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A súbita ascensão de Joël Dicker

A súbita ascensão de Joël Dicker

O escritor suíço de 28 anos rompeu a hegemonia dos livros para jovens ao transformar em best-seller uma trama policial com refinamento literário

LUÍS ANTÔNIO GIRON
13/06/2014 - 13h59 - Atualizado 13/06/2014 13h59
EM TURNÊ Joël Dicker na Suíça em 2012. Ele divulga seu livro nos EUA e participará da Flip no final de julho. “Estou em luto pela cultura literária”, diz (Foto: Corbis/Latin Stock e divulgação)

O suíço Joël Dicker, de 28 anos, virou o fenômeno mundial do ano com um romance que vai contra a corrente do que é considerado um produto de sucesso. Seu romance A verdade sobre o caso Harry Quebert (Intrínseca, 576 páginas, tradução de André Telles, livro: R$ 39,90 e e-book: R$ 24,30) foi escrito em francês e não exibe nenhuma das características que consagraram o produto favorito do mercado no momento: a literatura jovem adulta. Não se parece com sagas fantásticas, trilogias eróticas ou distópicas. Não inclui idílios com vampiros nem dramas lacrimosos entre jovens pacientes terminais. O livro de Dicker narra uma história de crime repleta de suspense, humor e armadilhas que balançam as convicções do leitor. Por isso, tem sido comparado à trilogia Millennium, do sueco Stieg Larsson, sucesso de 2005 a 2007. Como Millennium, Harry Quebert é o novo êxito mundial vindo da Europa.

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“Não pensava que minha história fosse seduzir as multidões”, disse Dicker a ÉPOCA. “É um enredo complicado, os protagonistas são escritores, e nada é o que parece, nem mesmo o desenlace. Mas faz sucesso. Estou surpreso e eufórico.”

A imaginação desse “jovem superdotado”, como o descreveu um crítico francês, tem sido considerada o antídoto mais poderoso contra a atual epidemia de romances juvenis que muitos críticos consideram banalizar a literatura. “Não tenho nada a ver com o universo jovem, nem nunca li esse tipo de livro”, diz Dicker.

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Embora seu livro não pertença ao gênero jovem adulto, tem sido lido por milhões de jovens e certamente foi escrito por um jovem adulto. Nascido em Genebra, numa família de classe média alta, Dicker foi menino prodígio. Em 1995, lançou uma revista sobre vida selvagem. Tinha 10 anos. “Aprendi o que é ser jornalista”, diz. “Redigia, diagramava, revisava e vendia. E cuidava do site.” Diz que sempre gostou mais de contar histórias que lê-las. “Um dos livros mais marcantes de minha infância foi Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos. Esse romance me incentivou a ser escritor.” Em 2005, aos 20 anos, publicou sua primeira novela, Tigre. Cinco anos depois, saiu seu primeiro romance, Les derniers jours de nos pères (Os últimos dias de nossos pais), sobre espionagem na Segunda Guerra Mundial. Enquanto escrevia, formou-se em Direito e trabalhou como advogado no Parlamento suíço. Em 2010, desistiu de trabalhar, para se devotar ao sonho de escrever histórias para o grande público. Durante dois anos, dedicou-se a Harry Quebert, lançado em 2012. “Trabalhei dia e noite”, afirma. “Não tinha vida pessoal.”

O esforço foi recompensado. O livro experimenta, desde então, uma trajetória ascendente irresistível, em prêmios e em vendas. Em 2012, venceu o grande prêmio de romance da Academia Francesa e foi finalista do Prêmio Goncourt. Foi traduzido para 37 idiomas e lançado em 45 países. Vendeu mais de 2 milhões de exemplares na Europa e destronou a trilogia Cinquenta tons de cinza, da inglesa E.L. James, da lista de mais vendidos da França. Nas listas italiana e espanhola, bateu o best-seller Inferno, de Dan Brown. Só falta tomar o território americano. Tudo indica que não deve demorar. Quando falou a ÉPOCA, fazia a turnê de apresentação de seu livro nos Estados Unidos.

“Estou nos Estados Unidos me esforçando para promover o livro e a literatura de qualidade”, afirma. “Apesar de tuitar e usar o Facebook, gosto dos meios convencionais de lançamento.” No Brasil, Dicker vendeu 25 mil exemplares em três semanas. Em 31 de julho, participará da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Vem acompanhado da namorada, a psicóloga suíça Constance Goulakos, com quem tem o hábito de dar longos passeios a pé por Genebra. “A cidade será o tema de meu próximo romance”, afirma. “Paulo Coelho, que encontrei outro dia, usou a cidade como tema no romance Adultério. Quero mostrar a Genebra de alguém que nasceu lá.”

Acomodado em sua cidade, não gosta de viajar. “Nunca pensei que pudesse percorrer o mundo, ainda mais como autor famoso. Estou curioso para conhecer o Brasil.” Em Paraty, dividirá a mesa com a escritora neozelandesa Eleanor Catton. “Será uma conversa informal”, afirma. “Discutiremos a sobrevivência do romance no século XXI. É urgente que lutemos pela vida literária, pois ela corre o risco de extinção, como já disse Philip Roth.”

Dicker leu muito Roth e tem sido comparado a ele e ao mestre do suspense Georges Simenon. “Roth não me influenciou tanto quanto Romain Gary, Marguerite Duras ou Dostoiévski”, afirma. “Não gosto de livro policial. Não li Simenon, embora meu editor me diga para fazê-lo, por achar que ele não segue as convenções do gênero, como eu fiz.”

Dicker diz que pretende variar os gêneros e nunca se render à facilidade. “Escrevo por prazer e por convicção de que o labor literário é tão difícil como necessário. Nada mais revelador da natureza humana do que uma história bem contada e sincera.” É assim que quer atrair leitores. “Não ligo para rótulos, críticas e prêmios. Importa é que meu livro levou milhões de jovens que não gostavam de ler a se interessar por ficção.”
 

Investigação e letras (Foto: AFP (2) e Keystone (2))

>> Leia o primeiro capítulo de A verdade sobre o caso Harry Quebert








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