Vida

Stephen King: O mestre do terror pauleira

Stephen King: O mestre do terror pauleira

Em um híbrido de biografia e manual, Stephen King recorda sua infância apavorante e destrincha o estilo que fez dele o mestre da literatura sobrenatural

SÉRGIO GARCIA
08/05/2015 - 08h01 - Atualizado 08/05/2015 08h01

No dia 19 de junho de 1999, o escritor Stephen King se viu personagem de uma de suas tramas de horror. Como era rotina nas temporadas de veraneio no Maine, na Costa Leste americana, ele caminhava 6 quilômetros todos os dias. No fim daquela tarde, quando King andava pelo acostamento da Rota 5, um furgão desgovernado surgiu do nada e o acertou em cheio. Não era um alienígena ao volante – tampouco Christine, o automóvel que por conta própria vira um serial killer numa das histórias mais conhecidas do autor. Com um profundo corte na cabeça, diversos ossos quebrados e uma perna estraçalhada do joelho para baixo, King escapou da morte por mera sorte.

Depois de três semanas de internação, o escritor voltou para casa em cadeira de rodas. Para superar a agonia da recuperação, retomou o projeto de um livro ao mesmo tempo autobiográfico e manual de ofício, que não soasse como “charlatanismo literário ou babaquice transcendental”. Afeito aos romances populares com teor sobrenatural, viu-se diante do desafio de uma obra não ficcional. “Articular essas verdades instintivas me foi dolorosamente difícil”, reconhece em determinado trecho de Sobre a escrita – A arte em memórias, lançado nos Estados Unidos em 2000 e que agora chega ao Brasil, pelo selo Suma de Letras. Sobre a escrita é um livro que tem tudo para cativar não só os fãs de King, mas também os jovens com pretensões literárias. Deve agradar também ao leitor que aprecia uma história cheia de reviravoltas – no caso, a vida de King.
 

LIVROTERAPIA Stephen King em  sua casa, em 2013. Ele escreveu um livro para exorcizar os demônios do álcool e da cocaína (Foto: Steve Schofield/Contour/Getty Images)

Com linguagem simples, sem “gravata e sapato social”, o autor faz uso frequente de parábolas. Para ele, escrever passa longe de ser uma revelação. King associa o ato literário a inspirações mais terrenas. O romance é como um fóssil que ele escava com afinco e cuidado. Sua lição primordial é direta como costumam ser suas narrativas: “A história sempre vem em primeiro lugar”. Portanto, nada de lições de moral e descrições exageradas. Em busca de um texto enxuto, outro de seus pilares, é preciso evitar arapucas. Por mais tempo que o autor tenha dedicado à pesquisa de um assunto, ela deve entrar nas páginas como pano de fundo da trama, sem maiores delongas. É bom também evitar advérbios.

Acima de qualquer vocação, o escritor tem obrigação de ler e escrever muito. King fala com conhecimento de causa. Ele segue uma agenda rigorosa, como narra na parte autobiográfica do livro: escreve pelas manhãs (e se preciso continua depois do almoço) e tira a tarde para cochilar e trocar mensagens com os amigos. À noite, faz programas em família e, sobretudo, lê muito, no mínimo 60 livros por ano. Trabalha sempre a portas fechadas, ouvindo heavy metal. Esse gosto talvez explique sua produção pauleira – em torno de 70 títulos, entre romances e contos, que já venderam 350 milhões de exemplares.

King teve uma infância digna de um personagem de Charles Dickens. Seu pai abandonou a casa cedo – o que levou ele, seu irmão e a mãe a viver pulando de sótão em sótão. Devorador de revistas em quadrinhos e das histórias apavorantes de Jack London, ele começou a arriscar suas primeiras tramas ainda criança. Na adolescência, descobriu o cinema, principalmente “filmes de terror, de ficção científica, de gangues adolescentes à caça de mulheres e sobre idiotas em motocicletas”. Encorajado, passou a submeter seus textos às editoras, mas sem sucesso. Chegou a montar um mural com as cartas de recusa.

O jogo começou a virar com Carrie, a estranha, sobre uma garota com poderes paranormais – seu primeiro romance, lançado em 1974. No ano seguinte, escreveu O iluminado, que se tornaria um filme de sucesso com Jack Nicholson como protagonista. Já consagrado, King viveu uma fase tenebrosa nos anos 1980, viciado em álcool e cocaína. Conta que chegou a escrever com cotonetes nas narinas para estancar o sangramento causado pelo pó. Vem dessa época Louca obsessão, uma trama em que uma mulher psicótica se aproveita de um acidente para aprisionar um escritor (o protagonista do romance, como King, também passou pela experiência de ter os ossos das pernas esmigalhados – e a descrição de sua dor lancinante está entre as melhores coisas escritas por ele). King faz um paralelo entre a personagem tirana e a cocaína e a bebida que o escravizavam. Conseguiu escapar dos vícios graças à força de vontade e à ajuda fundamental da mulher, a também escritora Tabitha, com quem é casado desde 1971. King atribui seu sucesso ao incentivo da mulher e a uma conjunção de ambição, desejo, sorte e um pouco de talento. Faltou mencionar o dom sobrenatural de assustar e envolver seus leitores. 








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