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As mulheres do Estado islâmico

As mulheres do Estado islâmico

Os radicais sunitas do EI usam as mulheres como parte essencial de sua luta para manter um califado em territórios da Síria e do Iraque

FILLIPE MAURO
12/11/2014 - 20h00 - Atualizado 12/11/2014 20h41
Mulheres que se afiliaram ao Estado Islâmico em treinamento no norte do Iraque. As regras do EI para participação das mulheres são rígidas  (Foto: Twitter do Estado Islâmico)

 Os capuzes negros que acompanham os terroristas do Estado Islâmico (EI) não encobrem apenas os rostos de alguns dos homens mais radicais do mundo. Por baixo de várias daquelas balaclavas, símbolos de horror para boa parte do Oriente Médio, são cada vez mais comuns militantes mulheres. Elas se tornaram ala essencial à construção do califado dos sonhos do EI. Militantes até mais radicais que os demais, são elas que garantem suprimentos aos maridos, irmãos e companheiros de luta entrincheirados nos campos de batalha.

O EI possui normas que proíbem a mistura de homens e mulheres em seus ataques armados e execuções sumárias. São decisões baseadas na rígida interpretação do grupo terrorista para as leis islâmicas. A guerra santa – Jihad – é travada entre homens, não entre mulheres. Dentro de sua organização, as militantes são responsáveis pelas mesmas funções delegadas desde sempre às mulheres de soldados. Transformam-se em enfermeiras de seus hospitais de campanha, costuram seus uniformes e cuidam da cozinha.

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Não se sabe quantas mulheres participam do EI. Além daquelas que já viviam na Síria e no Iraque, outra parcela foi recrutada fora do Oriente Médio. Um dos levantamentos mais modestos foi realizado em setembro pelo Centro Internacional de Estudos da Radicalização (ICSR) e apontou para a existência de 30 europeias envolvidas com o grupo terrorista. Outras estatísticas, no entanto, falam em números superiores a uma centena.

 Área ocupada pelo Estado Islâmico em Kobani, na Síria,  é atacada por ataques aéreos coordenados pelos EUA (Foto: Vadim Ghirda/AP Photo)

Parte delas emigrou já ao lado de seus namorados e maridos, militantes jihadistas. Mas várias outras partiram sozinhas para a Síria e o Iraque com a intenção de lá se casarem com membros do EI. Em abril, duas adolescentes austríacas, uma de 15 e a outra com 16 anos, tentaram partir desacompanhadas para a Síria. Um mês depois, no Reino Unido, duas irmãs gêmeas de 16 anos partiram ao lado de seu irmão mais velho para se unir ao grupo jihadista. O mesmo ocorreu com uma mulher canadense e com outras duas adolescentes somalis que moravam na Noruega.

Dos vários casos envolvendo menores, a França é a recordista. Observatórios do terrorismo acreditam que cerca de 25% dos recrutamentos de jovens para o EI ocorra por lá. No último mês de agosto, uma jovem de 16 anos tentou deixar o país ao lado de outro rapaz de 20 anos. Sua família não sabia de sua relação com ele e sequer conhecia os planos da filha de deixar o país. A polícia julgou a situação suspeita depois de verificar que a passagem da adolescente havia sido paga por seu acompanhante. Eles planejavam ir à Turquia e depois seguir viagem até a Síria. O suspeito foi preso e deve ser julgado. O caso chegou ao gabinete do ministro francês do Interior, Bernard Cazeneuve. Sua preocupação foi tamanha que criou uma campanha pedindo aos pais que informem ao ministério eventuais traços de radicalismo em seus filhos e filhas.

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Desde seus primeiros ataques nas redondezas de Bagdá, o EI se destacou de outros grupos terroristas pela forma profissional de lidar com a propaganda. A presença de militantes ocidentais em seus quadros contribuiu para isso. Os vídeos de alta resolução nos quais divulgaram as bárbaras execuções de James Foley e Steven Sotloff possuem qualidade cinematográfica. Ainda mais se comparados às antigas imagens caseiras produzidas pela Al Qaeda ao longo dos anos 2000.

O site da Fundação Zora oferece dicas, conselhos e até receitas às seguidoras de suas páginas na internet. É o melhor caminho para as mulheres do EI entenderem como devem agir  (Foto: Site Fundação Zora)

Essa capacidade de intimidação também é utilizada para cooptar. Hábeis usuários das ferramentas digitais, os militantes do EI usam as redes sociais (em especial, Twitter e Tumblr) para seduzir e condicionar suas novas companheiras. Como seu objetivo final é a criação de um “Estado”, inauguraram uma “instituições” para disseminar seus valores e orientações entre as mulheres do grupo. A Fundação Zora, como foi intitulada, oferece dicas, conselhos e até receitas às seguidoras de suas páginas na internet. Todas as publicações são redigidas em árabe, pois, como uma mensagem bem explica, aquelas que não falam o idioma “estão mais preocupadas com M&M’s e Nutella do que com tâmaras e painço” – dois ingredientes básicos da alimentação diária do EI nos campos de batalha.

Um vídeo publicado no YouTube discrimina as atividades que podem ser desempenhadas pelas mulheres e alerta que suas orientações servem àquelas que “estão mais interessadas em cintos explosivos do que vestidos brancos e castelos”. Também recomenda que as militantes pratiquem técnicas de primeiros socorros com suas irmãs mais novas e que façam exercícios físicos com regularidade. Isso porque, “ao andar todos os dias, [a mulher] não será um fardo para seus irmãos jihadi”.

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Mas as mulheres jihadistas não são apenas o braço prendado do movimento. Além de máquinas de costura e panelas, elas também sabem operar alguns dos lados mais criminosos do EI. Em agosto, quando o califado ocupou a cidade iraquiana de Sinjar e massacrou sua população yazidi (uma minoria religiosa do país), elas deixaram de ser donas de casa engajadas para se tornarem alcoviteiras de bordeis improvisados. O estupro das reféns, seguido de sua venda como escravas, é um meio de despersonalização daquelas que não seguem as escrituras. Os homens cuidavam das execuções de reféns e elas, do tráfico de mulheres e crianças. À época, uma das vítimas yazidi do episódio conseguiu contato com as forças de segurança do Iraque. Ela pedia em desespero que bombardeassem o bordel onde era cativa para que não fosse mais abusada.

>>A última carta de James Foley

O percentual de mulheres em meio aos quadros do EI não chega a 10%. Mas governos europeus trabalham com o cálculo pessimista de um rápido aumento. No dia em que o jornalista americano James Foley foi executado, uma celebridade islâmica no Twitter exprimiu o desejo de várias de suas seguidoras. Muhajirah fi Sham, pseudônimo que significa “imigrante síria”, disse: “quero ser a primeira britânica a matar um terrorista americano ou inglês”. Ela foi suspensa da rede social, mas suas publicações eram acompanhadas por centenas de pessoas. Sua plateia não é pequena.








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