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O triste fim da Cosac Naify

O triste fim da Cosac Naify

Após quase duas décadas transformando livros em obras de arte, a editora anunciou que vai fechar as portas

RUAN DE SOUSA GABRIEL E NINA FINCO
04/12/2015 - 13h27 - Atualizado 04/12/2015 17h09

Na última segunda-feira, 30 de novembro, todos os figurões do mercado editorial estavam reunidos na Biblioteca do Parque Villa-Lobos, na Zona Oeste de São Paulo. Aguardavam o anúncio dos vencedores do Prêmio São Paulo de Literatura. Dos dez finalistas, três foram publicados pela Cosac Naify: Tempo de espalhar pedras, de Estevão Azevedo, O oitavo selo, de Heloisa Seixas e Caderno de um ausente, de João Anzanello Carrascoza. Tempo de espalhar pedras foi o grande vencedor da noite, eleito o livro do ano. Às 20h56, uma postagem no Facebook da editora comemorava: “Estamos cheios de orgulho, parabéns ao escritor!”. Minutos depois, às 21h16, o site do jornal O Estado de S.Paulo publicou uma entrevista exclusiva com o dono da Cosac Naify, Charles Cosac, que anunciava o fim da editora.

Cosac (Foto: Arte ÉPOCA)

Num jantar em homenagem aos premiados, Azevedo checou suas redes sociais e se deparou com a mensagem de um amigo que se dizia feliz pelo prêmio, mas triste pelo fim da Cosac Naify. Azevedo, que é editor da Globo Livros e conhece os percalços enfrentados pelo mercado editorial, pensou que o amigo se referia à crise econômica, que tem castigado quem trabalha com papel. Mas logo descobriu que a editora, de fato, encerrava não só um capítulo, mas sua história. “Se fosse o enredo de um romance, seria tão inverossímil que ninguém acreditaria”, afirma Azevedo.

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A Cosac Naify foi fundada, em São Paulo, em 1997, por Charles Cosac, herdeiro de minas de manganês e cristal, e seu cunhado Michael Naify, americano cuja família fez fortuna com salas de cinema espalhadas pelos Estados Unidos. Eles foram colegas na Universidade de Essex, na Inglaterra, nos anos 1980, mas só decidiram criar a editora na década seguinte, incomodados com a baixa qualidade dos livros de arte editados no Brasil. A editora nasceu como uma mesa e um bloquinho no apartamento de Cosac, no aristocrático bairro de Higienópolis, com a missão de publicar monografias que divulgassem a produção artística brasileira. A primeira obra publicada foi Barrocos de lírio, do artista pernambucano Tunga, e exemplifica os projetos gráficos arrojados que transformariam os livros da Cosac Naify em artigos de luxo. O livro era composto por dez tipos de papel e mais de 200 ilustrações. Uma delas, a fotografia de uma trança, chegava a um metro de comprimento quando desdobrada. A exuberância dos livros que a Cosac Naify colocava nas livrarias refletia a personalidade excêntrica de seu fundador. Filho de imigrantes sírios, Cosac se veste com túnicas de seda à moda árabe e coleciona obras de arte que decoram seu luxuoso apartamento, que possui ambientes vermelhos do carpete às paredes, inspirados no filme Gritos e sussurros, do cineasta sueco Ingmar Bergman. Cosac parece um personagem dos livros que edita, como Dorian Gray ou Oblomov, o aristocrata recluso do romance do russo Ivan Gontcharóv.

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A Cosac Naify diversificou seu catálogo a partir de 1999. Augusto Massi, professor de literatura da Universidade de São Paulo (USP), assumiu a direção da editora, que passou a publicar literatura, antropologia, cinema e até livros infanto-juvenis. Massi investiu na edição luxuosa de clássicos da literatura que já estavam em domínio público, como as obras de Liev Tolstói, uma manobra que visava trazer dinheiro para o caixa da editora, que sempre foi deficitária. “A Cosac deixou de ser a editora dos livros de arte e se tornou a editora que fazia de qualquer livro, um livro de arte”, afirma Azevedo. Em 2011, Massi deixou a Cosac Naify. Ele e Cosac trocaram acusações pela imprensa sobre quem era o culpado do rombo nas contas da empresa. Apesar disso, Cosac sempre deixou claro que admirava o caráter do ex-funcionário.

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Cosac afirmou que o fim da editora não é resultado da crise econômica. “Não estou culpando ninguém, nem a Dilma, nem a alta do dólar”, disse. A decisão de colocar um ponto final na história da Cosac Naify se deu por acreditar que a editora estava cada vez mais distante de sua missão original e perdia sua identidade. “Ao meu ver, uma editora deve existir exclusivamente para alimentar um projeto cultural e quando eu senti o projeto Cosac Naify ameaçado, eu julguei que seria o momento correto para cessarmos nossas atividades”, escreveu em carta publicada no blog da editora, que confirmava que o encerramento das atividades ocorrerá até o fim de dezembro.

Depois da entrevista em que anunciou o fechamento da editora, na segunda-feira, Cosac voltou a seu comportamento habitual e recolheu-se. Os funcionários descobriram-se desempregados quando ouviram a marcha fúnebre que reverberava nas redes sociais. O escritor português Valter Hugo Mãe, uma das estrelas do catálogo da editora e amigo pessoal de Cosac, fez do Facebook o seu Tejo particular e lamentou: “chorarei o fim da mais bela editora com o orgulho tremendo de ter sido seu fiel leitor e honrado autor”. Outros viúvos e viúvas da Cosac Naify queixavam-se por todas as edições luxuosas que deixarão de chegar às livrarias.

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Por volta das 23 horas, os funcionários receberam um e-mail do patrão: “Meus queridos amigos, é com muita tristeza, mas também com muita tranquilidade, que venho participar-lhes da minha decisão de encerrar a Cosac Naify”. Pedir mais explicações era inútil. Na terça-feira de manhã, quem mandou e-mail para Cosac recebeu, como resposta automática, a letra da canção “Meu mundo caiu”, samba-canção eternizado na voz potente da cantora Maysa: Meu mundo caiu/E me fez ficar assim/Você conseguiu/E agora diz que tem pena de mim. E os leitores que aprendam a se levantar.








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