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Novo livro da saga "Millennium": deve-se continuar a obra de um autor morto?

Novo livro da saga "Millennium": deve-se continuar a obra de um autor morto?

O lançamento de "A garota na teia de aranha" divide a família do escritor da série e levanta polêmica

SÉRGIO GARCIA
04/09/2015 - 08h00 - Atualizado 04/09/2015 08h00
SUBSTITUIÇÃO A atriz Rooney Mara como Lisbeth Salander. O quarto livro da série Millennium foi escrito por outro autor (Foto: Merrick Morton/Everett Collection/Fotoarena)

Faz tempo que um livro não chega ao mercado envolto em tanto mistério e bate-boca. Com lançamento mundial cronometrado para a meia-noite da quarta-feira da semana passada e tiragem inicial de 2,7 milhões de exemplares, A garota na teia de aranha vem no embalo de uma candente polêmica. Sua concepção desfia uma trama cheia de ciladas, acusações e batalhas nos tribunais. A nova obra dá sequência à trilogia Millennium, fenômeno global com mais de 80 milhões de exemplares vendidos, um sucesso que seu autor não pôde desfrutar.

Stieg Larsson, jornalista sueco, foi fulminado por um ataque cardíaco aos 50 anos, em novembro de 2004, meses antes da publicação do primeiro volume da série, Os homens que não amavam as mulheres. Desde então, uma contenda em torno do legado põe de um lado sua ex-companheira, Eva Gabrielsson, e do outro o pai e o irmão de Larsson, donos do espólio. Eva, que não era casada oficialmente com o escritor, ficou furiosa ao saber da continuação da série, a cargo de David Lagercrantz, autor escolhido pelos donos do espólio. Em comum com o autor original, Lagercrantz tem as características de ser jornalista e sueco. E só. Tem pouco traquejo na ficção e é mais conhecido pela biografia do craque Ibrahimovic. Eva chamou a iniciativa de caça-níquel e classificou a escolha como “total idiotice”.

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Lagercrantz, ao menos, leu os três primeiros livros antes de escrever sua história. Escreveu-a em um laptop sem conexão com a internet, para evitar invasores. Por precaução, levava os manuscritos pessoalmente aos editores e usava linguagem codificada nos e-mails. Como parte dessa deliberada jogada editorial, tudo era estrategicamente divulgado nas mídias digitais. Assim veio à luz A garota na teia de aranha. A trama dá destaque ao jornalista investigativo Mikael Blomkvist, escanteado nos dois últimos romances. Ele continua a agir em dupla com a ciberpunk niilista Lisbeth Salander, com seus poderes quase deíficos de hackear a tela alheia. No centro do enredo estão temas atuais: a Agência de Segurança Nacional americana (NSA) e o vazamento de informações confidenciais.

Lagercrantz introduziu novos personagens, como Gabriella Grane, agente do serviço de segurança sueco, e Hannah Balder, uma mulher que fuma 60 cigarros por dia. Essa personagem remete a Larsson, fumante compulsivo que costumava se empanturrar de junkie food. Seu cotidiano desregrado dispensa as teorias conspiratórias que brotaram após sua morte repentina. Essas teorias diziam que ele poderia ter sido assassinado por personagens de suas reportagens na Expo, revista criada por ele em Estocolmo. Larsson edificou seu nome com uma cruzada contra poderosos e a favor de minorias. Chegou a denunciar um conluio supremacista sul-africano pela morte do primeiro-ministro sueco Olof Palme, em 1986, crime até hoje sem solução.

A polêmica em torno do livro é natural. Administrar um espólio literário exige manobras delicadas. “É um plágio consentido”, diz Luiz Alfredo Garcia-Roza, autor de romances policiais ambientados em Copacabana. Esse tipo de resolução não é rara. Com o consentimento dos herdeiros de Agatha Christie, a escritora inglesa Sophie Hannah ressuscitou recentemente o detetive Hercule Poirot, numa obra que teve boa acolhida da crítica. As histórias de James Bond também foram retomadas por outros autores após a morte de seu criador, Ian Fleming. Larsson uniu-se a uma galeria de autores com personagens tão poderosos que merecem ser eternizados.

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