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O menino contra o mundo: a guerrilha brasileira para ganhar o Oscar

O menino contra o mundo: a guerrilha brasileira para ganhar o Oscar

Para a divulgação do seu filme para a disputa do Oscar de melhor animação, o diretor de "O menino e o mundo", Alê Abreu, apostou numa vaquinha contra os milhões de dólares da Pixar

NINA FINCO E PAULA SOPRANA
26/02/2016 - 08h00 - Atualizado 26/02/2016 08h00
O filme "O menino e o mundo", de Alê Abreu, é único representante brasileiro no Oscar 2016 (Foto: Divulgação)

Quando os indicados ao Oscar de Melhor Animação foram divulgados, no dia 14 de fevereiro, o brasileiro O menino e o mundo estava na lista. O filme independente disputava uma vaga com outros 16 candidatos, entre eles gigantes como Minions (a segunda maior bilheteria na história das animações), da Universal, e O bom dinossauro, da Pixar. Para conseguir se destacar, o diretor Alê Abreu e a produtora Filme de Papel precisaram atender a um pedido da distribuidora internacional, a Gkids: coletar dinheiro para financiar a campanha pré-Oscar. A saída foi lançar uma campanha na Catarse, primeira plataforma brasileira de financiamento coletivo on-line.

>> Confira os indicados ao Oscar 2016

Intitulada “O menino e o mundo no Oscar 2016 – Vamos trazer o ‘careca dourado’ para o Brasil!”, a vaquinha teve início em 28 de janeiro, às 21h, e segue até o dia da premiação que acontece neste domingo (28). A meta era arrecadar R$ 100 mil que seriam utilizados para ações como investimento em relações públicas, anúncios na mídia e artigos na imprensa local, envio de DVDs e organização de sessões especiais para os votantes – já que, segundo o diretor Alê Abreu, muitos dos 6 mil eleitores da Academia nem chegam a assistir todos os filmes concorrentes. “Vamos fazer guerrilha em Hollywood”, afirmou Abreu em entrevista coletiva concedida no dia 15, após a nomeação que o colocou entre os cinco filmes indicados. Em apenas dois dias, as doações alcançaram 49% da meta. Às vésperas da cerimônia, o saldo arrecadado é de mais de R$ 155 mil. As pessoas que colaboraram com a campanha ganharão brindes, como postais, cadernos e o DVD do filme, dependendo da quantia doada – os valores variam de R$ 24 a R$ 3.840.

Para um filme brasileiro e independente como O menino e o mundo, conseguir um lugar sob os holofotes de Hollywood é uma verdadeira batalha entre Davi e Golias. A animação demorou cinco anos para ficar pronta, ao custo de R$ 2 milhões. Divertida mente, concorrente da Pixar ao mesmo prêmio e favorito na categoria, teve um orçamento de US$ 173 milhões (cerca de R$700 milhões, ou seja, a produção americana teve 350 vezes mais dinheiro envolvido). Mas dólares não compram uma indicação. A verba para campanha de O bom dinossauro, também da Pixar, foi estimada em US$ 200 milhões pela revista Variety. Mesmo assim, a animação não entrou para a lista oficial. “As campanhas para o Oscar custaram 10 vezes mais do que o orçamento do meu filme inteiro”, disse Abreu em entrevista à ÉPOCA.

Outro trampolim para o coração dos eleitores do Oscar são as premiações fora do eixo hollywoodiano. Desde sua estreia, em 2014, O menino e o mundo reuniu uma invejável lista de títulos: 44 prêmios, incluindo o de melhor animação (em aprovação dupla pelo júri e pelo público) no Festival Annecy, na França, considerado o maior prêmio da categoria no planeta. A crítica internacional aplaudiu de pé a narrativa poética do garoto rural que sai de sua vida bucólica em busca do pai e descobre, em um caminho de distopia, o caos de uma sociedade desigual e excludente, marcada pelo consumo, pela opressão industrial e pela devastação do meio ambiente. O cenário faz referência ao período entre 1970 e 1980, quando o Brasil vivia sob a ditadura.

O enredo não foi o único trunfo de O menino e o mundo. O filme foi construído de forma artesanal combinando diferentes técnicas: desenho com canetinha e giz de cera, pinturas e colagens – em algumas cenas, a animação comum dá lugar a recortes de jornal e revista, ao live-action e ao preenchimento total da tela. Tudo é sincronizado com a evolução musical, que vai ganhando peso e tensão, como a trama.

Se fosse focado no Brasil, O menino e o mundo talvez tivesse dificuldade em despertar o interesse do público internacional. Mas a história de Abreu é atemporal e não se passa em lugar definido. Poderia acontecer em qualquer país do Terceiro Mundo. O cenário é fruto de uma pesquisa anterior ao filme, que serviria para um documentário sobre músicas de protesto na América Latina. A obra tampouco tem diálogos (os poucos trechos falados são num português de trás para frente) e a trilha sonora assume protagonismo tão importante quanto a apresentação visual. Assinada por Gustavo Kurlat e Ruben Feffer, a trilha tem participação do percussionista Naná Vasconcelos e do rapper Emicida.

No próximo domingo (28), o menino Davi esperará ansioso para ver se a pedra jogada na direção do “careca dourado” fará algum estrago. Até agora, o caminho trilhado foi de flores, só resta esperar para ver se Golias – ou melhor, Hollywood – cairá sobre elas.

Gif do filme O menino e o mundo  (Foto: reprodução)
As animações estão amadurecendo

Falar de ditadura não é uma opção comum para filmes infantis de animação. O menino e o mundo vem na esteira de outras produções animadas que parecem voltadas às crianças, mas que têm muito a dizer aos adultos. Em 2016, três dos cinco indicados ao Oscar de Melhor Animação têm como pano de fundo temas ousados. Além do filme de Alê Abreu, Anomalisa, de Charlie Kaufman, e Divertida mente, de Pete Docter, são maduros demais para sua idade.

O representante brasileiro no Oscar se passa num período marcante da história nacional. Após ver seu pai ir embora para trabalhar numa megalópole, o tal menino parte em sua própria jornada para a cidade. Enquanto o faz, ele é forçado a perceber como o mundo é opressor. As crianças se assustarão com figuras como canhões de guerra disfarçados de monstros que cruzam o caminho do protagonista mirim, se afeiçoarão pelos cenários imaginativos e dançarão ao som da trilha sonora envolvente. Já os pais que assistirem junto, serão obrigados a analisar os vícios da ditadura que persistem até hoje na sociedade brasileira e a encarar outras preocupações adultas como a globalização, a crise econômica e a perda de valores.

"Anomalisa", animação de Charlie Kaufman, tem cenas de sexo e nudez frontal (Foto: Divulgação)

Apesar de usar o recurso da animação, tão adorado pelas crianças, o drama existencial de Charlie Kaufman e Duke Johnson, Anomalisa, não foi destinado a elas. Feito em stop-motion, o filme acompanha Michael Stone, um pai de família e guru do atendimento ao consumidor em uma viagem à Cincinnati. Stone é um homem alheio a tudo e introspectivo. A única forma que encontra de se livrar do imobilismo de si mesmo é o adultério. Anomalisa traça comentários políticos sobre o governo Bush e contém até cenas de sexo explícito e nudez frontal. Os conflitos internos e externos de Stone fazem sentido apenas a alguém que já tenha passado pela puberdade e pelos dramas do convívio social – muitas vezes forçado.

O sucesso da Pixar Divertida mente foi inspirado em uma criança: a filha do diretor Pete Docter. Mas é a versão que Docter, um homem crescido que já passou por diversas fases de amadurecimento, criou da mente de uma menina de 12 anos que chama a atenção dos adultos. É, certamente, a história mais arriscada e profunda já contada pela Pixar e exige certa bagagem emocional para ser entendido na em sua plenitude. O que é vendido como uma comédia supercolorida sobre sentimentos antropomórficos caricatos é, na verdade, uma sessão de terapia sobre a importância da tristeza.

O filme "Divertida mente", que concorre ao Oscar de Melhor Animação, fala aos adultos ao reforçar a importância da tristeza (Foto: Divulgação)

>> Divertida Mente: uma história (engraçada) dos sentimentos

Até agora, o gênero da animação vinha se apoiando em temas infantis para se manter rentável. Mas, aparentemente, mais e mais cineastas estão dispostos a se arriscar e buscar uma audiência mais ampla, usando a facilidade da linguagem do desenho para compreender e explicar as sensibilidades dos adultos. Se antes os pais optavam por uma animação entre as muitas ofertas dos cartazes do cinema apenas para agradar seus filhos, agora será ele que precisará convencer sua prole a aguentar duas horas sobre dramas da vida adulta.

* Bruno Astuto e o Oscar 2016: acompanhe os comentários de nosso colunista na cobertura do evento. Domingo, 28 de fevereiro, a partir das 21h, no Twitter @brunoastuto








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