políticos conhecidos como Orestes Quércia e Leonel Brizola. “Doutor Enéas era um exemplo para a nação. O poder o tachou como um louco, mas ele sabia da verdade”, afirmou.

Ele sabe que a pecha também o persegue, mas disse não se importar. “Todo mundo fala: ‘Daciolo, você está louco’. Para os homens, a minha chance é menor que 0,001%. Mas para Deus, é 100%”, afirmou. “Ainda não me botaram em nenhuma pesquisa, mas não vou desistir. Tá repreendido desistir!”, exaltou-se.

O presidente do Patriota, Adilson Barroso, também jurou que a candidatura do bombeiro é para valer. “O Daciolo está na mídia, vai ajudar o partido. O povo quer um candidato nessa linha. Hoje em dia, infelizmente, quem não for polêmico não aparece. Mas ele não tem nada de maluco.”








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